Brasil fica para trás na estratégia de vacinação contra a covid-19 e acende alerta
Ausência de informações sobre estratégia nacional levanta receio de que o país desperdice sua expertise na imunização contra o coronavírus. Governo admite que vacina não será oferecida a toda a população em 2021
Enquanto laboratórios anunciam
resultados preliminares promissores de suas vacinas contra o coronavírus e
o mundo já desenha seus planos de vacinação, ainda não se sabe quase nada sobre
quais serão as estratégias que o Brasil deverá adotar. O país ―onde a pandemia
voltou a ganhar velocidade nas últimas semanas― dispõe de um Programa
Nacional de Imunizações (PNI) reconhecido mundialmente, mas tem visto a disputa
ideológica contaminar as decisões sobre as ações de combate ao vírus deste
o início da crise. Diante da ausência de informações sobre o plano vacinal,
pesquisadores e parlamentares receiam que o país desperdice sua expertise e não
consiga apresentar uma estratégia consistente à sociedade logo que as vacinas
sejam registradas. Na última semana, o Ministério da Saúde admitiu que a vacina
contra a covid-19 não deverá ser disponibilizada para toda a população em 2021
e que a lógica de imunização deve ser semelhante à da vacinação contra a gripe,
que prevê a aplicação do medicamento em grupos específicos.
Por enquanto, nenhum laboratório
solicitou ainda o registro de sua vacina à Anvisa e o órgão diz que precisará
de pelo menos 60 dias pra analisar eventuais pedidos. No mundo, ainda não há
um medicamento imunológico licenciado, mas os países já começam a informar
parte de suas estratégias. A Espanha, por exemplo, já anunciou que dividiu a
população em 15 grupos e definiu quais teriam prioridade para receber a
vacina: idosos em casas de repouso, cuidadores e pessoas com deficiência.
No Brasil, um comitê técnico (do qual participam representantes do Governo,
secretarias estaduais e municipais da Saúde, entidades de classe e organismos
internacionais) foi criado em setembro para pensar nas estratégias. Uma reunião
está prevista para a esta terça-feira para discutir uma primeira versão de um
plano de vacinação para a covid-19. O país optou por esperar os registros dos
imunizantes para avaliar quais serão incorporados no SUS e, a partir daí,
desenvolver seu plano nacional.
O Brasil já tem um acordo para a
transferência de tecnologia da vacina da AstraZeneca e participa de um
consórcio global para ter prioridade na aquisição de outras nove vacinas, o
Covax Facility. Também tem dialogado com laboratórios, ainda que não haja novos
contratos de aquisição avançados neste momento. Alguns Estados já fizeram
acordos para adquirir vacinas promissoras, como por exemplo São Paulo com a
Coronavac e a Bahia com a Sputinik V. Mas desde que a corrida por uma
vacina entrou na retórica ideológica de Bolsonaro, paira uma desconfiança sobre
as futuras ações de imunização. O Ministério da Saúde afirma que trabalha com a
possibilidade de incorporar diferentes vacinas no plano nacional, mas a
possibilidade de rejeição de determinados imunizantes ganhou força desde que
o presidente desautorizou seu ministro a firmar um contrato de intenção de
compra da Coronavac, adquirida pelo seu adversário político e governador de São
Paulo, João Dória.
O ministro Eduardo Pazuello garante que
o plano nacional está, sim, sendo construído e chegou a afirmar que parte dele
já estaria pronto. “Podem ficar tranquilos. Estamos acima do momento, estamos
adiantados. Quando estivermos com dados logísticos das vacinas, a gente fecha o
plano”, afirmou na última semana, sem apresentar maiores detalhes. Pazuello
disse apenas que a lógica segue a mesma de outras campanhas: estudar os grupos
prioritários e as áreas mais afetadas. No dia seguinte, porém, a equipe técnica
do Ministério da Saúde afirmou que o que está definido são os objetivos do
plano: reduzir a mortalidade e proteger pessoas mais expostas, já que neste
momento não há capacidade de produção de vacina para toda a população
brasileira.
“Definimos objetivos para a vacinação,
porque não temos uma vacina para vacinar toda a população brasileira. Além
disso, os estudos não preveem trabalhar com todas as faixas etárias
inicialmente, então não teremos mesmo como vacinar toda a população
brasileira”, disse a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações,
Francieli Fantinato. Gestantes e crianças, por exemplo, não entraram nos testes
dos imunizantes. Segundo Fantinato, os detalhes logísticos de um plano nacional
de vacinação só devem ser definidos após o registro pela Anvisa. Por enquanto,
a pasta trabalha em uma fase preparatória para desenvolver sua estratégia.
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