REFLEXÃO
DOMINICAL II
EVANGELHO (Jo 20, 19-23)
EXEGESE: A exegese deste
evangelho pode ser vista na primeira parte da Dominica in Albis deste mesmo
ano, do dia 1 de maio. Vamos repetir as explicações dadas no artigo. Por outra
parte faremos alguns comentários, próprios do tempo, chamado pascal, para que
sirvam tanto para entender os evangelhos como para a vida espiritual dos
leitores dos mesmos. É desnecessária a repetição das traduções dos versículos,
já efetuados no texto citado anteriormente.
JESUS APARECE AOS
DISCÍPULOS
OS LUGARES
PARALELOS: Temos,
além do relato de João, outros dois paralelos, muito mais breves, que
correspondem a um resumo auricular e não a um testemunho ocular. São Marcos 16,
14-18 e Lucas 24, 36-49. Contrastaremos todos eles para determinar o grau de
historicidade e o valor teológico das afirmações, como catequistas bíblicos.
TEMPO: João é o mais
detalhado neste respeito: estando, pois, aquele dia perto do fim [opsies], o
primeiro da semana. Comparado com o relato de Lucas anterior ao sucesso de
João, em que este não narra a aparição aos dois de Emaús, parece que temos uma
pequena contradição de tempo. Os dois pedem a Jesus que fique, pois está na
tarde e o dia já há declinado [temos traduzido literalmente]. Como pode dizer
João que depois de uma caminhada de sessenta estádios, aproximadamente 9 mil
metros, ou duas horas de caminho, ainda era a tarde do dia? Vamos explicar esta
aparente contradição. A tarde começava às quinze horas. Era este também o tempo
em que se iniciavam as jantas. O dia, na primavera palestina, termina entre
17:30 e 18 horas. Caso estejamos, segundo Lucas, no início das 16 horas teremos
mais duas horas de volta e os dois discípulos estariam com os onze às 18 horas,
precisamente no fim do dia como afirma João.
OS DISCÍPULOS: Além dos doze [melhor
onze, porque Judas estava morto] estavam os dois de Emaús e provavelmente mais,
dentre os quais logo nos Atos se dirá eram cento e vinte. Dentre os onze,
faltava Tomé o chamado Dídimo. Tanto Tomé como Dídimo significam o mesmo:
gêmeo. Como diz Lucas, estavam reunidos os onze (!) e seus companheiros,
comentando uma aparição a Pedro [Simão] (Lc 24, 33-34) que João não narra,
porque ele não foi testemunha do fato. Temos uma falha de informação em Lucas,
porque não sendo ele testemunha, narra na totalidade, os onze, quando na verdade
faltava um: Tomás. Também vemos como em Marcos existe uma narração formal e
genérica, quando resume todas as aparições, afirmando finalmente, que apareceu
aos onze quando estavam à mesa e censurou-lhes a incredulidade e dureza de
coração, porque não haviam dado crédito aos que o tinham visto ressuscitado
(34, 14). Vemos que esta última afirmação é só em parte verdadeira, como
constatamos em Lucas 24, 34. Esta falta de detalhes indica claramente que eles
tratam o assunto na sua generalidade, como um fato que transcende a história e
forma parte da tradição. Não assim em João, onde hora, lugar e circunstâncias
permitem conhecer o que uma testemunha viu e ouviu. Por isso temos dois
detalhes importantes: o medo aos judeus [propriamente jerosolimitanos] e as portas
fechadas, ou melhor, trancadas.
JESUS VEIO: É desta forma
como aparece, para estar na frente de todos, a figura do ressuscitado. Nada de
ruídos, de resplendor, de experiências impactantes. Como entra a luz quando uma
janela é aberta, assim o corpo de Jesus entrou e se colocou no meio deles (19).
A PAZ: A figura na
frente deles não é uma estátua; fala e comerá logo, para demonstrar que não é
um espírito, uma fantasia, um fantasma. Mas vamos agora estudar suas palavras.
A primeira palavra de Jesus é uma saudação que, podemos dizer, entra no costume
ambiental: PAZ. A palavra hebraica Shalom, da qual a grega Eirene e a latina
Pax são traduções, significa evidentemente ausência de guerra e vida tranquila
(Lc 14, 32); mas também significa bênção, glória, riqueza, descanso, bem estar,
saúde física, esperança de êxito, justiça, salvação: ou seja, tudo que
acostumamos chamar de estado feliz. Especialmente, paz e justiça aparecem
unidas (Mt 5, 9-10). A paz é dom precioso de Deus (1 Cor 1, 3). Daí que o
futuro Messias, Jesus em definitivo, seja antes de tudo um porta-voz da paz e
inclusive se identifique com ela (Rm 5, 1). É o Messias que a comunica por meio
do Espírito, como antecipação da paz definitiva (Rm 14, 7). Se a primeira vez,
a palavra pode ter o significado de uma saudação (19) quando é repetida pela
segunda vez tem um significado profundamente teológico: ela é a base do
Espírito que transforma os discípulos em enviados do Pai, recebendo o principal
carisma da nova era: o espírito de reconciliação que basicamente é perdão. Algo
novo está ocorrendo; e esse algo novo é um bem divino: essa profunda e
definitiva paz, que Deus está disposto a partilhar, como doador, com simples
seres humanos.
AS CHAGAS: Jesus mostrou
suas chagas: mãos e pés, segundo Lucas (24, 39) ou mãos e lado, segundo João
(20, 21). Lucas declara o propósito dessa prova, como demonstração de que ele
era o mesmo Jesus crucificado que tinha sido depositado no sepulcro e não um
fantasma. Nem a afirmação de Lucas nega a de João, nem esta poderá ser tomada
como contraditória à de Lucas; máxime que João distingue duas aparições: uma só
para Tomé em que pede que este introduza a mão no lado, daí que o lado era mais
importante para João do que as chagas do pé. Lucas só traz uma aparição, porque
para ele o importante era que Jesus tinha sido visto pelos onze. Isto explica
as diferenças entre os dois. Nem todos os detalhes são importantes, mas só
aqueles que do ponto de vista do autor contribuem para demonstrar ou confirmar
seu propósito. Deste momento em diante, Jesus será o crucificado, ou seja,
aquele que em seu corpo apresenta umas feridas que inicialmente foram vergonha
e humilhação, mas que desde agora seriam glória e exaltação. O Jesus-homem,
filho de Maria [filho do homem] agora se apresenta como o Cristo-Senhor,
verdadeiro filho de Deus [Cristo Deus].
O PERDÃO DOS PECADOS: A nova missão
dada por Jesus aos discípulos está intimamente unida ao perdão dos pecados. Por
isso Jesus repete de novo Shalom lekem [Eirene ymin grego, ou Pax vobis
latino]. Mas esta paz não é uma saudação, mas uma doação, um presente divino
que é um perdão pela conduta imprópria dos discípulos durante os dias da paixão
e morte de Jesus. Jesus esquece e perdoa. Sua paz, que é felicidade e alegria
por sua presença viva no meio deles, quer ser uma reconciliação sem
recriminações nem censuras. O perdão é total. O desejo de Jesus vai além do
simples perdão. Jesus pretende dar aos discípulos um novo ministério: uma
função divina, como dom totalmente extraordinário, que requeria um ato solene,
visível e simbólico; ou seja, uma ação sacramental em que o homem é instrumento
visível da ação interior divina. A missão atual é totalmente diferente da dada
aos doze (Mt 10, 1 +) e aos discípulos (Lc 10, 1+) que unicamente consiste em
anunciar a Boa Nova e testemunhá-la com o poder de curar e a autoridade sobre
os demônios. É uma missão nova que participa da missão fundamental do próprio
Jesus, que vamos estudar na continuação. Jesus não só envia os discípulos, mas
também o Paráclito (Jo 16, 7). E a missão dos discípulos está na mesma ordem da
missão do Paráclito. É, pois, uma missão muito importante.
MISSÃO DE
JESUS: Como
o Pai me enviou, dirá Jesus. Com estas palavras Jesus afirma o sentido de sua
vida: Ele é um enviado do Pai, um mensageiro que tem, como finalidade, o que na
continuação descreve como doação a seus discípulos: o perdão. Que Jesus era
enviado do Pai temos clara confirmação em Jo 5, 30 e 36. Mas qual foi a missão
fundamental de Jesus? O anjo anuncia um Salvador que será Cristo-Senhor (Lc 2,
11). No nome da pessoa estava escrita a missão de sua vida. Por-lhe-ás o nome
de Jesus, pois ele salvará seu povo de seus pecados (Mt 1, 21). E o Batista
descreve o futuro Messias declarando-o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo (Jo 1, 29). A missão de Jesus se cumpre no momento de sua morte quando
pode exclamar: está consumado (Jo 19, 30). Pouco antes, ao ser elevado na cruz,
reclama do Pai o perdão; e o mais admirável é que esse perdão não é para os
amigos, mas para os inimigos: Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem (Lc
23, 34). Foi para essa hora [de paixão] que ele veio (Jo 12, 27). O perdão é
uma amostra de que Deus é Pai e de que a justiça de Deus é clemência para quem
recebe o evangelho como a Boa Nova da graça: O ano de graça do Senhor (Lc 4, 19
e Is 61, 2). Na última ceia, declara o mistério encerrado na cruz como o sangue
a ser derramado em prol da multidão para o perdão dos pecados (Mt 26, 28) e
João, na sua primeira carta, resumirá esta missão afirmando: o sangue de seu
Filho nos limpa de todo pecado (1 Jo 1, 7).
MISSÃO DOS
DISCÍPULOS: 1)
Jesus a identifica com a sua: como o Pai me enviou, assim eu vos envio (21). Um
favor deve ser tomado em sentido o mais amplo possível, sem restrição, como
dizem os letrados em Direito. Perdoar não é só usar palavras, mas contribuir
com ações, unindo-se à sua paixão para que os novos sofrimentos atuem como
causa segunda do perdão, o qual Paulo já expressava numa frase de difícil
interpretação: Em minha carne estou completando o que falta às tribulações de
Cristo, em favor de seu corpo, que é a Igreja (Cl 1, 24). E como tal corpo de
Cristo, também ele (sendo parte da Igreja) sofre e adquire méritos para a
conversão dos pecadores, como muitos santos sofreram e S. Agostinho confirma em
seus escritos. A Deus só podemos dar o nosso sofrimento de quem entrega sua
vida, perdendo-a como prova do amor (Rm 5, 8). E nisso consiste precisamente o
sacrifício (Ef 5, 2). 2) Jesus realiza uma ação que relembra pelo verbo usado,
a mesma de Gênesis 2, 7, segundo a setenta, quando Deus soprou sobre o barro
para dar vida ao corpo inerte. Logo teremos uma vida nova dada aos discípulos.
Até agora Jesus nunca fez gesto semelhante que implicava modo diferente de ser
discípulo. 3) As palavras que explicam a ação de Jesus formam um só conjunto
com a missão e o sopro, que tem como significado o perdão dos pecados. Aqui não
encontramos menção do Evangelho, não aparece o Reino, não deixa os efeitos
salutares aos ouvintes da palavra, mas os efeitos são dirigidos aos presentes,
todos eles alegres e com viva fé no Senhor: Se perdoais serão os pecados [dos
outros] perdoados, se não os perdoais [os retiveres forçosamente, segundo o
grego] não estarão perdoados. Os hemistíquios finais de cada frase estão na voz
passiva o que significa uma ação direta de Deus. Poderíamos traduzir livre, mas
literalmente, a nova missão apostólica desta forma: Deus perdoará a quem vós
perdoardes; e Deus não perdoará a quem vós não perdoardes. O melhor comentário
é o do Beato Isaac della Stella: A Igreja nada pode perdoar sem Cristo e Cristo
nada quer perdoar sem a Igreja. A Igreja não pode perdoar senão a quem é
penitente, isto é, a quem Cristo tocou com sua graça; e Cristo nada quer
considerar como perdoado a quem despreza a sua Igreja. 4) Por isso, a condição
indispensável do penitente é seu amor por Cristo, segundo as palavras do
próprio Jesus: Eu vim chamar os pecadores ao arrependimento (Lc 5, 32) e seus
muitos pecados lhe são perdoados porque amou muito; mas aquele a quem pouco se
perdoa ama pouco(Lc 7, 47) ou em termos mais ocidentais: A quem pouco ama,
pouco se perdoa.
INTERPRETAÇÃO: Que podemos
dizer desta segunda missão dos discípulos chamados a perdoar os pecados? ANTES
do século XVI todas as Igrejas admitiam que os apóstolos e seus sucessores tinham
o poder ministerial de perdoar os pecados dos fieis em nome de Cristo. DEPOIS,
com a vinda da Reforma, os evangélicos afirmam que este poder e este encargo
são entregues a todos os discípulos; de fato a todos os fieis de todos os
tempos (Jo 17, 20) e não a Pedro em particular (Mt 16, 19) ou a um ordo
sacerdotal (Lc 24, 48). O perdão não é dado por meio de um poder ministerial
causado por uma recepção do Espírito; porém, escutando o testemunho dos fieis,
os homens acreditarão (seus pecados lhes serão perdoados) ou se escandalizarão
(seus pecados lhes serão retidos). Estas são as novas afirmações dos chamados
evangélicos. A Igreja Romana admite como certo que o poder dado por Cristo de
perdoar os pecados se exerce também no Batismo e na pregação da palavra (Mc 15,
16). Todo sacerdote no final da leitura do evangelho diz: Pelos vocábulos
ditos, sejam perdoados nossos delitos. O teólogo Bruce Vawter declara que este
dom do Espírito está aqui relacionado explicitamente com o poder outorgado à
Igreja para continuar ostentando o caráter judicial de Cristo, no referente ao
pecado. Mas há algo mais: especialmente, da passagem atual, temos duas
definições dogmáticas que interpretam as Escrituras em sentido histórico ou
literal: A PRIMEIRA definição é do Concílio de Constantinopla (ano 553)
proclamando que quando o Senhor insuflou sobre os apóstolos, estes recebem
realmente e não figurativamente o Espírito Santo. A SEGUNDA é do Concílio de
Trento, declarando anátema do ponto de vista católico, a interpretação desta passagem
como não se referindo à potestade de perdoar e reter os pecados no sacramento
da penitência, mas somente restringida à autoridade de pregar o evangelho.
LUGARES PARALELOS: Em primeiro
lugar, temos a passagem da confissão de Pedro: Eu te darei as chaves do Reino
dos Céus: E se alguma coisa ligares sobre a terra estará ligada nos céus. E se
alguma coisa desatares sobre a terra estará desatada nos céus (Mt 16, 19).
Pedro recebe de Jesus uma autoridade que é jurídica como chefe do conjunto
apostólico. É definitivamente o poder de admitir ou rejeitar dentro da
comunidade, homens e ideias como fundamentalmente afins ou inimigas às
mensagens verdadeiras do evangelho. Uma outra passagem é: Em verdade vos digo
que tudo que por quaisquer motivos ligares sobre a terra estará ligado no céu.
E tudo que por qualquer causa desligares sobre a terra estará desligado no céu
(Mt 18, 18). Trata-se do mesmo direito de admitir ou rejeitar homens e
doutrinas, porque este versículo é a conclusão de como tratar aquele que não
quer se arrepender uma vez que rejeita a voz da igreja. Nesse caso será tratado
como gentio ou publicano. Uma terceira passagem está em Tiago 5, 16: Confessai,
pois, uns aos outros os vossos pecados e orai uns pelos outros para que sejais
curados. O contexto indica que é nos momentos de doença em que o doente chama
os presbíteros da Igreja para ser ungido e a oração da fé salvará o doente e o
Senhor o porá de pé; e se tiver cometido pecados, estes serão perdoados (15).
Uma quarta passagem é encontrada em 1 Jo 1, 9: Se confessarmos os nossos
pecados, ele (Deus) é fiel e justo de modo a demitir nossos pecados e nos
limpar de todas as maldades. Finalmente Pedro, à pergunta dos ouvintes, que
devemos fazer, dirá: Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados (At 2, 18). Destes textos
deduzimos: 1o) Que Cristo realmente tem poder para entregar sua autoridade como
faculdade a ser exercida visível e externamente sobre os homens. 2o) Que pelo
menos de duas formas, desde os tempos apostólicos essa potestade era usada: no
batismo e na doença. Temos como confirmação os casos de Ananias (At 5, 1-11) e
do incestuoso de Corinto (1Cor cap 5) em que o pecado é retido e punido.
COMENTÁRIOS
TEMPO PASCAL: Podemos chamar
assim o tempo transcorrido entre a ressurreição e a ascensão para os discípulos
de Jesus. A nota principal desse tempo é o aspecto das aparições de Jesus. Seu
corpo aparece como o de um corpo revivido muito mais do que o de um
ressuscitado. Vamos explicar: O corpo que Jesus tomou após os três dias
[contados do modo judaico] no sepulcro, era como o corpo de Lázaro: um corpo
totalmente humano, como se a morte não tivesse existido. Por isso podia ser
tocado (Lc 24, 39), podia comer (Lc 24, 43), andava com eles como se fosse o
mesmo Jesus que com eles tinha convivido nos últimos anos. Mas uma vez,
efetuada a ascensão, Jesus não se mostrará do mesmo modo na suas aparições. Um
exemplo é a visão de Paulo. Seu corpo é o próprio de um ressuscitado: um corpo
de luz, corpo glorioso (Fp 3, 21) que resulta da transformação do corpo
humilhado ou psíquico, de cuja semente nasce o novo corpo espiritual (1 Cor 15,
43).
CARACTERÍSTICAS DO
TEMPO PASCAL: Vamos
estudar o tempo pascal dos onze e dos outros discípulos da época de Jesus. Que
aconteceu de importante que sirva para nós neste século XXI? Neste período de
tempo, como diz o Papa Leão Magno, na sua homilia da Ascensão (séc V), foram
revelados aos apóstolos grandes mistérios. Em primeiro lugar foi proclamada a
imortalidade, não apenas da alma, mas também do corpo. Nesses dias, os
apóstolos receberam o Espírito Santo através do alento vital do Senhor Jesus,
que conferiu a eles o poder de perdoar os pecados. Pedro recebeu o mandato de
cuidar do rebanho do Senhor de modo especial. Era o mesmo Pedro que
anteriormente tinha recebido as chaves do Reino, pondo em suas mãos a
autoridade de abrir ou fechar os portões do mesmo. Jesus, nesses dias,
esclareceu as dúvidas sobre a finalidade de seu messiado, interpretando as
Escrituras e, consequentemente, dando a estas a força da palavra divina, como
profecias dos eventos salvíficos. Abriu os olhos dos seus discípulos à luz da
fé, contrariamente ao modo como o pecado abriu os olhos de nossos primeiros
pais. Os olhos dos discípulos foram abertos para compreenderem o mistério
autêntico da salvação, trazida pela vitória de Jesus; os discípulos
reconheceram a derrota humilhante e vergonhosa de seu pecado. E quando parecia
que nada mais faltava ao ensinamento de Cristo, na sua despedida, ele deu aos
apóstolos dois preceitos novos: O primeiro era o mandato de serem testemunhas
para todos os povos (Lc 24, 48) de modo que as palavras e os escritos dos
apóstolos fossem dirigidos pelo Espírito Santo que iriam receber em plenitude
nos próximos dias. O segundo preceito era de ficar unidos em Jerusalém até que
fossem revestidos do poder do Espírito (Lc 24, 49).
A DÚVIDA: Como podemos
compaginar a recepção do Espírito Santo, no domingo da Páscoa, com a infusão do
mesmo no dia de Pentecostes? Quando é que verdadeiramente os apóstolos
receberam o Espírito Santo? No alento e sopro de Jesus sobre eles ou no vento
impetuoso acompanhado das línguas de fogo, no dia de Pentecostes? A resposta é:
em ambos os casos. No primeiro, eles receberam um poder ministerial; no
segundo, um batismo de carismas como dons gratuitos da graça divina. O poder
ministerial é próprio dos homens que chamamos de ordenados; os carismas, de
qualquer fiel, independente de sexo ou condição. São as duas faces do Espírito
Santo atuando dentro da Igreja. De uma maneira contínua, como ministerial, e de
maneira esporádica, como dom extraordinário. O perdão será dado sempre; o
fenômeno da xenoglossia foi circunstancial e pontual desse domingo pentecostal.
A palavra de Jesus revestidos da força [dynamis] do Alto (Lc 24, 49), indica a
função do Espírito Divino como vemos em At 1,8 em que o mesmo autor fala da
força [dynamis] do Espírito Divino, porque sereis batizados [SUBMERGIDOS] no
Espírito Divino não dentro de muitos dias (At 1, 5). Para que essa força
especial, que procede do Alto, de um ser submergido no Espírito do mesmo Deus?
É para serem testemunhas de Jesus em toda a terra. Como escreve o quarto
evangelho, o Espírito será enviado para conduzir os discípulos à verdade plena
(Jo 16, 13) Como? Recordando o ensino de Jesus (Jo 14, 26) e anunciando as
coisas futuras (Jo 16, 13). Sem distorcer o significado das palavras que
acabamos de ouvir, vemos que nem toda a revelação [a verdade] foi dita por
Jesus, principalmente porque agora não podeis suportar [compreender] (Jo 16,
12). Que deduzimos destas citações? Que a assistência do Espírito como
revelador da verdade, Mestre da mesma, como foi Jesus no seu tempo, é constante
na sua Igreja: permanecerá convosco para sempre (Jo 14, 16) dirá Jesus. Podemos
deduzir disso que não é um livro escrito num determinado momento, o único que
contém a verdade revelada. O Espírito está vivo na Igreja e deve existir um
canal vivo também, para que sua voz seja ouvida através dos tempos. A Igreja
católica fala da Tradição e do Magistério. Por meio deste, se faz de forma
segura e unificada [que todos sejam um de Jo 17, 20], como foi elaborado o
Catecismo da Igreja Católica, ou são elaboradas as Encíclicas papais para
ensinar algum tema doutrinal ou moral, condenar erros, informar os fieis de
perigos para a fé, procedentes das correntes culturais, avivar a devoção.
Segundo a Humani Generis do Papa Pio XII (1950), elas refletem o Magistério
Ordinário da Igreja e merecem o respeito da parte dos fieis. João Paulo II nos
deixou uma herança de 14 Encíclicas, entre elas a Evangelium Vitae e a
Veritatis Splendor. O maior número de encíclicas foi escrito por Pio XI com 41,
seguido de Bento XV com 30. A Igreja tem a autoridade, fundada nas palavras de
Jesus e reforçada pela presença do Espírito, de formular as consequências
explícitas ou implícitas da primitiva revelação, como afirma Marin Sola no seu
livro Evolução Homogenia Del Dogma Católico.
O ESPÍRITO, HOJE: Se ele está
como mestre no Magistério, tanto extraordinário [ex cathedra] como ordinário da
Igreja, onde o encontramos nos fieis? Todo fiel tem o Espírito e o encontra
principalmente no amor que ele tem no fundo de seu coração. Porque o Espírito é
amor. Por isso, amar Jesus como um discípulo é a condição para que o Pai o ame
e venha habitar nele como morada (Jo 14, 23). O amor é, pois, a melhor maneira
de saber se o Espírito está conosco. O amor indicará qual é a verdade entre as
muitas opções e opiniões do momento. Por isso o atual Papa fala da Caridade da
Verdade. A caridade [o amor] é paciente, dirá Paulo em 1 Cor 13, 4. E o Papa
atual falará da paciência de Deus e a impaciência do homem. Diante de muitas
confusões modernas sobre infusão do Espírito e batismo no Espírito acreditamos
que a melhor maneira de saber se alguém está imbuído [batizado] pelo Espírito é
ver sua disponibilidade para o amor, ou seja, para o serviço gratuito ao homem.
Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos, dirá João em
1Jo 3, 14. E em 1Jo 4, 12-13: Se nos amarmos uns aos outros Deus permanece em
nós…Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu
Espírito. Finalmente, segundo Paulo, o dom mais perfeito é o amor, sem o qual
nenhum outro vale nada, como afirma no capítulo 13 de sua primeira carta aos de
Corinto. Os estabelecimentos de caridade para a terceira idade e as crianças
órfãs dirigidos pela caridade da Igreja têm duas qualidades insuperáveis do
ponto de vista social: cuidam de seus internos com muito mais amor e com muito
menos dinheiro do que fazem as instituições que podemos chamar laicas.
PISTAS:
1) Como está nossa recepção ao sacramento da
reconciliação? Se não o precisamos ou recebemos é porque não pecamos [e o justo
peca 7 vezes por dia] ou não sentimos a necessidade de ser perdoados no amor.
Talvez sejamos perdoados pela misericórdia; ou condenados pela justiça porque
desprezamos, como diz Dante, o Amor.
2) Quantos fieis se sentem aliviados ao
receber a absolvição em nome do Senhor por um sacerdote! Deveríamos
experimentar esta paz reflexo da que Jesus deu a seus discípulos absolvendo-os
do pecado de covardia por tê-lo abandonado nos momentos da paixão.
3)Que uso fazemos das encíclicas tanto
sociais como sobre os problemas fundamentais da vida ou da verdade? Não foram
escritas para ouvidos surdos, mas para homens de boa-vontade. A voz do Papa é a
voz de Cristo ou a voz de um teólogo ultrapassado e ultramontano dentro do
agnosticismo do relativismo moderno?
4) Muitos se fixam nos carismas, no dia de
hoje, e o único que verdadeiramente, segundo Paulo, indica a posse do Espírito
é o amor. Este distinguirá os verdadeiros carismas dos falsos. Escutemos João
na sua epístola: Quem não ama seu irmão a quem vê, a Deus, a quem não vê, não
pode amar (1Jo 4, 20).
http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0337.htm#msg01