VIII-REFLEXÃO
DOMINICAL II
5
de janeiro – EPIFANIA DO SENHOR
Por Gisele Canário*
A revelação do mistério divino
I. INTRODUÇÃO GERAL
A festa da Epifania celebra a
manifestação de Jesus Cristo ao mundo, simbolizada pela visita dos magos do
Oriente. Este evento é uma revelação do mistério divino: Jesus é o Messias não
apenas para Israel, mas também para todas as nações. Os textos bíblicos da
Epifania nos convidam a refletir sobre a universalidade da salvação trazida por
Cristo e sobre o papel da luz divina, que atrai todas as pessoas,
independentemente de sua origem.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 60,1-6)
O capítulo 60 integra o núcleo
do Terceiro Isaías. Aqui, a busca é por um novo êxodo e uma sociedade nova, e
as pessoas se voltam para Jerusalém. No entanto, algo acontece: a elite
judaica, apoiada pelos persas, impõe seu projeto de reconstrução do templo e da
sociedade teocrática. Nesse momento, o templo e a lei do puro e do impuro
imperam, tornando-se meios de arrecadação de tributos para o custeio das
autoridades de Jerusalém, aliadas ao Império Persa na opressão e exploração do
povo. A grande novidade, contudo, é que o sonho de uma nova sociedade continua
vivo, um “novo céu e uma nova terra”, baseados no direito e na justiça. É esse
projeto de liberdade que o grupo do Terceiro Isaías procurará manter a partir
de agora.
Isaías 60,1-6 é parte de um
hino que exalta Jerusalém e a situa como centro religioso e econômico para
todos os povos (cf. Is 33,17-24). É uma cidade do futuro, descrita em Isaías
54-55, e será um ambiente de justiça e paz, onde haverá segurança, felicidade e
bem-estar, tanto econômicos quanto espirituais. Nessa cidade já não haverá
violência nem destruição (cf. Ap 21). É preciso entender que, no contexto dos
períodos exílico e pós-exílico, é compreensível o sonho de uma Jerusalém
restaurada e tornada centro do universo, mas pregar essa visão atualmente
provocaria exclusão e violência.
O que fica desse texto é a
ênfase na permanente presença de Deus, que não se restringe a um grupo
específico, mas é destinada a toda a humanidade.
2. II leitura (Ef 3,2-3a.5-6)
Em Efésios, grande parte dos
membros da comunidade cristã era formada por não judeus convertidos, mas havia
também membros judeus que eram antigos tementes a Deus. Isso significa que o
problema da relação entre judeus e não judeus ainda persistia. O que muda aqui
é que, antes, os judeus viviam distantes e sofriam com a muralha da separação
pela lei da pureza; agora, porém, eles são aproximados pelo “sangue de Cristo”
(Ef 2,13) para continuar a viver em paz.
No final do século I, as comunidades estavam às voltas com um
problema: cristãos influenciados pelas “religiões gnósticas”. A carta aos
Colossenses havia alertado: “Tomem cuidado para que ninguém os escravize com
filosofias enganosas e vazias [...], que se baseiam [...] não em Cristo” (Cl
2,8). A insistência era apenas no conhecimento da divindade por meio dos esforços
humanos, com raciocínios filosóficos. Efésios 3 descreve o mistério de Cristo,
o projeto salvador de Deus, por meio do Evangelho. Mostrando o Evangelho como o
anúncio da salvação de Jesus Cristo, provavelmente a intenção de Efésios fosse
prevenir contra outros evangelhos: o evangelho da pax romana, o do
grupo judaizante e o do grupo gnóstico. Estes estavam comprometendo, com suas
ações, o jeito de ser dos cristãos, dessa nova comunidade que se empenhava pela
fraternidade e pela paz.
Enfim, no trecho deste domingo,
Paulo destaca que os gentios estão inclusos no plano de salvação, quebrando a
separação entre judeus e não judeus. O apóstolo é prático e afirma que essa
inclusão é essencial para quem deseja viver o Evangelho, buscando participar do
projeto de Jesus.
3. Evangelho (Mt 2,1-12)
Mateus fala de uma estrela para
indicar o nascimento do menino Jesus. Havia uma crença, na perspectiva dos
orientais, de que uma pessoa especial nascia quando uma estrela surgia. Com
isso, o grupo pertencente às comunidades de Mateus queria dar ênfase ao
nascimento de Jesus e à sua importância, mostrando que a presença de Deus
conosco pode ser esperança para alguns e ameaça para outros.
Simbolizando as diversas
nações, os magos do Oriente saem em busca do Messias. Partem rumo a Jerusalém,
o centro político, religioso e econômico da Palestina, com o objetivo de buscar
informações sobre o Messias, pois querem homenageá-lo (v. 2). Esse é o tempo em
que Roma governa por meio do rei Herodes, que oprimia e marginali- zava o povo.
Com a notícia do nascimento de Jesus, Herodes e seu grupo elitista ficam
apavorados (v. 3). Os sacerdotes e escribas são convocados para verificarem as
Escrituras (v. 4). Eles confirmam, por meio do profeta Miqueias (Mq 5,1), que
nasceria em Belém de Judá o rei dos judeus. Logicamente, com essa informação,
Herodes se apavora ainda mais, pois o nascimento desse menino é grande ameaça
para os opressores do povo.
Por trás dessa história, está a
experiência da comunidade de Mateus, que luta por sua libertação (cf. Mt
10,23). Herodes traça um plano e pede aos magos que o mantenham informado sobre
o que descobrirem, para que ele também possa prestar homenagem ao novo rei (v.
8). Os magos encontram o me- nino e sua mãe (v. 11). O encontro com Jesus
acontece na casa, e nela há lugar para todos.
Os magos presenteiam Jesus, em
reconhecimento de que ele é realmente o Messias, justo e misericordioso, rei
que, por causa de seu projeto e sua prática em favor da vida, será capaz de
morrer, ressuscitar e ser reconhecido por todos como Filho de Deus (Mt 27,54).
Os estrangeiros da história de Mateus sabem discernir os sinais. Despistando as
elites, os magos voltam para sua terra e cultura de origem por caminhos
diferentes (v. 12).
A realeza e a divindade de
Jesus são manifestadas desde o início, sendo reconhecidas por gentios que
representam as nações do mundo. A atitude de Herodes contrasta com a adoração
genuína dos magos. A narrativa sublinha a oposição entre o poder mundano,
simbolizado por Herodes, e a verdadeira realeza de Jesus, que se manifesta na
humildade e na simplicidade.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– A
diversidade como dom. A luz de Deus é para todos, não importando a
origem étnica ou social ou qualquer diferença em meio à diversidade cultural em
que vive- mos. A Epifania nos provoca a reconhecer e acolher a diversidade.
Nossas comunidades devem ser espaços inclusivos, onde todos sejam acolhidos.
– A
busca pelo amor. Os magos representam aqueles que buscam viver
intensamente e com muita coragem o projeto de Jesus. Deus se revela a todos os
que estão abertos à sua mensagem, independentemente de sua história e
trajetória.
– Contraste
entre o poder que ama e o poder que destrói. As lideranças
governamentais e religiosas do tempo de Jesus, cegadas pela busca de status e
poder, não reconheceram o Messias. Em contraponto a essa realidade, os magos,
simples, buscam algo diferente: Jesus. Essa realidade nos convida a repensar
nossas atitudes e prioridades.
– O
valor da simplicidade. Jesus se revela na simplicidade. A
verdadeira grandeza está na capacidade de amar e servir. É protegendo os
vulneráveis e marginalizados que reconhecemos a constante presença do nosso bom
Deus, que acolhe a todos sem distinção.
– A
conversão que cura e salva. Quando os magos encontram Jesus, voltam
por outro caminho. Ou seja, houve uma mudança de comportamento diante da vida.
A Epifania é um convite a abraçar a universalidade do amor de Deus; a viver o
projeto de Jesus com coragem e autenticidade; a valorizar a simplicidade e toda
forma de vida; a despertar para o cuidado com nosso planeta.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia,
com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São
Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade
Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com
a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em
comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/5-de-janeiro-epifania-do-senhor-2/
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