ESPIRITUALIDADE
Homilética: 2º Domingo da Quaresma - Ano B: "Tribulações e
consolações".
O
Evangelho deste domingo apresenta a fé dos Apóstolos, fortalecida na Montanha,
pela Transfiguração de Jesus. O Mistério da Transfiguração não deve ser
separado do contexto do caminho que Jesus está a percorrer. Ele já se orientou
decididamente para o cumprimento da sua missão, sabendo bem que, para alcançar
a Ressurreição, deverá passar sempre através da Paixão e da Morte de Cruz.
Disto falou abertamente aos discípulos, os quais contudo não compreenderam,
aliás, recusaram esta perspectiva, porque não pensam segundo Deus, mas segundo
os homens (cf. Mt 16, 23). Por isso, Jesus leva consigo três deles ao monte e
revela a sua Glória divina, esplendor de Verdade e de Amor. Jesus quer que esta
luz possa iluminar os seus corações quando atravessarem a escuridão espessa da
sua Paixão e Morte, quando o escândalo da Cruz for para eles insuportável. Deus
é luz, e Jesus deseja doar aos seus amigos mais íntimos a experiência desta
luz, que habita n’Ele. Assim, depois deste acontecimento, será neles luz
interior, capaz de os proteger dos assaltos das trevas.
Ao
olharmos um pouco o contexto, observamos que Jesus tinha anunciado aos seus que
“é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, seja rejeitado pelos
anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário que seja
levado à morte e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22); que ele tinha falado
também que se alguém o quisesse seguir que tomasse a cruz (cf. Lc 9,23-24); por
outro lado, alguns discípulos esperavam um messias político que vencesse pela
força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo desejavam
ver-se livres.
Tendo
em conta tudo isso, podemos dizer que os discípulos encontravam-se bastante
desnorteados e até mesmo desanimados. A transfiguração do Senhor é um consolo.
De fato, dizia São Leão Magno que “o fim principal da transfiguração foi
desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”; trata-se de uma “gota
de mel” no meio dos sofrimentos. A transfiguração ficou muito gravada na mente
dos três apóstolos que estavam com Jesus, anos mais tarde São Pedro
lembrar-se-ia deste fato na sua segunda epístola: “Este é o meu filho muito
amado, em quem tenho posto todo o meu afeto”. Esta mesma voz que vinha do céu
nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo” (2 Pd 1,17-18).
Ele, Jesus, continua dando-nos o consolo – quando necessário – para
podermos continuar caminhando e para que nunca desistamos.
Vale
a pena seguir alguém que vai morrer na Cruz? Uma pergunta semelhante pôde
ter passado pela mente dos discípulos do Senhor como também pôde ter passado
alguma vez pela nossa, quiçá formulada de outra maneira.
A
transfiguração de Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem
é Jesus: O Filho Amado de Deus! É um momento antecipado de luz que nos ajuda
também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé. Sim, ela é um
mistério de sofrimento, mas é inclusive a “Paixão bem-aventurada” porque é – no
núcleo – um mistério de amor extraordinário de Deus; é o êxodo definitivo que
nos abre a porta para a liberdade e a novidade da Ressurreição, da salvação do
mal. Temos necessidade disto no nosso caminho quotidiano, muitas vezes marcado
também pela escuridão do mal! Agora Jesus leva consigo os três discípulos, para
os ajudar a compreender que o caminho para alcançar a glória, a vereda do amor
luminoso que vence as trevas, passa através do Dom total de Si, passa pelo
escândalo da Cruz. E, sempre de novo, o Senhor deve levar – nos consigo também
a nós, pelo menos para começarmos a compreender que este é o caminho
necessário.
Os
discípulos da transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da
alegria são também os da agonia. Em nossa caminhada para a Páscoa somos
também convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia dos três
discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da caminhada
não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai nos mostra desde já
sinais da Ressurreição e do alto daquele monte Ele continua a nos gritar: “Este
é o Meu Filho Amado, escutai-O”. É preciso acompanhar o Senhor em suas
alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o
sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam
desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na
transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por
exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani. Vale a pena
segui-lo? Certamente.
Quero sublinhar que Transfiguração de Jesus foi substancialmente
uma experiência de oração (Cf. Lc 9, 28 – 29). Com efeito, a oração atinge o
seu ápice, e por isso torna – se fonte de luz interior, quando o espírito do
homem adere ao de Deus e as suas vontades se fundem, como que para formar uma
só unidade. Jesus viu delinear – se diante de si a Cruz, o sacrifício extremo,
necessário para nos libertar do domínio do pecado e da morte. E no seu coração,
mais uma vez, repetiu o seu “Amém”. Disse sim, eis – me, seja feita, ó Pai, a
tua Vontade de amor. E, como tinha acontecido depois do Batismo no Jordão,
vieram do Céu os sinais do agrado de Deus Pai: a luz, que transfigurou Cristo,
e a voz que O proclamou “Filho muito amado” (Mc 9,7).
Juntamente com o Jejum e as obras de misericórdia, a oração
forma a estrutura principal da nossa vida espiritual.
Não desanimemos diante das dificuldades! Os Planos de Deus não
conduzem ao fracasso, mas à Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem
fim! Com efeito, a existência humana é um caminho de fé e, como tal, progride
mais na penumbra que na plena luz, não sem momentos de obscuridade e até de
total escuridão. Enquanto estamos aqui em baixo, o nosso relacionamento com
Deus realiza-se mais na escuta do que na visão; e a própria contemplação tem
lugar, por assim dizer, de olhos fechados, graças à luz interior acesa em nós
pela Palavra de Deus.
Esta centelha da glória divina inundou os Apóstolos de uma
felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui.
Vamos fazer três tendas…” Pedro quer prolongar a situação! O que é bom, o que
importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer
parte, e vê-Lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estamos
com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou
prostrados na cama de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é
somente isto: Vê-Lo e viver sempre com Ele! Esta é a única coisa
verdadeiramente boa e importante na vida presente e na outra. Desejo ver-Te,
Senhor, e procurarei o Teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!
A vida dos homens é uma caminhada para o Céu, que é a nossa
morada (2 Cor 5,2). Uma caminhada que, às vezes, se torna áspera e difícil,
porque com frequência devemos remar contra a corrente e lutar com muitos
inimigos interiores ou de fora. Mas o Senhor quer confortar-nos com a esperança
do Céu, de modo especial nos momentos mais duros ou quando se torna mais
patente a fraqueza da nossa condição: “À hora da tentação, pensa no Amor que te
espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade”
(São Josemaria Escrivá, Caminho, nº 139).
O pensamento da glória que nos espera deve animar-nos na nossa
luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu.
Não podemos ficar no Monte… de braços cruzados… O seguidor de
Cristo deve descer do monte para enfrentar o mundo e os problemas dos homens!
Cada domingo, ao participar da Santa Missa, subimos a Montanha,
para contemplar o Cristo transfigurado (ressuscitado) e escutar a sua voz.
Depois, ao descer a Montanha (tendo participado da Missa, ao
sair da Igreja) devemos prosseguir a nossa caminhada, sendo sal da Terra e luz
do mundo.
Que neste tempo de Quaresma, possamos encontrar momentos de
silêncio, possivelmente de Retiro, para rever a própria vida à luz do desígnio
de amor do Pai celeste. Deixemo-nos guiar nesta escuta mais intensa de Deus
pela Virgem Maria, mestra e modelo de oração. Ela, também na extrema
obscuridade da Paixão de Cristo, não perdeu mas conservou na sua alma a luz do
Filho divino. É por isso que a invocamos como Mãe da confiança e da esperança!
Que Maria, nossa guia no caminho da fé, nos ajude a viver o tempo da Quaresma,
encontrando todos os dias alguns momentos para a oração silenciosa e para a
Palavra de Deus. Ela, que acompanhou o seu Filho Jesus até à Cruz, nos ajude a
ser discípulos fiéis de Cristo, cristãos maduros, para podermos participar
juntamente com Ela na plenitude da alegria pascal. Amém!
COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: Gn
22,1-2.9a.10-13.15-18; Sl 115; Rm 8,31b-34; Mc 9,2-10
Caros irmãos
e irmãs, neste segundo domingo do tempo quaresmal, a Liturgia da Palavra nos
apresenta como primeira leitura um texto tirado do Livro do Gênesis, onde nos
mostra Abraão conduzindo seu filho Isaac para o sacrifício. A figura de Abraão
se caracteriza como o exemplo do homem que vive numa constante escuta de Deus,
portador de uma fé sólida e inabalável, sendo conhecido como o pai de todos os
crentes; o nosso pai na fé.
Segundo o
Livro do Gênesis, que compõe o Pentateuco do Antigo Testamento, Deus pede a
Abraão: “Sai da tua terra, deixa seus parentes e a casa de seu pai para ir para
a terra que eu te mostrarei” (Gn 12,1-4). Em obediência à ordem do Senhor,
Abraão deixa tudo, renuncia a tudo: pátria, família, estabilidade e confia
apenas em Deus, pois ele tem consciência que só Deus governa a sua vida.
Nesta terra, os seus descendentes formariam uma grande nação e herdariam uma
terra “onde corre leite e mel” (Gn 12,7).
Abraão
acredita, mesmo sabendo que a esposa Sara é estéril e ele já tem 75 anos para o
tempo da promessa. Mas mesmo passando vinte e quatro anos, após receber ele
esta promessa, ocorre a visita do Senhor à sua tenda. No final da visita,
Abraão ouve: “Em um ano, a esta época, voltarei à tua casa e Sara terá um
filho” (cf. Gn 18,14). E, como para Deus nada é impossível, assim aconteceu: o
nascimento de Isaac, filho de um homem de 100 anos e uma mulher estéril de 90,
e através de quem Abraão será o pai de um grande povo, o pai de todos os
crentes.
Sendo o povo
escolhido de Deus, os hebreus conquistariam a terra prometida de Canaã, uma
terra de fartura, em comparação com as que Abraão deixara para trás. Foi assim
que Abraão foi para Canaã, passando a ser o fundador da nação hebraica. Canaã
era a terra prometida por Deus ao seu povo, desde o chamado de Abraão, que
habitava a cidade caldeia de Ur, no sul da Mesopotâmia. Foram 24 anos de uma
longa espera.
Isaac, este
filho da promessa de Deus, começa a crescer, mas o Senhor intervém novamente
para fazer um novo pedido a Abraão: Oferecer Isaac em sacrifício (cf. Gn 22,
1-2-9-18). Deus retorna para exigir de Abraão aquilo que lhe fora concedido
como graça e sinal do cumprimento de uma promessa: Isaac deve ser
sacrificado. Mesmo diante deste pedido, Abraão é pronto na obediência,
sem nenhum questionamento. Ele sobe ao monte para cumprir os requisitos
mais difíceis do Senhor: sacrificar o seu próprio filho.
Abraão
encontra-se diante da perspectiva de uma ação que para ele, pai, é certamente,
a maior e mais difícil. Abraão obedece e se dirige para o Monte Moriá com
seu filho Isaac que, sem o saber, leva a lenha para seu próprio
holocausto. Deus parece romper sua palavra e fecha para Abraão toda a
esperança para o futuro. Abraão constrói um altar, coloca a lenha e,
depois de amarrar o jovem, pega na faca para o imolar. Abraão confia totalmente
em Deus, a ponto de estar disposto até a sacrificar o próprio filho e, com o
filho, o futuro, porque sem o seu filho, a promessa da terra prometida não se
realiza. É realmente um gesto de fé extremamente radical.
Mas, no
momento decisivo o anjo do Senhor detém o braço de Abraão, e um carneiro
substitui o filho no sacrifício (cf. Gn 22,13). Neste momento Abraão é detido
por uma ordem do alto: Deus não quer a morte, mas a vida, o verdadeiro
sacrifício não proporciona a morte, mas é a vida e a obediência de Abraão que
se torna fonte de uma bênção imensa, que se concretizará ao longo dos anos
seguintes. Em vista de sua comprovada fidelidade – Deus renova com Abraão sua
promessa: descendência numerosa, terra em possessão e bênção para seu povo e a
todas as nações da terra.
O texto
evangélico nos apresenta o relato da Transfiguração de Jesus no Monte
Tabor. A cena constitui uma palavra de ânimo para os discípulos, e para
os crentes, em geral, pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que
ele é o Filho amado de Deus. Na narração da Transfiguração de Jesus vamos
encontrar alguns elementos que normalmente acompanham as manifestações de Deus,
e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo
Testamento: o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem,
o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino.
É sempre em
um monte que Deus se revela; e, em especial, é no alto de um monte que Ele faz
uma aliança com o seu Povo. A mudança do rosto e as vestes brancas e brilhantes
recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Monte Sinai (cf. Ex 34,29),
depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei. O monte é o
lugar de encontro com Deus: Moisés e Elias encontram Deus no Monte Horeb. A
Sagrada Escritura nos diz que Jesus, por várias vezes, se retira para o monte,
a fim de estar com Deus em oração.
A nuvem, por
sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua
presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto (cf. Ex 40,35; Nm
9,18.22). Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas; além disso, são
personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do
Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18). O
temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer pessoa,
diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (cf.
Ex 19,16).
A mensagem
fundamental, presente em todos estes elementos, pretende dizer quem é Jesus: o
Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse
Messias Salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (representada por
Moisés) e pelos Profetas (representados por Elias). Jesus é um novo Moisés,
isto é, aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e
através de quem Deus propõe aos homens uma nova Aliança.
O desejo
manifestado por Pedro de construir três tendas no alto do monte, pode
significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação
gloriosa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus. O simples fato de
ver, mesmo só por um instante, a humanidade de Cristo transfigurada na companhia
de Moisés e Elias, cheio de entusiasmo, deseja retê-los: “Mestre, é bom
ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra
para Elias” (v.5). Não deixa de ser a manifestação, nestas suas palavras,
de um testemunho de um sentimento sincero.
Mas, logo em
seguida, parece surgir uma resposta do próprio Deus a Pedro e aos demais
discípulos que ali estavam: “Este é meu Filho amado, escutai-o” (v. 7).
Deus toma a palavra, pede para que reconheçam Jesus como seu Filho amado, e
pede para O escutar. O Evangelho é o lugar no qual Jesus fala-nos hoje:
“Quem a vós escuta, a mim escuta” (Lc 10, 16). Com essa palavra: “Escutai-o!”,
indica que em Cristo temos toda resposta. Mas na Transfiguração ele
também queria mostrar sua divindade a três de seus Apóstolos, depois de ter
anunciado aos doze sua já próxima Paixão e Morte. Quis o Senhor com sua
Transfiguração no Monte Tabor incentivá-los, fortalecê-los e prepará-los para o
que, em seguida, aconteceria no Monte Calvário.
Como os três
Apóstolos do Evangelho, também nós temos necessidade de subir ao Monte da
Transfiguração para recebermos a luz de Deus, e para que a sua face ilumine o
nosso rosto e nos faça crescer na fé e na oração. Assim seja.
PARA REFLETIR
Surpreende-nos,
caríssimos, que neste tempo quaresmal, de tanta sobriedade, a Mãe católica nos
coloque diante dos olhos Jesus transfigurado. Não seria mais adequado este
texto num dos domingos da Páscoa? Cabe tanta glória, tanta luz, tanto
esplendor, neste tempo de oração, penitência, esmola e combate espiritual? Mas,
não duvidemos: a Igreja tem seus motivos; motivos sábios, motivos de mãe que
educa com carinho.
Primeiramente,
a glória de Jesus no Tabor, antegozo da sua ressurreição, anima-nos e
alenta-nos neste caminho quaresmal. Ao nos falar da oração, da penitência, da
esmola, ao nos exortar ao combate aos vícios e à leitura espiritual, a Igreja,
fazendo-nos contemplar o Transfigurado, revela-nos qual o objetivo da batalha
da Quaresma: encontrar o Cristo cheio de glória e, com ele, sermos glorificados.
Olhai o Tabor, irmãos, e vereis o que o Senhor preparou para nós! Pensai no
Tabor, e a penitência terá um sentido, as mortificações deste tempo serão
feitas com alegria! Que diz o Evangelho? Diz que, diante dos apóstolos, Jesus
transfigurou-se: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma
lavadeira sobre a terra poderia alvejar”. Eis! A Transfiguração é uma profecia,
uma antecipação da glória da Páscoa; e a Páscoa de Cristo é a garantia da nossa
glorificação. Porque Cristo morreu e ressuscitou, nós também, mortos com ele,
seremos daquela multidão vestida de branco, de que fala o Apocalipse! (Ap 7,9)
Então, ânimo! As observâncias da santa Quaresma não são um peso, mas um belo
caminho, um belo instrumento para conduzir-nos à Páscoa do Senhor!
Mas,
a leituras de hoje colocam-nos também diante de uma outra realidade, bela e
profunda. Comecemos pela primeira leitura, na qual Deus pede a Abraão tudo
quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”. Isaac era tudo
para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldéia, por ele, tinha esperado mais
de trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas… E, agora, já idoso,
sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já esta
crescidinho e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. Que prova,
caríssimos! A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Mas, ele foi em
frente e “estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.
Caríssimos,
Deus tinha o direito de pedir isso a Abraão? Deus tem o direito de nos provar,
detantas vezes nos pedir coisas que não compreendemos bem? Tem o direito de
pedir fé e confiança diante dos percalços da vida? Poderíamos responder dizendo
simplesmente que “sim”, porque ele é Deus; deu-nos tudo e pode pedir-nos o que
desejar. Mas, não é essa a resposta que a Palavra de Deus nos indica na
liturgia de hoje. Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com
certeza, porque ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão
lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo,
na segunda leitura deste hoje, “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou
por todos nós!” Eis o grande mistério: Deus, no seu amor por nós – primeiro
pelo povo de Israel, descendência de Abraão, e, depois, por toda a humanidade,
com a qual ele deseja formar o novo povo, que é a Igreja – Deus, no seu amor
por nós, entregou à morte o seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, aquele
no qual ele coloca todo o seu bem-querer. Não é assim que ele no-lo apresenta
hoje no Monte Tabor? “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” É este
Filho que será entregue à morte. O Evangelho de São Lucas nos diz que,
precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias
“sobre a sua partida, isto é, a sua morte, que iria se consumar em Jerusalém”
(Lc 9,31). E no Evangelho de São Marcos, que escutamos, o próprio Jesus, ao
descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto,
até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Compreendei,
caríssimos: sobre o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a
sombra da paixão, da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão
entregará por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último
momento; não poupará, contudo, o seu próprio Filho!
Isso
nos revela a dimensão do amor de Deus, da sua paixão pela humanidade, do seu
compromisso salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo, caríssimos, e
nós deveríamos dar-lhe tudo, porque, ainda que não compreendamos, ele deseja
somente o nosso bem, a nossa vida, a nossa salvação. Somos preciosos a seus
olhos! Escutai o Apóstolo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que
não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria
tudo juntamente com ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os
declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que
ressuscitou, e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, amados
em Cristo, a dimensão e a profundidade, a largura e a altura do amor de Deus
por nós! Deixemo-nos, portanto, tocar no nosso coração; convertamo-nos!
Abramo-nos para o Senhor! Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa
frieza, de nosso fechamento! Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e
desconfiança de Deus, simplesmente porque não entendemos seu modo de agir! Que
Santo Abraão, nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé,
intercedam por nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando
com generosidade a amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da
Páscoa e contemplemos nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo
glorificado. Amém.
https://www.icatolica.com/2015/02/homiletica-2-domingo-da-quaresma-ano-b.htm