REFLEXÃO
DOMINICAL
Reflexão para o 2º domingo do Tempo
Comum (Jo 1,35-42).
A liturgia do segundo domingo
do tempo comum, independente do ano litúrgico, sempre propõe um texto do
Evangelho segundo João. Neste ano B, o texto proposto é Jo 1,35-42. Ao longo do
ano, a liturgia do tempo comum faz uma apresentação contínua do ministério de
Jesus, desde os seus primórdios na Galiléia até o seu final em Jerusalém.
Recorre-se, portanto, ao Evangelho segundo João no segundo domingo, porque é
esse o que melhor introduz a vida pública de Jesus, apresentando a chamada “semana inaugural”, aberta
com o envio da comitiva pelas autoridades de Jerusalém para fiscalizar a
atividade do Batista (cf. 1,19-28), e concluída com o episódio das bodas de
Caná (cf. 2,1-12). O episódio narrado hoje acontece no terceiro dia dessa semana
inaugural.
Iniciamos a nossa reflexão com
uma pequena observação ou correção da versão litúrgica do texto: ao invés da
genérica e desnecessária expressão “naquele tempo”, o texto em sua versão
original contém uma delimitação temporal específica omitida pela liturgia. Ora,
o versículo 35 é introduzido pela expressão “no dia seguinte”. Pode parecer uma
observação pouco significativa, mas na verdade é de grande importância. Se o
evangelista usa a expressão “no dia seguinte”, é sinal que o episódio a ser narrado
está em continuidade com o anterior.
Assim como tinha sido anunciado
no prólogo que “houve
um homem enviado por Deus, seu nome era João. Ele não era a luz, mas veio para
dar testemunho da luz” (Jo 1,6.8), as primeiras cenas do
Quarto Evangelho apresentam exatamente o testemunho de João a respeito de
Jesus. O evangelho de hoje se insere nesse contexto. No episódio anterior o
evangelista narrara o primeiro encontro de Jesus com João. Ali, o Batista tinha
reconhecido Jesus como o “cordeiro
de Deus que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1,29), e dado o
seu testemunho a respeito dele.
No episódio narrado pelo
evangelho de hoje, ou seja, um dia depois, novamente eles se encontraram: “No dia seguinte, João estava com dois
de seus discípulos e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!” (vv.
35-36). É importante recordar que esse é o terceiro dia da narração e,
portanto, seu significado é de grande importância. O terceiro dia na Bíblia não
é simplesmente a soma de três dias cronológicos seguidos, mas é um sinal de
intervenção de Deus. É o dia em que coisas importantes acontecem, como a
ressurreição, por exemplo. Portanto, esse episódio tem um valor bastante
significativo para o todo Evangelho segundo João, uma vez que é o nascimento da
comunidade dos discípulos.
Antes, João Batista tinha
apresentado Jesus como o “Cordeiro
de Deus que tira o pecado do mundo”, agora o apresenta apenas
como “Cordeiro de Deus”,
uma vez que mais importante que a sua função, é pessoa de Jesus. Antes de tudo,
João considera o ambiente e a situação em que o povo se encontrava:
instituições corrompidas, sistema religioso sem credibilidade e um império
repressivo, gerando dor e sofrimento na população mais pobre. Essa situação
degradante era consequência de uma sociedade dirigida por lobos. Daí, a
necessidade de alguém que assuma o papel de cordeiro, ou seja, como sinal de
paz, de luta contra o mal e a violência, um líder que não faça uso de nenhum
dos instrumentos usados pelos dirigentes da época: força, violência, repressão,
corrupção e exploração. João não pensa no cordeiro pascal do sacrifício, mas no
líder-cordeiro, ou seja, pacífico e humilde. É importante que o conhecimento da
identidade de Jesus seja revelado para que seus discípulos tenham verdadeiras
convicções do seguimento. João apresenta Jesus como cordeiro para os seus
próprios discípulos, fazendo assim uma espécie de transição entre a sua missão
de precursor e a missão de Jesus como Salvador e luz da humanidade. Ele
reconhece que sua missão de testemunha está chegando ao seu cumprimento.
É interessante perceber como o
evangelista constrói a cena: João estava com seus discípulos, viu Jesus passar
e o testemunhou como cordeiro. Aqui aparece o verbo que vai orientar todo o
texto: o verbo ver. Na língua grega há quatro verbos que significam ver: oráo, theaomai, blêpo e emblêpo.
O que o evangelista usa aqui é emblêpo, o qual significa “ver por dentro”,
expressa a mais alta intensidade e profundidade do olhar. Esse verbo é usado
duas vezes no evangelho de hoje: para expressar o olhar de João para Jesus, e o
de Jesus para Simão (v. 29). Nas outras ocorrências o evangelista usa os
significados menos intensos (vv. 38-39).
A reação dos discípulos
demonstra o quanto o testemunho de João era convincente: “Ouvindo essas palavras, os dois
discípulos seguiram Jesus” (v. 37). Assim como em toda a
tradição bíblica, a escuta tem grande importância na transmissão da fé. Aqui
começa a formação do discipulado de Jesus no Quarto Evangelho. Enquanto nos
evangelhos sinóticos o chamado acontece praticamente de improviso, com Jesus
chamando diretamente, em João o chamamento faz parte de um processo iniciado
pela pregação do Batista. A pregação do Batista chega ao seu objetivo, e ao
mesmo tempo esgota-se. Assim, o gesto dos dois discípulos seguindo Jesus
representa o cumprimento do antiga aliança e o início da nova, a qual será
celebrada solenemente na conclusão da semana com as bodas de Caná (cf. Jo
2,1-12). Seguir Jesus significa a disposição de acolher a sua proposta de vida
e viver como Ele; é abandonar todos os caminhos anteriores e andar somente nos
seus. Significa também a dinâmica do Reino: enquanto o Batista tinha um ponto
fixo para sua pregação, a missão de Jesus é dinâmica e universal.
Os dois discípulos seguiram
Jesus porque ouviram João testemunhar a seu respeito. Mas esse é apenas o
primeiro passo de um verdadeiro seguimento, é apenas a descoberta inicial. Para
tornar-se discípulo, é necessário muito mais. Por isso, “voltando-se para eles e vendo que o
estavam seguindo, Jesus perguntou: “O que estais procurando?” (v.
38a). Esse trecho é muito importante! Essa pergunta “o que estais procurando?” é
a primeira fala de Jesus no Evangelho segundo João; são as suas primeiras
palavras. É interessante que o diálogo de Jesus com a humanidade não começa com
um discurso ou uma proclamação solene, mas com um questionamento. A pergunta de
Jesus é de fundamental importância, por isso continua válida ainda hoje e
sempre será. É preciso ter clareza das motivações para o seguimento. É preciso
refletir constantemente sobre por quais motivos se segue a Jesus.
A resposta dos discípulos
mostra que eles estavam no rumo certo e, portanto, que a catequese de João como
precursor tinha sido bem feita: “Eles
disseram: “Rabi (que quer dizer mestre) onde moras?” (v. 38b).
Com essa expressão os discípulos não pedem o endereço de Jesus, mas algo muito
mais profundo. A expressão “onde
moras?” significa muito mais que o desejo de conhecer uma
localidade; significa “qual
é o seu estilo de vida?”, “como vives?”, “ensinas-nos a viver como tu!”. Com
todo respeito ao antigo mestre, os discípulos de João reconhecem que não é a
sua vida que devem imitar, mas a vida de Jesus de agora em diante. João disse
que Jesus é o Cordeiro, os discípulos não se contentam com essa informação e
querem conhecer, experimentar a vida de cordeiro vivida por Jesus.
O convite de Jesus é
decisivo: “vinde e ver” (v.
39a). O anúncio oral, como fez João Batista, é apenas o primeiro passo, é
somente uma etapa no caminho para o discipulado. Para tornar-se verdadeiramente
discípulo ou discípula é necessário fazer a experiência do encontro, do
convívio, do estar com Ele. Aqui Jesus faz uma firme denúncia, embora sutil, à
religião do seu tempo baseada na doutrinação. Ele quer dizer que não é
explicável com palavras. Nenhuma doutrina é capaz de contê-lo. Jesus não é
conteúdo, Ele é pessoa de relação.
Só conhece Jesus quem vive com
Ele, quem vai ver e permanece com Ele, como fizeram aqueles dois
discípulos: “Foram pois
ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele. Era por volta das
quatro da tarde” (v. 39b). Aqui está o primeiro modelo de
discípulo e de encontro. Ir ver onde Ele mora e permanecer é acatar a sua
proposta de vida. Isso se faz somente em comunidade: foram dois e permaneceram
com Ele. Eles não foram conhecer um espaço físico determinado, mas foram viver
como Ele. Como o dia terminava às seis horas, essa indicação temporal “quatro da tarde” significa
que permaneceram até o fim com Ele e, por isso, quando surgir o novo dia,
aqueles discípulos já estarão revestidos de uma vida nova, ou seja, do estilo
de vida de Jesus.
Até então, nenhum dos
discípulos fora chamado pelo nome. Finalmente, um deles se torna
conhecido: “André,
irmão de Simão Pedro, era um dos que ouviram as palavras de João e seguiram
Jesus” (v. 40). O evangelista reforça aqui, mais uma vez, a
eficácia do anúncio de João: os discípulos seguiram Jesus porque ouviram o
precursor. O outro discípulo que não é identificado por nome é, certamente,
aquele que permanecerá como enigma em todo o Evangelho: o discípulo amado. O
efeito do encontro com Jesus se torna visível na passagem do discípulo a
missionário: André “foi
encontrar seu irmão Simão e disse: “Encontramos o Messias” (que quer dizer
Cristo)” (v. 41). Quem faz a experiência da comunhão de vida
com Jesus, quem o vê e permanece com Ele sente a necessidade de dá-lo a
conhecer, partilhando essa mesma experiência. Ao encontrar o messias-cordeiro,
ele encontrou sentido para a vida, percebeu que os lobos de então (dirigentes
políticos e religiosos) não tinham a palavra final, uma nova ordem e um novo
tempo estavam surgindo a partir do fracos e pequenos, representados pela imagem
do cordeiro.
À medida em que a experiência
de viver com Jesus vai sendo partilhada, o discipulado vai se dilatando: “Então André conduziu Simão a Jesus.
Jesus olhou bem para ele e disse: “Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado
Cefas” (que quer dizer: pedra)” (v. 42). É interessante que o
evangelista não concede a palavra a Simão. O entusiasmo era todo de André.
Subentende-se uma admiração silenciosa e imóvel de Pedro, a ponto de ser
necessário um encorajamento de Jesus com o acréscimo do nome Cefas
(Pedra=Pedro). Assim, o grupo dos seguidores se ampliava quando a experiência
vivida era compartilhada.
Que o anúncio da palavra em
nossas comunidades gere inquietações e inconformismos e, assim, possamos buscar
o conhecimento de Jesus fazendo a experiência de comunhão de vida com a sua
pessoa, indo onde Ele mora e levando-nos a reconhecê-lo no encontro com os irmãos
e irmãs. Só Ele comunica vida em plenitude. E essa vida não pode ser
experimentada pela mera repetição de fórmulas doutrinais, mas somente no
encontro com a sua pessoa.
https://www.fiquefirme.com.br/36-reflexao-para-o-2-domingo-do-tempo-comum-jo-135-42