VIII-
REFLEXÃO DOMINICAL II-
26 de janeiro – 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
A manifestação do projeto do
Deus da vida e a unidade do corpo de Cristo
I. INTRODUÇÃO GERAL
A liturgia deste domingo convida-nos
a refletir sobre a unidade e a missão da Igreja, destacando como cada membro do
corpo de Cristo tem um papel vital a desempenhar. As leituras apresentam a
importância da escuta da Palavra de Deus, a diversidade dos dons espirituais e
a missão de Jesus proclamada no Evangelho. A unidade, a missão e a
transformação são temas centrais que nos ajudam a compreender como podemos
viver plenamente nossa fé na comunidade e no mundo.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Ne 8,2-4a.5-6.8-10)
Esse trecho do livro de Neemias
narra um momento importante da história de Israel, durante a reconstrução de
Jerusalém, após o exílio babilônico. Esdras, o sacerdote, lê a Lei de Deus para
todo o povo reunido numa praça em Jerusalém. Essa liturgia é solenemente
presidida em torno do livro da Lei de Deus, muito provavelmente o núcleo do
atual Pentateuco, e nela a comunidade dos repatriados, o novo Israel, professa
sua fé. É nesse contexto que surge o judaísmo, centrado na observância da Torá,
pois é nela que se narra a caminhada do povo de Deus, incluindo normas
religiosas e legais que irão orientar a vida social, religiosa e política da
comunidade judaica, cujo núcleo central são os repatriados. Por isso, até os
dias atuais, o judaísmo professa que a Palavra de Deus se fez livro.
A leitura é feita publicamente,
como um ato de renovação da aliança entre Deus e seu povo. O texto evidencia a
importância da escuta atenta da Palavra de Deus e a resposta do povo com
alegria, pois este começa a compreender e interpretar as palavras lidas pelos
levitas. Nesse sentido, ler, interpretar e aplicar a Palavra de Deus na vida
cotidiana é o maior desafio para os seguidores do Deus da vida, tanto ontem
quanto hoje.
2. II leitura (1Cor 12,12-30)
A comunidade de Corinto recebe
uma carta de Paulo em um momento em que enfrenta várias divisões internas. O
apóstolo adota uma abordagem didática, ao usar a metáfora do corpo para
ilustrar que a comunidade cristã precisa começar a compreender na prática o que
é viver a unidade na diversidade.
Assim como um corpo é composto
de muitos membros, Paulo destaca que a Igreja também é formada por pessoas que
possuem dons únicos, concedidos pelo Espírito Santo. A comunidade necessita
entender que cada membro é importante para o funcionamento de todo o corpo.
Nesse sentido, é essencial
valorizar a diversidade dos dons em prol do bem comum. Todos os membros do
corpo estão interligados e são interdependentes, com o objetivo de colaborar
para o bem-estar e desenvolvimento de toda a comunidade.
3. Evangelho (Lc 1,1-4; 4,14-21)
Lucas situa o início do
ministério público de Jesus na Galileia logo após seu batismo, realizado por
João, e a tentação no deserto. Escrevendo para um público grego, Lucas pretende
apresentar uma narrativa ordena- da dos eventos da vida de Jesus (Lc 1,1-4). No
capítulo 4, Jesus volta à Galileia “com a força do Espírito” (Lc 4,14),
destacando a orientação divina em seu ministério. Ele retorna à sinagoga de
Nazaré, onde lê o livro de Isaías, definindo assim a identidade de seu projeto
e os rumos de sua missão.
O trecho de Lc 4,14-21 serve
como uma espécie de declaração programática no início da vida pública de Jesus.
Ele lê Isaías 61,1-2, um texto que fala sobre a unção do Espírito do Senhor
para trazer boas-novas aos pobres, liberdade aos cativos, recuperação da vista
aos cegos e libertação aos oprimidos. “Hoje se cumpriu esta passagem da
Escritura que acabais de ouvir” (v. 21) é o que Jesus declara após ler a
passagem de Isaías. Ele deixa claro do que se trata e a quem se destina seu
projeto.
A leitura que faz na sinagoga e
a declaração de seu cumprimento geram grande impacto. É em Nazaré, uma cidade
pequena e com pouca importância política e religiosa, que se inicia o projeto
de Jesus. No século I, a espera de um Messias era comum, pois se ansiava por
alguém que pudesse libertar o povo política e nacionalmente. Jesus propõe uma
rota diferente e centra seu projeto na libertação social e espiritual mais
ampla.
Os ouvintes de Jesus
inicialmente recebem sua mensagem muito bem, mas rapidamente isso se transforma
em rejeição e escândalo (Lc 4,22-30). Aqui se vê claramente a tensão entre o
que os ouvintes esperam e o que de fato o projeto de Jesus propõe. Ele declara
firmemente que a profecia se cumpre nele, desafiando a compreensão tradicional
do Messias e apontando para nova compreensão do seu papel.
É interessante notar que Lucas
provavelmente utilizou fontes comuns a Mateus e Marcos, com o objetivo de
adaptar seu conteúdo para um público específico. Desde o início, Lucas
apresenta Jesus como aquele que é guiado pelo Espírito, deixando claro que
Jesus é a continuidade do projeto do Deus da vida.
É claro que o projeto de Jesus
anuncia as boas-novas aos pobres, a libertação dos cativos, a recuperação da
vista aos cegos e a libertação dos oprimidos. Sem dúvida, é uma nova era de
justiça e restauração, introduzida pelo Reino do Deus da vida. As promessas
proferidas pelos profetas se fazem presentes, e este é um tema importante para
Lucas, que apresenta Jesus como o clímax da história salvífica de Israel.
Jesus é rejeitado em Nazaré e
aceito pelos de fora de Israel (Lc 4,24-27). O Reino de Deus é inclusivo, e o
Evangelho não é apenas para Israel, mas também para todos os povos,
especialmente para os mais oprimidos e marginalizados. Portanto, a proclamação
de Jesus desafia as expectativas de um Messias meramente político. Nesse
sentido, seu projeto é redefinido para a inclusão de todos e uma transformação
mais abrangente da humanidade e da sociedade como um todo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– O
projeto de Jesus é para quem deseja segui-lo. A missão de Jesus é
para quem deseja seguir seu projeto; é inclusiva, transformadora e libertadora.
O convite é para que reconheçamos a graça de Deus em nossa vida e nos
comprometamos com o projeto de Jesus, que nos traz boas-novas de libertação.
– Compromisso
de renovação. O povo de Israel foi convidado humildemente a
renovar sua aliança, sua Lei. Dessa forma, todos somos convidados a renovar
nosso compromisso com a Palavra de Deus. É possível vivermos de tal forma que
consigamos transformar nossa vida e nossas comunidades?
– Diversidade
dos dons e unidade. Paulo nutre nas comunidades a valorização
da diversidade na unidade do corpo de Cristo. Podemos usar nossos dons para
promover a unidade e o bem comum em nossa comunidade?
– Convite
ao compromisso. Vivemos em um momento em que a raiz cristã do
amor está cada vez mais fora de moda. Percebemos que o amor se reduz apenas à
utilidade, ao prazer e ao individualismo, com cada um buscando apenas os
próprios interesses. Nunca é tarde para aprender a viver com maior
profundidade. Jesus proclamou a Boa-nova em Nazaré e, com sua própria vida,
ensinou todos os cristãos a viver com um amor mais pleno e comprometido.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia, com ênfase em
Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São Paulo de
Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade Cruzeiro do Sul
e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com a confecção de
material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em comunidades
eclesiais e cursos bíblicos on-line.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/26-de-janeiro-3o-domingo-do-tempo-comum-2/
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