VIII-
REFLEXÃO DOMINICAL IIArtigos
12 de janeiro – BATISMO DO SENHOR
Por Gisele Canário*
Identidade e missão de Jesus
I. INTRODUÇÃO GERAL
O batismo de Jesus é um momento
importante, que traz à tona a realização do projeto de Deus. Jesus faz um novo
caminho, diferente do de João Batista, pois começa a viver de acordo com um
novo horizonte. Ele deixa o deserto e vai para a Galileia, desejando viver de
perto os problemas e sofrimentos das pessoas. Já não utiliza a linguagem
ameaçadora do Batista; agora, sua mensagem será mais assertiva e inclusiva,
transmitida por meio de parábolas.
As leituras deste domingo nos
convidam a refletir sobre a identidade e missão de Jesus, reveladas em seu
batismo: deixar o deserto e percorrer o caminho da Galileia, onde tocará e
curará os doentes, defenderá os pobres, acolherá à sua mesa pecadores e
prostitutas, abraçará crianças da rua.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Is 42,1-4.6-7)
O texto de Isaías apresenta o
primeiro poema do “Servo do Senhor”. Sua missão é realizar a justiça e
promover, com fidelidade, o direito entre as nações. Sua força e autoridade
nascem do amor e do serviço, da ternura e do compromisso com as pessoas
enfraquecidas. A autocompreensão de Israel, baseada no serviço, é diferente da
de um novo rei Davi, fundamentado no poder oficial da monarquia (cf. Ez
37,21-28).
Tal Servo é amado por Deus e
escolhido com o propósito de estabelecer a justiça e ser luz para as nações.
Explica essa realidade o contexto histórico de Isaías, situado no período do
exílio babilônico, quando o povo de Israel vivia em grande aflição. Nesse caso,
a promessa do Servo de Deus traz esperança de libertação e renovação.
Isaías apresenta o Servo como
alguém que não quebrará a cana rachada nem apagará o pavio que fumega, mas
trará a justiça de maneira gentil e perseverante. Essa imagem não se identifica
com os líderes opressores da época; aqui, ela é legitimada pela ação de um
líder cheio de compaixão. No batismo de Jesus, o Espírito está sobre ele, a
profecia de Isaías se cumpre e afirma sua missão de justiça e libertação.
2. II leitura (At 10,34-38)
No livro de Atos, Pedro anuncia
aos gentios que Deus não faz distinção de pessoas. O apóstolo faz um resumo do
ministério de Jesus, iniciado após seu batismo por João. Jesus foi marcado e
ungido com o Espírito Santo e com poder, e andou por toda parte, fazendo o bem
e curando os oprimidos pelo espírito da divisão, porque Deus estava com ele.
O texto dá ênfase à
universalidade e grandiosidade da missão de Jesus. A mensagem de salvação é
para os judeus e para todas as nações. O batismo de Jesus e sua unção com o
Espírito Santo são apresentados como o início de seu projeto, que atravessa a
história de forma dialogal e transformadora, respeitando as diversidades
culturais e étnicas, na convicção de que o Reino de Deus é justiça, igualdade e
fraternidade para todas as nações.
3. Evangelho (Lc 3,15-16.21-22)
O Batista fala claramente: “Eu
vos batizo com água”, mas isso só não basta. É preciso acolher em nossa vida um
outro “mais forte”, cheio do Espírito de Deus: “Ele vos batizará com Espírito
Santo e no fogo”. Jesus viveu no Jordão uma experiência diferente, que marcará sua
vida para sempre. A questão aqui já não é se irá ou não viver como o Batista, e
sim o trabalho que se inicia, abrangendo algo muito maior e percorrendo os
caminhos da Galileia para que a Boa Notícia de Deus seja conhecida e
reconhecida por todos aqueles que se apaixonarem pelo seu projeto.
João Batista avisa que virá
alguém maior que ele. Esse outro terá o poder de batizar com o Espírito Santo e
com fogo. O projeto de Jesus é mais ousado: ele sabe muito bem que as
estruturas oficiais serão mexidas. Nunca mais a sociedade da Palestina será a
mesma.
Os evangelistas descrevem uma
cena impressionante sobre o que Jesus viveu na sua intimidade: “Os céus se
rasgam”. Aqui já não há distâncias: o Reino de Deus, seu Espírito, já está
presente e, por isso, Deus se comunica de forma magnífica com Jesus: “Tu és o
meu Filho. Eu hoje te gerei”. O essencial e o mais profundo está dito. É desta
forma que Jesus ouve seu Pai no seu interior: “Tu és meu. És meu Filho. Teu ser
está surgindo de mim. Eu sou teu Pai. Amo-te com amor entranhável, enche-me de
prazer que sejas meu Filho; sinto-me feliz”. É a partir desse momento que Jesus
invocará a Deus apenas como “Abbá, Pai”.
A presença do Espírito e a voz
de Deus sublinham a missão de Jesus de inaugurar o projeto da vida, instaurando
assim o Reino de Deus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– Identidade
filial e missão. O batismo de Jesus revela sua identidade e
intimidade como Filho de Deus e, pela primeira vez de forma pública, apresenta
sua missão de justiça e libertação. A partir do batismo, todos os cristãos são
chamados a viver plenamente sua identidade filial, ou seja, seguir os mesmos
passos de Jesus. Num mundo marcado por desigualdades sociais e pelo constante
ataque à mãe Terra, gerando desastrosos efeitos climáticos, como os batizados e
seguidores de Jesus podem viver sua identidade batismal de maneira concreta na
vida cotidiana?
– Acolhida
à espiritualidade. Espiritualidade é uma palavra que, se mal
interpretada, para muitos pode significar algo inútil, afastado da vida real.
Para que poderia servir? O que costuma interessar é o concreto, o material, não
o espiritual. No entanto, o espírito de uma pessoa é algo valorizado na
sociedade atual, porque indica o mais profundo e decisivo de sua vida: a paixão
que a anima, sua inspiração última, o que contagia os outros, o que essa pessoa
vai criando no mundo. O espírito anima nossos projetos e compromissos,
configura nosso horizonte de valores e nossa esperança. Conforme for nosso
espírito, assim será nossa espiritualidade. E assim será também nosso
seguimento do Evangelho de Jesus e nossa vida inteira. Em que áreas de nossa
vida precisamos ser mais sensíveis às moções do Espírito, na perspectiva
integral do ser humano?
– A
salvação é para quem segue e pratica o projeto de Jesus. Pedro
afirma que Deus não faz distinção de pessoas e a mensagem de Jesus é para
todos. Essa universalidade nos desafia a transcender nossas barreiras
culturais, sociais e religiosas, acolhendo a todos com amor e respeito. Não
podemos esquecer que a universalidade não é sair pregando um Evangelho de medo
e vingança contra quem tem convicções de fé diferentes. A universalidade é para
quem acredita livremente e deseja seguir o projeto de Jesus. O amor e a justiça
são para todos e independem de como esse filho ou filha de Deus viva e
acredite. Essa é a profundidade do espírito que Jesus quis viver, porque o
Reino de Deus é algo que transcende nosso próprio crer e querer. Como podemos,
em nossa comunidade, criar um ambiente inclusivo, que reflita a universalidade
da salvação em Jesus?
– Ação
transformadora. O projeto de Jesus inclui fazer o bem e curar
os oprimidos. Nossa fé deve se traduzir em ações concretas de serviço,
compaixão e misericórdia. O batismo é o modo pelo qual Jesus, ao ser batizado
no Jordão, se torna modelo de toda experiência cristã, chamando-nos a ser
instrumentos de amor em nossas comunidades para atuar contra as estruturas de
pecado e injustiça. Que passos práticos podemos dar para viver essa missão de
maneira mais efetiva?
– Voz
profética e docilidade em Deus. A voz do céu declarou o prazer de
Deus em Jesus. Jesus passa a viver numa atitude de total docilidade a Deus.
Como seus discípulos, somos chamados a ouvir a voz de Deus em nossa vida e
responder a ela, assumindo um papel profético em nosso mundo. Isso significa
falar a verdade com amor, defender os marginalizados e trabalhar por um mundo
mais justo. Em tempos de crises de fé, é preciso não se perder no acidental e
secundário. É preciso cuidar do essencial, que é a confiança total em Deus e a
docilidade humilde. Todo o resto vem depois. Vale a pena assumir essa vocação
profética, mesmo quando ela exige sacrifícios e riscos?
– Convite
ao compromisso. A festa do Batismo do Senhor nos provoca a
sermos humanos até o fim, sem sufocarmos nosso desejo de vida até o infinito; a
defender nossa liberdade, sem entregarmos nosso ser a qualquer coisa; a
permanecermos abertos a todo amor, a toda verdade, a toda ternura existente em
nós; a não perder nunca a esperança no ser humano nem na vida. Jesus é o Filho
amado de Deus, ungido pelo Espírito para trazer justiça e libertação.
Gisele Canário*
*é mestra em Teologia,
com ênfase em Exegese Bíblica (Antigo Testamento), pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pelo Instituto São
Paulo de Estudos Superiores. É licenciada em Geografia pela Universidade
Cruzeiro do Sul e assessora no Centro Bíblico Verbo, onde atua, desde 2011, com
a confecção de material para estudos bíblicos, gravação de vídeos, formação em
comunidades eclesiais e cursos bíblicos on-line.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/12-de-janeiro-batismo-do-senhor-2/
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