3.º DOMINGO DO ADVENTO ANO B
O Evangelho segundo João começa
com uma composição que se convencionou chamar “prólogo” (cf. Jo 1,1-18).
Trata-se, provavelmente, de um primitivo hino cristão conhecido da comunidade
joânica, que o autor do Quarto Evangelho adaptou e onde se expressa a fé da
comunidade em Cristo, Palavra viva de Deus, enviado ao mundo para concretizar o
plano de salvação que Deus tinha para oferecer aos homens. Os primeiros três
versículos do texto que hoje nos é proposto (cf. Jo 1,6-8) pertencem a esse
“prólogo”.
Depois do “prólogo”, o autor do Quarto Evangelho desenvolve, em várias etapas,
a sua catequese sobre Jesus. Na “secção introdutória” que se segue
imediatamente ao “prólogo” (cf. Jo 11,19-3,36), ele procura dizer quem é Jesus
e definir a sua missão, fazendo entrar sucessivamente em cena várias
personagens cuja função é apresentar ao leitor a figura de Jesus. De entre
estas personagens, sobressai a figura de João Baptista, o “apresentador”
oficial de Jesus. Ele aparece no início (cf. Jo 1,19-37) e no fim (cf. Jo
3,22-36) dessa secção introdutória a dar testemunho sobre Jesus. O corpo
central do texto evangélico que hoje nos é proposto apresenta, precisamente, um
primeiro testemunho que João dá sobre Jesus, diante dos enviados das
autoridades judaicas.
Para percebermos o alcance do diálogo entre João e os líderes judaicos, é
preciso ter em conta o ambiente político, social e religioso da Palestina do
século I… Dominado pelos romanos, humilhado e impossibilitado de definir o seu
destino, afogado em impostos ruinosos, explorado por uma classe dirigente
comodamente instalada nos seus privilégios, escravizado por um sistema
religioso ritual e legalista, o Povo de Deus vivia na expectativa da chegada do
Messias libertador, enviado por Deus para inaugurar uma nova era de liberdade,
de alegria, de felicidade. Muitos israelitas estavam dispostos a aproveitar
qualquer oportunidade de libertação e eram presa fácil dos falsos messias e dos
vendedores de sonhos. As frequentes aventuras messiânicas falhadas só
aumentavam a violência, a miséria, a pobreza e a frustração nacional.
A hierarquia religiosa judaica não gostava demasiado de ouvir falar na chegada do Messias. De fato, um dos objetivos do Messias, segundo a concepção corrente, deveria ser a reforma das instituições da hierarquia religiosa judaica, considerada indigna. Não admira, pois, que as autoridades se inquietassem diante da atividade de João.
MENSAGEM
Na primeira parte do nosso texto (vers. 6-8), apresenta-se João. Dele dizem-se duas coisas: que é “um homem” e que foi “enviado por Deus”. O agente principal nesta história é, naturalmente, Deus: é Deus que escolhe esse homem e o envia ao mundo com uma missão concreta. É, habitualmente, esse o “método” de Deus: chama homens, confia-lhes uma missão e, através deles, intervém no mundo. A missão de João é “dar testemunho da luz”. A “luz”, no Quarto Evangelho, representa essa realidade que vem de Deus e com a qual Deus se propõe construir para os homens um mundo novo de vida definitiva e de felicidade total. João não age por sua própria iniciativa, mas em resposta à escolha divina e para concretizar uma missão que Deus lhe confiou.
Por outro lado, embora enviado por Deus, João não é “a luz” – isto é, ele não
tem a capacidade de eliminar as trevas que escurecem e desfeiam a vida dos
homens, porque não tem a capacidade de dar vida aos homens. João é apenas “a
testemunha” que vem preparar os homens para acolher esse que vai chegar e que
será “a luz/vida”.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 19-28), temos o “testemunho” de João.
A cena coloca-nos diante de uma comissão oficial, enviada de Jerusalém para investigar João e constituída por sacerdotes e levitas (encarregados, entre outras coisas, de vigiar a ortodoxia e a fidelidade à ordem religiosa judaica). No ambiente de messianismo exacerbado da época, a figura de João e o seu testemunho resultam inquietantes para os líderes religiosos judeus…
A comissão investigadora começa por interrogar João com uma pergunta
aparentemente inócua: “quem és tu?”. Os interrogadores não tomam posição.
Limitam-se a esperar que o próprio João declare a sua posição e as suas
intenções. João descarta totalmente a hipótese de ser o Messias. Também não
aceita identificar-se com Elias (de acordo com Mal 3,22-23, Elias devia vir
preparar o “dia de Jahwéh” – que, no século I era o dia da vinda do Messias
libertador, enviado por Deus para construir um mundo novo). Tampouco aceita
assumir o título de “o profeta” (este título parece aludir a Dt 18,15 e
significava, na época de Jesus, um “segundo Moisés” que deveria aparecer nos
últimos tempos). Na verdade, João não aceita que lhe atribuam nenhuma função
que possa centrar a atenção na sua própria pessoa. As suas três respostas são
rotundas negativas. Ele não busca a sua glória ou a sua afirmação, nem vem em
seu próprio nome; a sua missão é meramente dar testemunho da “luz” e é para
essa “luz” que os holofotes devem ser apontados.
É dentro deste enquadramento que devemos entender a resposta de João, quando os
seus interlocutores o convidam a definir-se: “eu sou uma voz”. “Voz” é um termo
relacional que supõe ouvintes a quem é comunicada uma mensagem… A “voz” não tem
rosto, é anônima e passa despercebida; o importante é o conteúdo da mensagem. É
isso que João é: uma “voz” através da qual Deus passa aos homens uma mensagem.
É à mensagem e não à “voz” que os homens devem dar atenção.
A mensagem que a “voz” veicula é: “endireitai o caminho do Senhor”. A expressão
é tomada de Is 40,3, numa versão livre. Em Isaías, a expressão é usada no
contexto da intervenção salvadora de Deus para fazer regressar à Terra da
Liberdade os judeus cativos na Babilónia. Pedia que o Povo instalado e
acomodado, desanimado e frustrado fizesse um esforço para acolher os desafios
de Deus e aceitasse pôr-se a caminho com Deus em direção a um futuro novo de
vida e de esperança. É essa mesma realidade que João é chamado a acordar no
coração do seu Povo.
As respostas negativas de João desconcertam a comissão… Se João não reivindica
nenhum dos títulos tradicionais – “Messias”, “Elias”, “o profeta” – a que
título é que ele batiza?
O batismo ou imersão na água era um símbolo relativamente frequente no judaísmo. Era usado como rito de purificação (por exemplo, para um enfermo curado da sua doença – cf. Lev 14,8) ou para significar a mudança de estado de vida (podia significar, por exemplo, a passagem de uma situação de escravidão a uma situação de liberdade; para os prosélitos, significava o abandono das práticas e crenças pagãs e a adesão ao judaísmo). O batismo de João significava, provavelmente, a ruptura com a vida das trevas e o desejo de aderir a uma nova vida. Para João seria, apenas, um primeiro passo para acolher “a luz”.
João evita responder diretamente à objeção que os fariseus lhe colocam. Ele prefere desvalorizar o seu batismo com água e apontar para “aquele” que vem e a quem João não é digno “de desatar as correias das sandálias”. Esse é que é “a luz” que vai libertar o homem da escuridão, da cegueira, da mentira, do egoísmo, do pecado. É como se João dissesse: “não vos preocupeis com o baptismo com água que eu administro, pois ele é, apenas, um símbolo de transformação e de adesão a uma nova realidade; mas olhai antes para essa nova realidade que já está no meio de vós e que o Messias vos vai oferecer. É o batismo do Messias (o batismo no Espírito) que transformará totalmente os corações dos homens, os fará livres e lhes dará a vida definitiva. Esse que vem batizar no Espírito já está presente, a fim de iniciar a sua obra libertadora. Procurai conhecê-lo – isto é, escutá-lo e acolher a sua proposta de vida e de libertação”.
A indicação de que os líderes não “conhecem” esse “alguém” que já chegou e do
qual João apenas é “a voz” é, provavelmente, uma denúncia da situação em que se
encontra a classe dirigente judaica, instalada nos seus privilégios, certezas e
preconceitos e muito pouco aberta à novidade e aos desafios de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes dados:
• A “voz”, através da qual Deus fala, convida-nos a endireitar “o caminho do Senhor”. É, na linguagem do Evangelho segundo João, um convite a deixar “as trevas” e a nascer para “a luz”. Implica abandonar a mentira, os comportamentos egoístas, as atitudes injustas, os gestos de violência, os preconceitos, a instalação, o comodismo, a autossuficiência, tudo o que desfeia a nossa vida, nos torna escravos e nos impede de chegar à verdadeira felicidade. Em termos pessoais, quais são as mudanças que eu tenho de operar na minha existência para passar das “trevas” para a “luz”? O que é que me escraviza e me impede de ser plenamente feliz? O que é que na minha vida gera desilusão, frustração, desencanto, sofrimento?
• A “voz”, através da qual Deus
fala, convida-nos a olhar para Jesus, pois só Ele é “a luz” e só Ele tem uma
proposta de vida verdadeira para apresentar aos homens. À nossa volta abundam
os “vendedores de sonhos”, com propostas de felicidade “absolutamente
garantida”. Atraem-nos, seduzem-nos, manipulam-nos, escravizam-nos e, quase
sempre, deixam-nos decepcionados e infelizes, mais angustiados, mais perdidos,
mais frustrados. João garante-nos: só Jesus é “a luz” que liberta os homens da
escravidão e das trevas e lhes oferece a vida verdadeira e definitiva. A quem
dou ouvidos: às propostas de Jesus, ou às propostas da moda, do politicamente
correto, das pessoas “in” que aparecem dia a dia nas colunas sociais e que
ditam o que está certo e está errado à luz dos critérios do mundo?
Que significado é que Jesus e a sua proposta assumem no meu dia a dia?
• Jesus marca, realmente, a minha existência? Os valores que Ele veio propor têm peso e impacto nas minhas decisões e opções? Quando celebro o nascimento de Jesus, celebro um acontecimento do passado que deixou a sua marca na história, ou celebro o encontro com alguém que é “a luz” que ilumina a minha existência e que enche a minha vida de paz, de alegria, de liberdade?
• O “homem chamado João”, enviado por Deus “para dar testemunho da luz”, convida-nos a pensar sobre a forma de Deus agir na história humana e sobre as responsabilidades que Deus nos atribui na recriação do mundo… Deus não utiliza métodos espetaculares e assombrosos para intervir na nossa história e para recriar o mundo; mas Ele vem ao encontro dos homens e do mundo para os envolver no seu amor através de pessoas concretas, com um nome e uma história, pessoas “normais” a quem Deus chama e a quem confia determinada missão. A todos nós, seus filhos, Deus confia uma missão no mundo – a missão de dar testemunho da “luz” e de tornar presente, para os nossos irmãos, a proposta libertadora de Jesus. Tenho consciência de que Deus me chama e me envia ao mundo? Como é que eu respondo ao chamamento de Deus: com disponibilidade e entrega, ou com preguiça, comodismo e instalação?
• A atitude simples e discreta com que João se apresenta é muito sugestiva: ele não procura atrair sobre si as atenções, não usa a missão para a sua glória ou promoção pessoal, não busca a satisfação de interesses egoístas; ele é apenas uma “voz” anônima e discreta que recorda, na sombra, as realidades importantes. João é uma tremenda interpelação para todos aqueles a quem Deus chama e envia… Com ele, o profeta (isto é, todo aquele a quem Deus chama e a quem confia uma missão) deve aprender a ficar na sombra, a ser discreto e simples, de forma a que as pessoas não o vejam a ele mas às realidades importantes que ele propõe.
• A atitude dos fariseus e dos líderes judaicos, cheios de preconceitos, preocupados em manter os seus esquemas de poder e instalação, instalados no seu comodismo e nos seus privilégios, impede-os de “conhecer” “a luz” que está a chegar. Trata-se de um aviso, para nós: quando nos instalamos no nosso comodismo, no nosso bem-estar, na nossa autossuficiência, fechamos o coração à novidade e aos desafios que Deus nos faz… Dessa forma, não reconhecemos Jesus quando Ele vem ao nosso encontro e não O deixamos entrar na nossa vida. A liturgia convida-nos, neste Advento, à desinstalação, a fim de que o Senhor que vem possa nascer na nossa vida.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DO
ADVENTO
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
– Na alegria! Este 3º Domingo do
Advento, o antigo domingo “Gaudete”, é tradicionalmente o “domingo da alegria”.
Ainda bem! Cada domingo, dia da Ressurreição, deveria estar impregnado de
alegria! Esse sentimento deve estar bem presente, a convite das leituras de
hoje, em particular as duas primeiras. Tudo deveria concorrer para tal: luzes,
flores, música, maneira de proclamar os textos e de rezar, e sobretudo as
atitudes das pessoas… Não sejamos cristãos tristes… Deixemos as crianças, em
particular na proximidade do Natal, exprimir toda a alegria que têm no coração.
– Na água! No Evangelho, João Batista recorda-nos o sentido do batismo na água,
batismo que anuncia o Baptismo cristão. É um apelo a recordarmos o nosso
próprio “mergulhar” na água, para o perdão dos pecados. Também hoje, é preciso
escutar o apelo de João Batista a “aplanar o caminho do senhor” no nosso
próprio coração, é preciso que nos interroguemos sobre a fidelidade ao nosso
Batismo e a fé com a qual nos voltamos para Cristo e nos deixamos habitar pela
sua alegria. Nesta terceira etapa do Advento, que “progresso” fizemos? Como
significá-lo ao longo da celebração?
– No Espírito Santo! Precursor, João Batista anuncia o Batismo no Espírito, o Batismo cristão que recebemos. E João Batista dá testemunho de Cristo, é o modelo do testemunho. Este domingo interpela-nos sobre a necessidade cristã de sermos alegres (segunda leitura), interpela-nos igualmente sobre o Espírito de alegria que nos é dado: somos verdadeiramente habitados por Ele? Damos testemunho d’Ele? É no Espírito que somos reunidos para celebrar, é pelo Espírito que vivemos e que podemos testemunhar a nossa fé. Que esta celebração possa fazer reviver em nós a graça que devemos testemunhar junto daqueles que encontrarmos.
3. PALAVRA DE VIDA.
Testemunhar é apagar-se… A testemunha não aparece para falar de si, não atrai os olhares para a sua pessoa, mas para aquele de quem vem falar. João Batista não se coloca em destaque, ele diz logo o que ele não é, para que os seus interlocutores descubram o Outro, Aquele do qual não cessa de falar, Aquele a quem prepara a vinda, Aquele para o qual todos os olhares se devem virar porque Ele é a Luz. Jesus reconhecerá João Batista como sua testemunha que prepara a sua vinda.
4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
O Evangelho a três vozes… É possível proclamar o Evangelho a três vozes: um leitor, João Batista, os enviados. Preparar bem o diálogo, evitando a teatralidade, deixando lugar unicamente à Palavra de Deus.
5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
No coração do quotidiano: a esperança. O nosso olhar sobre os outros e sobre o mundo pode ser transformado nesta semana: passar da contestação à bondade; procurar ter uma expressão de sorriso em cada encontro, saudar o outro como um irmão que Deus ama e desejar-lhe todo o bem que Deus quer para ele. A alegria cristã não está ao nível de um otimismo simplista, mas coloca no coração do quotidiano a esperança, possível e credível pela Palavra feita carne.
Fonte: https://www.dehonianos.org/portal/03o-domingo-do-advento-ano-b0/
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