VII-
REFLEXÃO DOMINICAL II
19 de
janeiro – 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
A manifestação da glória de
Deus nas bodas de Caná
I.
INTRODUÇÃO GERAL
O que ocorre em Caná é um protótipo do que irá acontecer a
partir de então. Tudo acontece numa festa de casamento, uma celebração que
reúne amigos e familiares. Numa festa em que ocorre a comunhão entre duas
pessoas, Deus se manifesta por meio de seu Filho e mostra que a capacidade
total de saciar nossa sede só será encontrada quando acolhida e desenvolvida
por meio dos sinais que se manifestarão a partir de então. Nas bodas de Caná,
Jesus passa a ser reconhecido por alguns como o Messias. Desde o início da
dominação romana, Caná da Galileia, uma região montanhosa, era o lugar onde as
pessoas consideradas rebeldes, os grupos subversivos que se opunham ao regime
dominante em Jerusalém, se refugiavam. Situar o princípio dos sinais de Jesus
nessa região montanhosa poderia significar, para a comunidade joanina, um
incentivo para continuar a resistir contra os judeus fariseus e o Império
Romano.
As leituras deste domingo nos convidam a refletir sobre o
projeto de Jesus, que é de vida plena, e considera as necessidades concretas da
comunidade.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 62,1-5)
Este trecho faz parte do Terceiro Isaías, livro cujo contexto é
o retorno dos exilados a Jerusalém, embalados pelo sonho de um novo êxodo e de
uma nova sociedade. Com a promessa de refazer a aliança e recomeçar o
relacionamento amoroso entre a cidade e seu esposo, Javé, o texto traz uma
resposta às acusações de que Javé não age em favor do seu povo: um novo céu e
uma nova terra, uma união de casamento, a mesma alegria, será alcançada. Ter um
nome novo significa ter novo destino (cf. Ez 48,35). O gesto de levantar a mão
fazia parte desse juramento (cf. Gn 14,22; Ex 6,8; Ez 20,5).
No fundo, essa passagem de Isaías celebra a alegria e a
esperança do povo de Israel, que vivia o período de restauração após o exílio
babilônico e estava sem direção, desconfiado. Aqui, o profeta anuncia que a
libertação de Jerusalém está próxima e ela será como uma coroa de glória na mão
do Senhor. Deus promete uma aliança nova, simbolizada pela relação entre noivo
e noiva, destacando uma confiança renovada entre ele e seu povo.
2. II leitura (1Cor 12,4-11)
Paulo, nesse trecho, fala sobre a diversidade dos dons
espirituais, todos concedidos pelo Espírito Santo para o bem comum. Cada dom é
uma manifestação do Espírito e deve ser utilizado para tornar a comunidade
ainda melhor, ou seja, edificada. Dessa forma, a comunidade obterá a unidade no
corpo de Cristo.
A comunidade de Corinto estava passando por divisões internas, e
Paulo aproveita a oportunidade para insistir que todos os dons devem ser postos
a serviço da unidade e da cooperação. No fundo, Paulo enfrenta problemas e
propõe soluções. Cristo, o único líder, não está dividido. Para os inúmeros
carismas existentes na comunidade, o serviço ao bem comum e a subordinação ao
dom maior, que é o amor, são fundamentais.
3. Evangelho (Jo 2,1-11)
Um fato corriqueiro aqui aparece: um casamento. A imagem do
casamento era muito usada para falar da aliança entre Deus e seu povo. Temos
uma festa em que as pessoas estão celebrando a vida, e é nesse lugar que o
vinho começa a faltar. O vinho é sinal do amor e da bênção de Deus (cf. Ct 1,2;
8,2). Seria a falta de vinho uma referência à falta de amor? A mãe de Jesus
percebe que a Antiga Aliança não está sendo suficiente para trazer vida às
pessoas. É uma mulher, uma mãe, que percebe a falta de vinho em meio a uma
festa de casamento.
Maria é a representante do Israel fiel às promessas de Deus,
daqueles que reconhecem em Jesus o Messias e lhe apresentam a grande
dificuldade: “Eles não têm mais vinho” (v. 3). Maria leva até Jesus essa
necessidade e o faz ver a aflição de Israel. Aqui se evidencia a situação de
pobreza, sofrimento e vazio dos filhos de Israel.
Para que os sinais de Jesus sejam realizados, ele conta com a
colaboração das pessoas. Os servos devem encher os jarros (v. 7). As jarras
eram usadas para conter a água para purificação ritual. Elas lembram a Lei de
Moisés, o código da Antiga Aliança. Havia seis jarras, um número incompleto. O
Evangelho apresenta seis festas judaicas (2,13; 5,1; 6,4; 7,2; 10,22; 11,55).
Essas festas, assim como as jarras, estão vazias. As autoridades judaicas as
transformaram em momentos de exploração e opressão justificadas pela Lei. O
mestre-sala experimenta o vinho novo e não tem a menor ideia de sua
procedência, mas deixa claro que é melhor do que o outro. Representante da
classe dos dirigentes (v. 6), ele se dirige ao noivo e diz: “Você, porém,
guardou o vinho bom até agora” (v. 10). Demonstra surpresa e admite que a
qualidade do vinho novo é melhor. Na fala do mestre-sala, as autoridades
reconhecem que a proposta da comunidade joanina é melhor, ou seja: a
sensibilidade, o amor, a solidariedade e o serviço dão sentido à vida das
pessoas. E quem articula esse novo jeito de viver, nessa comunidade, são as
mulheres, que ajudam a construir novas relações.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– O projeto de Jesus é para quem
deseja segui-lo. A cena de uma festa de casamento em Caná da
Galileia, uma pequena aldeia de montanha, a quinze quilômetros de Nazaré,
possui um caráter claramente simbólico. Nem a esposa nem o esposo têm rosto: não
falam nem atuam. O único importante é um convidado que se chama Jesus. Como
podemos reconhecer e celebrar a abundância da graça de Deus em nossa vida?
–
Renovação e compromisso. No pátio da casa há seis jarras de pedra. São enormes.
Estão colocadas ali de maneira fixa. Nelas se guarda a água para as
purificações. Representam a piedade religiosa dos camponeses que procuram viver
puros diante de Deus. Jesus transforma a água em vinho; sua intervenção vai
introduzir amor e alegria naquela religião. Essa é sua primeira contribuição.
Até quando podemos conservar em talhas de pedra uma fé triste e aborrecida?
– Diversidade dos dons e unidade. Paulo
deixa claro que os dons espirituais surgem do Espírito que vem de Deus e devem
ser postos a serviço do bem comum. Por meio da diversidade de dons, a unidade
em Cristo é fortalecida. Como podemos promover a unidade por meio dos nossos
dons?
– Confiança em Deus. Maria,
ao interceder por aqueles que estavam em necessidade, mostra-nos uma situação
triste, que só será transformada pelo vinho novo trazido por Jesus. Um vinho
que só saboreiam aqueles que acreditam no amor gratuito de Deus Pai e vivem
animados e empolgados por um espírito de verdadeira fraternidade.
– Convite ao compromisso. Vivemos
em uma sociedade onde cada vez mais se enfraquece a raiz cristã do amor
desinteressado. Frequentemente, o amor se reduz a um intercâmbio mútuo,
prazeroso e útil, em que cada pessoa busca seu próprio interesse. Nunca é tarde
para aprender a viver com maior profundidade. Aquele Jesus, que iluminou com
sua presença as bodas de Caná, pode ensinar todos os cristãos a beberem um
vinho ainda melhor.
Gisele Canário*
*é
mestra em Teologia, com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em
Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em
Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico
Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de material para estudos bíblicos,
gravação de vídeos, formação em comunidades eclesiais e cursos bíblicos
on-line.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/19-de-janeiro-2o-domingo-do-tempo-comum-2/
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