VIII-
REFLEXÃO
DOMINICAL III= 12.ª DOMINGO DO TEMPO COMUMANO C
“O Senhor é a força de seu
povo, fortaleza e salvação do seu ungido. Salvai, Senhor, vosso povo, abençoai
vossa herança e governai para sempre os vossos servos”(cf. Sl 27,8s).
Irmãos e Irmãs,
Retomamos
neste domingo do discurso missionário de Jesus Cristo. Ele coloca como condições básicas para anúncio do
Reino de Deus a Misericórdia e a compaixão, a gratuidade e a consciência de
que não pregamos nossas idéias, mas a Palavra de Deus, como seus embaixadores.
A
Primeira Leitura(cf. Jr 20,10-13) nos fala que o verdadeiro profeta não se
silencia diante da perseguição do inimigo. Sua confiança e coragem provêm de
Deus, pois Nele está a certeza da Vitória. A razão desta advertência da
Primeira Leitura é de que os cristãos não estão sozinhos, porque contam com o
apoio do Onipotente: “Eu
estarei convosco todos os dias” (cf. Mt 28,20). A coragem que
brota do fato de que Deus por ele fala.
O profeta Jeremias começa
por descrever o quadro que o rodeia: a multidão, farta de escutar anúncios de
castigos e de terrores, resolve pôr um ponto final no derrotismo de Jeremias e
prepara-se para o calar. Jeremias, o “terror por toda a parte” (é dessa forma
irônica que a multidão o designa, parodiando uma expressão de que o profeta se
servia para anunciar as desgraças que estavam para chegar), vai ser preso,
julgado e silenciado. Todo o ambiente faz pensar na montagem de um esquema de
julgamento sumário e de linchamento popular.
O profeta corre, portanto,
sérios riscos de vida. No entanto, aquilo que mais dói a Jeremias é que até os
seus amigos mais íntimos lhe voltaram as costas e juntaram-se aos que
maquinavam o seu assassinato. O profeta – que nunca pretendeu magoar ninguém,
mas somente anunciar com fidelidade a Palavra de Deus – sente-se só,
abandonado, marginalizado, perdido na mais negra solidão (cf. Jr 20,10). No
entanto, o lamento de Jeremias é bruscamente cortado por um inesperado hino de
louvor a Jahwéh, expressão extraordinária da confiança no Deus que não falha
(cf. Jr 20,11-13).
É preciso dizer que estes
versículos estão aqui um tanto ou quanto deslocados: provavelmente, eles foram
pronunciados por Jeremias noutro contexto e aqui inseridos pelo editor final do
livro (no texto original, aos vers. 7-10 seguir-se-iam os vers. 14-18). De
qualquer forma, este hino reproduz a certeza de que, apesar do sofrimento e da
incompreensão que tem de enfrentar, o profeta não está só: ele confia em Deus,
no seu poder, na sua justiça, no seu amor; e sabe que Deus nunca abandona o
pobre que n’Ele confia (aqui “pobre” não deve ser lido em sentido material, mas
no sentido de desprotegido, perseguido injustamente pelos poderosos).
Ser profeta não é um
caminho fácil: o exemplo de Jeremias é elucidativo. O “mundo” não gosta de ver
ser posta em causa a sua “paz podre”, não está disposto a aceitar que se
questionem os esquemas de exploração e injustiça instituídos em favor dos
poderosos, nem que se critiquem os “valores” de alguns “iluminados” fazedores
da opinião pública. O “caminho do profeta” é, portanto, um caminho onde se lida
permanentemente com a incompreensão, com a solidão, com o risco. É, no entanto,
um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. No
batismo, fomos ungidos como “profetas”, à imagem de Cristo.
A experiência profética é
um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de solidão e de abandono; mas é
também um caminho onde Deus está. O testemunho de Jeremias confirma que Deus
nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no mundo, com coragem e
verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo e dar esperança a
todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão profética.
Meus irmãos,
Por causa das perseguições
do Imperador Nero, por volta do ano 60, tendo em vista que o Evangelho de
Mateus foi escrito entre os anos 80 e 90 da era cristã, os cristãos estavam um
pouco amendrontados.
Os cristãos não podem ficar
no seio da mãe por muito tempo. O parto é necessário. A evangelização urgia e
se fazia candente. O discípulo deve sair à luz do dia e proclamar a Boa-Nova de
Jesus Cristo em alta voz. Proclamar o Evangelho é reconhecer que Jesus é o
Filho de Deus Salvador.
Crer em Jesus é viver
segundo os seus ensinamentos, dando testemunho na vida e no trabalho, no
quotidiano dos mistérios da fé cristã. As palavras são necessárias, mas o
entusiasmo da vivência da palavra encarnada é mais forte, mais coerente, mais
convincente aos olhos de uma sociedade secularizada. As palavras voam e os
exemplos permanecem. Por isso a Palavra de Deus deve ser transportada para a
vida diária, para os gestos concretos de caridade, de amor ao próximo, de
acolhimento, de enxugar o rosto do irmão oprimido, dando-lhe pão e, acima de
tudo, saciando a sua fome de alimento e de Deus.
O pregador, o discípulo ou
o apóstolo, deve ser o homem da denúncia e do anúncio da salvação que faz com
que abandonemos o pecado e busquemos a santidade e coerência de seguimento
cristão.
Caros irmãos,
Fica claro que é o próprio
Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a inevitabilidade das
perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: “não temais”. Jesus garante
aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de Deus, ao longo de toda a
sua caminhada pelo mundo.
No Evangelho(cf. Mt
10,26-33) constatamos que o projeto de Jesus, vivido com radicalidade e
coerência, não é um projeto “simpático”, aclamado e aplaudido por aqueles que
mandam no mundo ou que “fazem” a opinião pública; mas é um projeto radical,
questionante, provocante, que exige a vitória sobre o egoísmo, o comodismo, a
instalação, a opressão, a injustiça.
O Evangelho de hoje é capaz
de abalar os fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o mundo
se constrói. Há um certo “mundo” que se sente ameaçado nos seus fundamentos e
que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter e domesticar o
projeto de Jesus. A nossa época inventou formas (menos sangrentas, mas
certamente mais refinadas do que as de Domiciano) de reduzir ao silêncio os
discípulos: ridiculariza-os, desautoriza-os, calunia-os, corrompe-os,
massacra-os com publicidade enganosa de valores efêmeros.
Como a comunidade de São
Mateus, também nós andamos assustados, confusos, desorientados,
interrogando-nos se vale a pena continuar a remar contra a maré… A todos nós,
Jesus diz: “não temais”.
O medo – de parecer
antiquado, de ficar desenquadrado em relação aos outros, de ser ridicularizado,
de ser morto – não pode nos impedir de dar testemunho. A Palavra libertadora de
Jesus não pode ser calada, escondida, escamoteada; mas tem de ser vivamente
afirmada com palavras, com gestos, com atitudes provocatórias e questionantes.
Viver uma fé “morninha”, que, infelizmente, é instalada, cômoda, que não faz
ondas, que não muda nada, que aceita passivamente valores, esquemas, dinâmicas
e estruturas desumanizantes, não chega para nos integrar plenamente na
comunidade de Jesus.
O valor supremo da nossa
vida não está no reconhecimento público, mas está nessa vida definitiva que nos
espera no final de um caminho gasto na entrega ao Pai e no serviço aos homens;
e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa vida de felicidade sem
fim que os donos do mundo não conseguem roubar.
O Evangelho de hoje nos
convida a fazer a descoberta desse Deus que tem um coração cheio de ternura, de
bondade, de solicitude. Se nos entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus,
que é um pai que nos dá confiança e proteção e é uma mãe que nos dá amor e que
nos pega ao colo quando temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer
receio de enfrentar os homens.
Irmãos e Irmãs,
Ontem
e hoje nossos irmãos continuam sendo perseguidos. A Igreja continua sendo
perseguida, o que não é nenhuma novidade para nós. Cristo está presente na
Igreja. Ele nos previne sobre as perseguições, calúnias e martírios, garante o
amparo divino, maior que a ferocidade humana. O sangue dos mártires é um hino
de confiança a Deus: “Ainda
que eu tenha que andar por um vale tenebroso, não temo mal algum, porque tu
estás comigo”(cf. Sl 23,4).
A garantia do martírio é a
vida eterna, no convívio das Bem-Aventuranças, junto de Deus. Nesse
sentido, a coragem deve ser o apanágio de nossos evangelizadores. É não ter
medo e nem ficar intimidado com as possibilidades que são colocadas de
perseguição, calúnia e destruição. Em meio a uma sociedade marcada pela
violência, agressividade e perseguição, a Palavra de Jesus vem encorajar-nos:
Não tenham medo, Eu Venci o Mundo!
O medo não é uma atitude
cristã. O temor sim é uma atitude dos seguidores de Jesus, como atitude
reverencial diante de Deus, do mistério divino, do destino humano.
A coragem dos cristãos do
novo milênio é não desanimar diante dos fracassos e frustrações de nossa
caminhada pastoral, pelas limitações e insuficiências de nossos agentes. A
coragem de superar nossos próprios interesses e planos, e colocar a meta de
Deus para nossa vida e de nossa comunidade é o grande desafio na formação de
uma pastoral de conjunto, acolhedora, numa comunidade misericordiosa, voltada
para a formação de rede de comunidades e para o atendimento social, minorando a
dor e a fome dos excluídos.
Diante das tentações do
mundo, a coragem do apóstolo é deixar que o projeto de Cristo apareça,
colocando-se como instrumento de sua mão.
Meus irmãos,
A
nossa atitude deve ser a atitude da Segunda Leitura(cf. Rm 5,12-15) desta
liturgia. Aonde abundou o pecado, aí superabundou a graça. Esta leitura de hoje
não é uma aula sobre o pecado original. É, entretanto, uma mensagem que pervade
a Carta dos Romanos do início ao fim. O pecado estragou tudo, não podíamos mais
nada por nós mesmos – mas também, a graça de Deus superou tudo isso: “A transgressão de um só levou a
multidão humana à morte, mas foi de modo bem superior que a graça de Deus, ou
seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se
derramou em abundância sobre todos”(cf. Rm 5, 15).
A salvação foi oferecida
por Deus aos homens através de Jesus Cristo, São Paulo recorre aqui a uma
figura literária que aparece, com alguma frequência, nos seus escritos: a
antítese. Em concreto, São Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo
de oposições entre duas figuras: Adão e Jesus. Adão é a figura de uma
humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que escolhe caminhos de
egoísmo, de orgulho e de autossuficiência.
Ora, essa escolha produz
injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade preferiu, tantas
vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e o pecado gera
morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, em sentido global – quer
dizer, não tanto como morte físico-biológica, mas sobretudo como morte
espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de Deus
(que é a fonte da vida autêntica).
Nosso Senhor Jesus Cristo
propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas
propostas, na obediência total aos projetos do Pai. Esse caminho leva à
superação do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência e faz nascer um Homem
Novo, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida
autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que a
comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que
Cristo fez à humanidade. Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado
e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida
plena (salvação).
Para São Paulo, a
intervenção de Cristo na história humana se traduziu num dinamismo de
esperança, de vida nova, de vida autêntica. Cristo veio propor à humanidade um
caminho de comunhão com Deus e de obediência aos seus projetos; é esse caminho
que conduz o homem em direção à vida plena e definitiva, à salvação.
A modernidade nos ensinou
que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as suas conquistas. Exaltou o
individualismo e a autossuficiência e ensinou-nos que só nos realizaremos
totalmente se formos nós – orgulhosamente sós – a definir o nosso caminho e o
nosso destino.
Prezados irmãos,
O que nos amedronta nos
tempos atuais? Quais temores temos ao viver a fé cristã? Muitas situações
paralisantes se apresentam diante de nós, desafiando-nos a professar a fé em
Cristo.
Por um lado, verifica-se
atualmente uma tendência ao indiferentismo religioso no tocante ao culto; por
outro, vários líderes religiosos usam indevidamente o nome de Deus para
promoção dos próprios interesses e enriquecimento ilícito. A fé em Cristo
parece desnecessária para muitos de nossos contemporâneos.
Entretanto, a fé nos ajuda
a encontrar sentido para a vida no mundo hodierno e a encarar as adversidades.
A liturgia deste dia combate o medo e o acovardamento, que surgem com a
insegurança e a falta da liberdade interior. As palavras de Jesus para não
termos medo (Mt 10,26.28.31) devem ecoar interiormente e gerar confiança em
Deus e no seu amor. Nós valemos muito, e Deus se importa conosco. Nenhum desafio
é maior do que o amor de Deus por nós.
Eis o apelo à coragem! No
mais profundo, todas as pessoas anseiam por algo que dê sentido à sua
existência. O Evangelho deve continuar sendo proposto e poderá encontrar
ouvintes da Palavra que se disponham à experiência da fé.
Assim o espírito
fundamental deste domingo é de profundo reconhecimento e gratidão pela graça de
Deus, manifestada no dom da vida de Jesus Cristo. Este reconhecimento nos leva
a uma convicta profissão de que Jesus é o Salvador de nossa vida. Devemos
testemunhar Jesus no quotidiano na busca da justiça e da paz, apanágios de um
autêntico seguimento do homem que venceu a morte e anunciou a vida eterna.
Homilia Recebida Por Email
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