IX-
REFLEXÃO
DOMINICAL II
Solenidade de Pentecostes
Pentecostes é festa da paz. Mas, para ter essa paz é preciso
estar em estado de graça. Pelo perdão de nossos pecados e de nossas atitudes, o
Espírito age.
Meus amados Irmãos,
Nesta
solenidade de Pentecostes, celebramos o grande mistério de nossa fé em que a
Paz anunciada pelo Ressuscitado, Ascenso ao céu, retorna ao Cenáculo para impor
os dons do Espírito Santo sobre os seus Apóstolos, na presença da
Bem-aventurada Virgem Maria, como havia prometido: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei
ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É
o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o
conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós.
Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós” (Jo 14,15-18).
A
Solenidade de Pentecostes é, pois, a plenificação do mistério pascal. A
comunhão com o Ressuscitado só é completa pelo dom do Espírito Santo, o “outro Paráclito”, que
continua em nós a obra do Cristo e a sua presença gloriosa.
A liturgia desta festa acentua
menos, no entanto, este lado teológico, insistindo mais na manifestação
histórica do Espírito Santo, no milagre de Pentecostes, conforme nos ensina a
Primeira Leitura (cf. At 2,1-11), e nos carismas da Igreja, de acordo com o
relato da Segunda Leitura(cf. 1Cor 12, 3b-7.12-13), sinais de unidade e de paz
que o Cristo veio trazer.
A Igreja, sacramento da
unidade, nos relembra que a pregação dos apóstolos, anunciando o Cristo
Ressuscitado, supera a divisão de raças e línguas e a diversidade de dons na
Igreja serve para a edificação do povo unido, o Corpo do qual Cristo é a
cabeça.
Caros fiéis,
A Primeira Leitura apresenta o
milagre das línguas (cf. At 2,1-11). A Solenidade de Pentecostes é interpretado
como o acontecimento escatológico a partir da profecia de Joel. Mas, sobretudo,
é o cumprimento da palavra do Cristo. Passa como um vendaval ao ouvido, como
fogo aos olhos; mas permanece como transformação do pequeno rebanho em Igreja
Missionária. Também hoje a Igreja de Cristo se reconhece pelo espaço que dá ao
Espírito e pela capacidade de proclamar a sua mensagem.
São Lucas coloca a experiência
do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica,
celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa
agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no
séc. I,, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no
Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito,
São Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no
tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a
nova comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei
inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez 36,26-28).
Vem, depois, a narrativa da
manifestação do Espírito (At 2,2-4). O Espírito é apresentado como “a força de
Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os
símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e
constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos
evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com
o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus. O
Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não
é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a
maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de
criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de
superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização. Aqui, temos
o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a
ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui,
regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do
diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade
unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte
de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde
a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas,
levando à partilha, à relação, ao amor. É neste enquadramento que devemos
entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. At 2,5-13): todos “os
ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos
povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo
antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaã, pela Ásia Menor, pelo norte de
África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz
de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é
assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel.
A possibilidade de ouvir na
própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação
do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua
cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e
terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma
língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam
povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor
que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações
da terra. O Pentecostes dos “Atos dos Apóstolos” é, podemos dizê-lo, a página
programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das
“testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do
Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos,
porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de
amor e de liberdade.
Os elementos essenciais que
definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada
pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projeto
libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da
salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e
étnicas. Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência
da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um
grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de
arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos
uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume
como comunidade de amor e de liberdade.
Meus amigos,
Disse o
Apóstolo dos Gentios que “o
amor de Deus se derramou em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado” (Rom 4,5). Por isso, a celebração maior de Pentecostes, a
manifestação de Cristo Glorificado, é considerada a maior festa da Igreja, em
comum união com a festa da Páscoa.
Pentecostes é a festa da
plenitude dos tempos, predita pelos profetas. É a festa do início dos tempos da
Santa Igreja Católica, da nova e definitiva aliança, a que todos somos
convidados, a que todos somos vocacionados. É a festa da comunidade cristã, da
comunidade eclesial, da comunidade de fiéis, porque estas comunidades não
existem sem o Espírito Santo, que é a alma, que é a fonte de vida para a
Igreja. Pentecostes é a festa da unidade que dá o impulso apostólico da
pregação a todos os povos, para todas as línguas, para todas as nações. A fé
transcende os umbrais do povo hebreu, devendo ser anunciada a todos sem
distinção.
Com Pentecostes, em que o
Senhor desce na presença redentora do Cenáculo, os discípulos, inundados com os
sete dons do Espírito Santo, tornam-se APÓSTOLOS, ou seja, passam a ser
enviados em nome de Cristo, como Cristo, um dia, fora enviado em nome do Pai.
A presença da Bem-aventurada
Virgem Maria tem um significado muito especial: presente na Cruz, dada a João,
o discípulo amado, a sua presença no meio dos apóstolos a coloca como Mãe e
Mestra da Igreja de Cristo.
Ali em Pentecostes estava a
Igreja nascente, o Corpo Místico de Cristo. Por isso, os novos Apóstolos, hoje
batizados no Espírito Santo, correrão mundo afora, reunindo crentes e não
crentes, para criar comunidades, animá-las e santificar aqueles que aceitarem o
nome glorioso do Senhor Jesus.
Irmãos e irmãs,
A festa de Pentecostes nos pede
uma reflexão sobre a presença do Espírito Santo na história da salvação. Não
conhecido no Antigo Testamento, ou mesmo chamado de Deus desconhecido por Paulo
em Atenas, coube a Jesus revelar a existência de um Deus único e verdadeiro em
três pessoas distintas. É pelo Espírito Santo que se abrem os horizontes pelos
quais se movimentam e se compreendem todas as verdades da fé cristã.
O Espírito Santo é visível como
o próprio Cristo. Representado por símbolos como o vento, a pomba e as línguas
de fogo elas não são uma espécie de encarnação do Espírito Santo, mas figuras
que nos ajudam a compreendê-lo em linguagem humana, o quanto é possível
entendê-lo e guardá-lo em nossos corações.
O Espírito Santo Paráclito. O
que é o Paráclito? Vem do grego que significa “aquele que vem para nos ajudar”.
O Espírito Santo pode ser considerado o nosso ADVOGADO, o nosso CONSOLADOR ou,
ainda, O ESPÍRITO DE VERDADE.
Orígenes disse que o Espírito
Santo é o beijo: o Pai beija, o Filho é beijado, o Espírito Santo é o beijo.
Uma figura bonita, assimilável ao homem moderno. Outros dizem que o Espírito
Santo é o abraço. O Pai abraça o Filho com todo amor. Esse amor é o Espírito
Santo. Ora, poderíamos dizer, a mãe abraça e beija o filho com todo o amor de
mãe, querendo dar-se inteiramente nesse beijo e abraço. Nem por isso consegue
dar-se totalmente.
O rosto do Espírito Santo tem
muitas maneiras de se mostrar. A mais significativa figura do rosto do Santo
Espírito é o AMOR, que se consubstancializa pela proteção que Ele dá aos
batizados e pelo auxílio de seus sete dons a todos os homens e mulheres para
sua santificação.
Meus queridos irmãos,
A
segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13) mostra-nos a operação “intra-eclesial” do
Espírito: a multiformidade dos dons, dentro do mesmo Espírito, como as
múltiplas funções em um mesmo corpo. Paulo chama a multiformidade de dons de
CARISMAS, dons da graça de Deus. Sabemos muito bem que essa unidade na
diversidade não é algo que conseguimos na base de nosso empenho pessoal, é,
entretanto, o Espírito de amor de Deus que une tudo isso. Jesus é o Senhor é a
confissão que une a Igreja primeva. E esta confissão só se consegue manter na
força do Espírito. Como a unidade da confissão, o Espírito dá, também, a
multiformidade dos serviços na Igreja. Todos que pertencem a Cristo são membros
diversos do mesmo corpo.
São Paulo acha que é preciso
saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em
“carismas” a propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os
privilégios de certas figuras. Segundo São Paulo, o verdadeiro “carisma” é o
que leva a confessar que “Jesus é o Senhor” (pois não pode haver oposição entre
Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade. De resto, é preciso
que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade
de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; que apesar da
diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que
apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. Não há,
portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O que é importante é
que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados – não para
melhorar a própria posição ou o próprio “ego” – mas para o bem de toda a
comunidade.
São Paulo conclui o seu
raciocínio comparando a comunidade cristã a um “corpo” com muitos membros.
Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em todos os
membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só Espírito e
“beberam” um único Espírito. O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que
alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão,
dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros
que formam a comunidade.
Somos membros de um único
“corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora
desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas
diversas). No entanto, encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma
consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade
(seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades”
humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Os “dons” que recebemos não
podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para
reforçar a vivência comunitária. É preciso ter consciência da presença do
Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme
as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história.
Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da comunidade.
Caros irmãos,
Assim,
no Evangelho (cf. Jo 20,19-23) encontramos a visão de São João de “exaltação” de Jesus: é a
realidade única de sua morte, ressurreição e dom do Espírito, pois sua morte é
a obra em que Deus é glorificado, seu lado aberto é a fonte do Espírito para os
fiéis.
Portanto, este Espírito do
Senhor exaltado é o laço de amor divino que nos une, que transforma o mundo em
uma nova criação, sem mancha, nem pecado, na qual todos entendem a voz de Deus.
É esta a mensagem da liturgia de hoje. O mundo é renovado conforme a obra de
Cristo, que nós, no seu Espírito, levamos adiante. Assim é a festa da Igreja
que nasceu do lado aberto do Salvador e manifestou sua missão no dia de
Pentecostes.
A comunidade cristã só existe
de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a
sua razão de ser. É n’Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas,
as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do
Homem Novo. Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do
mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. As
comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito
é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que
transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço
simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e
fracassos, derrotar o cepticismo e a desilusão, reencontrar a orientação,
readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É
preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas
comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus
questionamentos.
Meus irmãos,
Com a missão da Igreja colocada
em relevo no dia de hoje, devemos aprender a ver os sinais da presença do
Espírito Santo e a valorização dos diferentes dons que ele confere a diferentes
pessoas. Na Igreja, de muitas faces e facetas, de grandes diversidades na
eclesiologia, reside a única missão: anunciar a PÁSCOA e vivenciar em nós a
maior comunidade de amor a partir da visão Trinitária.
Pentecostes é festa da paz.
Mas, para ter essa paz é preciso estar em estado de graça. Pelo perdão de
nossos pecados e de nossas atitudes, o Espírito age. Na diferença de pessoas,
de carismas, de modos eclesiais, todos somos convidados a vivenciar o perdão
como remédio que não deve faltar ao cristão, convocado a carregá-lo para
aliviar as doenças deste mundo confuso e necessitado de paz.
Paz é a palavra de hoje. Paz,
primeiro, em nossas comunidades eclesiais, paz na Igreja, paz no mundo. Paz de
consciência para a construção do amor e da concórdia.
Por isso, cantemos a seqüência
“Veni Sancte Spiritus”, pedindo paz ao mundo:
“Espírito de Deus, enviai dos céus um
raio de luz!
Vinde,
Pai dos pobres, daí aos corações vossos sete dons.
Consolo
que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde!
No
labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem.
Enchei,
luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!
Sem a
luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele.
Ao sujo
lavai, ao seco regai, curai o doente.
Dobrai
o que é duro, guiai o escuro, o frio aquecei.
Daí à
vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons.
Daí em
prêmio ao forte, uma santa morte, alegria eterna. Amém!”.
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