domingo, 20 de dezembro de 2020

SANTO AGOSTINHO E O NATAL

Com os sermões agostinianos sobre o nascimento do Senhor é possível reconstruir um presépio que recorda as reflexões do Santo sobre o mistério de sua aparição humana neste nosso mundo. É um presépio teológico ou cristológico onde a presença de Deus ilumina tudo, ao mesmo tempo em que projeta sombras profundas: Um mirante de grandes contrastes e paradoxos.

“Vejam! O Criador do ser humano se fez homem para que, Aquele que governa do mundo sideral, se alimentasse de leite; para que o Pão tivesse fome; para a Fonte tivesse sede, a Luz adormecesse, o Caminho se fatigasse na viagem, a Verdade fosse acusada por falsos testemunhos, o Juiz dos vivos e dos mortos fosse julgado por um juiz mortal, a Justiça fosse condenada pelos injustos, a Disciplina fosse açoitada com chicotes, o Cacho de uvas fosse coroado de espinhos, o Alicerce fosse pendurado no madeiro; para que a Virtude se enfraquecesse, a Saúde fosse ferida e morresse a própria Vida” (Sermão 191,1: PL 38,1010).

Na dialética, Santo Agostinho quer que os cristãos subam do temporal ao eterno, do mundo visível ao invisível: «Jesus jaz no presépio, mas leva as rédeas do governo do mundo; toma o peito, e alimenta aos anjos; está envolto em panos, e veste a nós de imortalidade; está mamando, e o adoram; não encontrando lugar na pousada, fabrica seus templos nos corações dos crentes. Para que se fortalecesse a debilidade, se debilitasse a fortaleza... Assim, acendemos nossa caridade para que alcancemos a sua eternidade». (Sermão 190,4: PL 38,1009). 

Humildade de Cristo

De maravilha em maravilha, de paradoxo em paradoxo, Santo Agostinho retorna sempre à humildade de Deus, motivo de tanto escândalo para os pagãos:

«A humildade é ela mesma que se lança ao rosto dos pagãos. Por isso nos insultam e dizem: Que Deus é esse que adorais? Um Deus que nasceu? Que Deus adorais? Um Deus que foi crucificado? A humildade de Cristo desagrada aos soberbos; mas se a ti, cristão, agrada, imita-a; se a imitas, não trabalharás, porque Ele disse: Vinde a mim todos vós que estais sobrecarregados». (Enarrat. in ps. 93,15: PL 37,1204).

A doutrina da humildade é a grande lição do mistério de Belém: «Considera, homem, o que Deus se fez por ti; reconhece a doutrina de tão grande humildade mesmo em uma criança que não fala» (Sermão 188, 3: PL 38,1004).

A Mãe Virgem e a Igreja jubilosa 

Juntamente com o Filho de Deus e sua Mãe sempre virgem, no presépio agostiniano está presente a Igreja, ou a humanidade inteira que salta de júbilo.

A todos deve contagiar a alegria do nascimento: «Saltem de júbilo os homens, saltem de júbilo as mulheres; Cristo nasceu varão e nasceu de mulher, e ambos os sexos são honrados nEle. Pulai de prazer, santos meninos, que escolhestes principalmente a Cristo para imitar no caminho da pureza; brincai de alegria, virgens santas; a Virgem deu à luz para vós para desposar-vos com Ele sem corrupção. Dai mostras de júbilo, justos, porque é o natalício do Justificador. Fazei festas vós os fracos e enfermos, porque é o nascimento do Salvador. Alegrai-vos, cativos; nasceu vosso redentor. Alvoroçai-vos, servos, porque nasceu o Senhor. Alegrai-vos, livres, porque é o nascimento do Libertador. Alegrem-se os cristãos, porque nasceu Cristo» (Sermão 184,2: PL 38,996). 


A alegria, pois, tem uma expressão de transbordamento incontido no presépio de Santo Agostinho para todo tipo de pessoas. Toda a humanidade participa desta alegria: «Todos os graus dos membros fiéis contribuíram para oferecer à Cabeça o que por sua graça puderam levar» (Sermão 192,2: PL 38,1012). 

Epifania do Senhor 

Ainda que o nome de Epifania seja reservado hoje para a festividade dos Magos, inicialmente compreendia as duas festas do nascimento e da adoração dos Magos, porque os «dois dias pertencem à manifestação de Cristo» (Sermão 204,1: PL 38,1037). Primeiro se manifestou visivelmente em sua carne aos judeus, e logo a seguir aos gentis, representados pelos Magos do Oriente. Desde então, o recém-nascido começou a ser pedra angular da profecia onde se juntavam as duas paredes, os judeus e os gentis.


Os grandes paradoxos de Belém continuam neste mistério: «Quem é este Rei tão pequeno e tão grande, que não abriu ainda a boca na terra, e está já proclamando editos no céu?» (Sermão 199,2: PL 38,1027). O mistério do Menino Deus se enriquecia de novas luzes: «Jazia no presépio, e atraia aos Magos do Oriente; se ocultava em um estábulo, e era dado a conhecer no céu, para que por meio dele fosse manifestado no estábulo, e assim este dia se chamasse Epifania, que quer dizer manifestação; com o que recomenda sua grandeza e sua humildade, para que quem era indicado com claros sinais no céu aberto, fosse buscado e encontrado na “angustura” do estábulo, e o impotente de membros infantis, envolto em panos infantis, fosse adorado pelos Magos, temido pelos maus» (Sermão 220,1: PL 38,1029).

Fonte: http://avozdelourdes.blogspot.com/2017/12/natal-segundo-santo-agostinho.html

 

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