Catequese digital: por onde começar? Insights para pensar a catequese em tempos digitais e de pandemia
Por Aline Amaro da Silva*
Este artigo trata de temas indispensáveis para
repensar o agir catequético, a fim de superar os desafios que enfrentamos hoje:
uma sociedade em digitalização e uma pandemia que dificulta o encontro físico. Propomos
um itinerário de conscientização sobre essas mudanças, para formar uma catequese
4.0, integral e integradora, física e digital.
“Catequese digital: por onde começar?” Esta é uma questão que todo
catequista deve estar se propondo neste momento de pandemia. Também é o título de
um livro que será publicado pela Editora Paulus neste ano de 2021. O presente trabalho
sintetiza os principais temas abordados naquela obra, fruto de formações sobre a
catequese na era digital ministradas, a partir de 2015, em diversas regiões do Brasil.
Com as medidas de distanciamento, a catequese deve encontrar meios para prosseguir
de forma remota. Dessa forma, surgiu a urgência de desenvolver um modelo de catequese
digital.
Pode-se chamar de metanoia digital o processo de construção de nova
mentalidade sobre si, sobre o mundo e sobre a fé impactados pela cultura digital.
A metanoia digital é não apenas uma conscientização sobre o que é a rede, mas também
um processo aberto de amadurecimento da compreensão do que estamos vivendo como
cristãos e cidadãos desta sociedade em rede global. Assim como a Igreja deve estar
em estado permanente de missão, é convidada a lançar novo olhar sobre a realidade
permeada pelo digital.
Essa reflexão é aprofundada ao longo dos capítulos do livro. Neste
artigo, vamos apenas pontuar os assuntos centrais para realizar o processo em questão.
São eles: cultura digital, ciberteologia, geração net, cibergraça, evangelização e catequese digital. Seguimos
para o primeiro passo – entender melhor a rede e a cultura contemporânea, pois nossa
metanoia digital começou.
1.
“Lançai-vos nas redes”: um mergulho na cultura digital
A catequese deve estar atenta às mudanças que a cultura digital e
a pandemia trouxeram e acolher as oportunidades que surgem para a educação da fé.
Como o Diretório para a Catequese
(n. 359) observa: “O digital, portanto, não apenas faz parte das culturas existentes,
mas está se estabelecendo como uma nova cultura, modificando primeiramente a linguagem,
moldando a mentalidade e reformulando as hierarquias dos valores”. Esse primeiro
tópico nos convida a ingressar no processo de conscientização e descoberta desse
novo mundo interconectado pelas redes digitais.
A era da (des)informação nos deu nova experiência de espaço desterritorializado
e de comunicação instantânea e ubíqua. A cultura da rede transformou nossa relação
com o espaço e o tempo, tornando o tempo mais importante que o espaço. Quando falamos
em rede, não nos referimos ao sistema de dispositivos digitais, mas às pessoas conectadas
por essas tecnologias, formando uma rede de comunicação humana. O Papa Francisco
(2014) compreende que o ambiente digital é um lugar rico em humanidade, pois não
é tecido por cabos, e sim por relações humanas. Por isso, a internet não é apenas
uma estrutura técnica, mas sobretudo experiência de relações, às vezes entre pessoas
(relação “eu e tu”), outras vezes com máquinas e inteligências artificiais (relação
“eu e isto”).
Em vista disso, podemos constatar que o ciberespaço não é um ambiente
neutro, mas um espaço qualificado pelas nossas ações. Assim, podemos definir o ambiente
digital como um lugar antropológico, ético, social. Devemos considerá-lo ainda um
lugar sagrado, sobretudo no contexto atual de pandemia, ambiente de prática e cultivo
da fé. Dessa experiência cristã na web,
emergem questões teológicas que requerem nova abordagem: a ciberteologia.
2.
Ciberteologia: a fé que busca compreender o mundo de hoje
Baseada na teologia dos sinais dos tempos do Concílio Vaticano II,
a ciberteologia foi criada em 2012 pelo jesuíta italiano Antonio Spadaro como novo
campo teológico que busca compreender a cultura digital à luz da fé e seus impactos
para o entendimento e a vivência da fé cristã. A ciberteologia entende a internet
como um lugar teológico onde o teólogo pode se posicionar para ler a realidade e
refletir sobre a fé hoje.
Essa nova abordagem tem como fundamento o seguinte raciocínio: se
as tecnologias digitais, especialmente a internet, mudaram a maneira de comunicar,
pois modificaram a linguagem, conseqüentemente alteram nossa forma de pensar. Se
entendemos a teologia como intellectus
fidei, pensar a fé, então, a cultura digital está transformando também
o jeito como se faz atualmente teologia. Nesse sentido, a ciberteologia é definida
como “pensar a fé cristã nos tempos da rede” (SPADARO, 2012).
Outras abordagens teológicas relacionadas ao fenômeno digital estão
surgindo, como a teologia digital, que nasceu em 2014, na teologia protestante.
A catequese sofreu mudanças drásticas neste período de pandemia, que acelerou ainda
mais o processo de digitalização. Entender as mudanças na comunicação da fé é tão
importante, que o novo Diretório
para a Catequese (2020) contempla essa temática entre os números 359
e 372. A cultura digital, que trouxe a necessidade de novos fazeres teológicos,
formou também novos sujeitos eclesiais que devemos conhecer.
3.
Nativos digitais: os novos protagonistas da catequese
O sucesso de uma comunicação depende principalmente do conhecimento
e da proximidade entre os interlocutores. Por isso, os catequistas devem conhecer
as características de comunicação, visão de mundo, comportamento e aprendizagem
dos catequizandos. Com a globalização, esses aspectos foram sendo compartilhados
pelos jovens de uma mesma época. Assim surgiu o estudo das gerações. Atualmente,
seis gerações convivem juntas (OLIVEIRA, 2010, p. 41-57). São elas: Belle Époque (nascidos aproximadamente
entre 1920 e 1940), Baby Boomers
(1940-1960), X (1960-1980), Y (1980-1999), Z (1999-2010) e Alfa (2011 até agora).
Essas diferenças de mentalidade podem causar conflitos entre gerações, se não buscarem
o conhecimento mútuo.
Podemos classificar essas gerações em dois grupos: as três primeiras
gerações formam o grupo dos imigrantes digitais, e as três últimas constituem aqueles
que cresceram em meio à revolução digital, chamados de nativos digitais. É necessário
frisar que ser um nativo digital não significa que a pessoa nasceu sabendo como
e para que utilizar os meios digitais; o termo quer designar o período, contexto
e aspectos compartilhados por esses indivíduos. Todas as gerações, em algum nível,
precisam ser educadas para o digital.
A geração Y é a primeira
geração digital e global. É nela que percebemos grande ruptura de padrão de comportamento
em relação às gerações anteriores. Novas características comunicacionais aparecem
na geração Y e são intensificadas nas gerações digitais posteriores. Com certeza,
um diferencial da geração Alfa em relação às demais será a experiência da pandemia.
Para exemplificar tais mudanças, selecionamos algumas características das gerações
digitais (TAPSCOTT, 2010, p. 41-51):
- As relações de autoridade na
família, escola e trabalho estão mudando, pois o poder e o conhecimento já
não estão apenas com os pais, chefes e mestres; as crianças e jovens, por sua
habilidade com os dispositivos digitais, agora possuem autoridade tecnológica.
Isso está deixando as relações sociais mais horizontais, colaborativas e compartilhadas.
- O ambiente multicultural e pluralista
em que cresceram tornou a juventude digital mais aberta e tolerante, ativista
no combate às injustiças sociais, embora sua ação se dê mais por manifestações
nas redes do que nas ruas.
- São analíticos, observadores
e íntegros – buscam a liberdade de estudar, trabalhar e viver de acordo com
seus gostos e crenças.
- O tempo real, a velocidade e
a exposição às mídias os tornaram ansiosos, impacientes, dispersivos e necessitados
de reconhecimento.
- Suas capacidades cognitivas mudaram.
Devido ao excesso de informação e notícias falsas, desenvolveram melhores habilidades
de processamento, seleção, categorização e aproveitamento dos dados.
Sobre sua cognição, Michel Serres (2013, p. 37-38) acrescentaria que o intelecto dos nativos digitais se tornou mais criativo e inventivo. É importante deixar claro que, embora o estudo das gerações tenha se tornado indispensável na formação dos catequistas, isso não quer dizer que todos os catequizandos desenvolverão os mesmos traços de comportamento e aprendizagem. Existem outros fatores que influenciam sua mentalidade. Como passar da experiência de conexão para a comunhão? É o que refletiremos na cibergraça.
1. Onde há ciberpecado, há ainda mais cibergraça
A cultura digital não é realidade passageira, por isso devemos descobrir como viver na graça nessa nova realidade, que requer de nós maior maturidade e disciplina. Com as medidas de distanciamento, passamos a ver a comunicação digital como única forma de nos relacionarmos com as pessoas de fora. Embora sejam indiscutíveis os benefícios que a rede proporciona, corremos o risco de ficarmos dependentes dela e nos isolarmos numa bolha. Todo desvio de comportamento na internet que cause danos à pessoa que o comete ou a outros, chamamos de ciberpecado. Assim como boas iniciativas migraram para o modo on-line, as más ações também ganharam sua versão digital. Podemos citar algumas: cyberbulling, fake news, ciberterrorismo, guerra e espionagem cibernética, pedofilia e pornografia digital, mercado negro, dark web.
Um problema atual é o uso dos dados pessoais dos usuários para gerar lucro. Quando utilizamos um serviço “gratuito” na internet, na verdade ele não sai de graça: nós nos tornamos o produto que a plataforma está vendendo a seus anunciantes. Esse é um dos dilemas de caráter moral que formam o que chamamos de pecado estrutural da rede. É importante termos consciência de que a internet tem problemas estruturais, para não cairmos na rede como numa armadilha, mas buscarmos aperfeiçoá-la.
A Igreja, em vários documentos, orienta nossa conduta moral nas mídias, pois sabe que a culpa dos males não é dos meios utilizados, mas de quem os utiliza. Se os recursos da internet potencializam a propagação do pecado que cometemos, podem expandir ainda mais a graça que vivemos e os bens que praticamos.
A graça é benevolência e ação divina, mas precisa da correspondência humana. Por isso, a cibergraça busca refletir sobre como viver de forma equilibrada em tempos digitais. Para auxiliar a ação de Deus na nossa vida, precisamos cultivar bons hábitos por intermédio da ascese digital: criar uma rotina de atividades on-line e off-line, fazer bons propósitos e respeitar horários. Às vezes precisamos de um detox digital, isto é, de um período de renúncia da conexão para nos reconectarmos com as pessoas e com Deus.
Deus está presente no ciberespaço e transforma a conexão em rede de comunhão quando dois ou mais estão reunidos em nome de Jesus (Mt 18,20). Toda vez que estamos em estado de graça, trazemos o Reino de Deus para nossa rede de contatos. A internet é dom de Deus e não foi inspirada para nos separar, mas para nos religar. Ao ser utilizada para o mal, está sendo desvirtuada do seu papel original de facilitar a comunhão. Portanto, definimos cibergraça como pessoas em comunhão na era da cultura digital.
Assim como fizemos uma releitura da graça nos tempos da rede, também precisamos repensar a ação evangelizadora na conjuntura atual.
2. Evangelização na era digital: um novo olhar
A cultura digital nos ajuda a entender que a verdadeira comunicação é uma ação recíproca entre os interlocutores. Se evangelizar é comunicar (DP 1979, n. 1063), então evangelização é partilha da alegre notícia da salvação. Evangelizar não é só propagar um conteúdo; é um comprometimento de vida com Jesus Cristo e com os irmãos. Compromisso que dá à nossa vida propósito, alegria e beleza. “Anunciar Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações” (EG 167). Um dos principais desafios de nosso tempo é passar da lógica da transmissão ao compartilhamento.
Evangelização é um conjunto de ações que abrange as dimensões do ser, dizer e fazer: encontro autêntico, diálogo fecundo, escuta ativa, olhar atento, gestos de ternura. Evangelizar é comungar da vida do outro e compartilhar a vida com o outro: olhou, sentiu compaixão, aproximou-se e cuidou dele (Lc 10,33). Só evangeliza quem ama e é amado. A experiência do amor de Deus nos move a testemunhar esse amor aos outros.
Para a catequese, que constitui uma das etapas do processo evangelizador, é importante renovar o sentido da evangelização como comunhão entre pessoas. Para pensar o anúncio do Evangelho na era digital, “a verdadeira questão não é como utilizar as novas tecnologias para evangelizar, mas sim como se tornar uma presença evangelizadora no continente digital” (DC 371). Participar e colaborar são aspectos indispensáveis no processo evangelizador dos nativos digitais, principalmente na catequese, que deve cultivar a fé por meio da experiência com o mistério divino que toca nossa realidade.
Com o movimento de secularização da sociedade e da cultura, boa parte das crianças e jovens está crescendo sem o ensino da fé nas famílias. A preparação para os sacramentos, que passou a ser vista mais como rito social do que prática da fé, tornou-se oportunidade de evangelizar os batizados.
Assim, no tempo atual já não se podem separar as etapas de evangelização e catequese, como explica o novo Diretório: “O anúncio não pode mais ser considerado simplesmente a primeira etapa da fé, prévia à catequese, mas sim a dimensão constitutiva de cada momento da catequese” (DC 57). A catequese hoje não deve ser considerada um estudo sistemático da fé, mas um encontro gerador da própria fé mediante o diálogo, a participação e boas relações.
6. Catequese digital: em busca de nova pedagogia
Em 2015 iniciamos formações para refletir sobre os desafios e possibilidades da catequese na era digital, abordando os assuntos tratados nos tópicos deste artigo, a fim de entendermos a cultura, o sujeito e o contexto contemporâneo, e assim aprimorarmos a pastoral catequética. Agora com a quarentena, essa base de reflexão se tornou ainda mais fundamental e surgiu a necessidade de dar um passo adiante no processo de renovação do trabalho catequético: a catequese digital.
Entendemos catequese digital como a prática de encontros catequéticos por meio da internet. Dividimos em dois níveis as ações catequéticas na rede: o cultivo da relação catequizando-catequista, mediante o compartilhamento de conteúdo nas mídias digitais, e o encontro catequético on-line propriamente dito.
A catequese para a era digital precisa responder a quatro questões:
- Como integrar as novas tecnologias
na pedagogia catequética?
- Quais os conteúdos mais relevantes
para trabalhar na catequese hoje?
- Como desenvolver a competência
midiática dos catequistas e catequizandos para terem olhar crítico e discernimento
sobre o impacto da cultura digital na vida humana e na fé?
- Como atualizar a pedagogia catequética em consideração às propriedades comunicativas e de aprendizagem que a comunicação digital nos trouxe?
Esses pontos elucidam que renovar a pedagogia catequética à luz da experiência da rede vai além do uso das mídias digitais na catequese; é preciso avaliar quais ações, vivências e técnicas proporcionariam uma abertura maior ao mistério divino de acordo com as particularidades das gerações digitais.
Devemos priorizar pedagogias catequéticas que correspondam às características dos nativos digitais, que promovam interação, diálogo, participação e engajamento. A catequese deve aprofundar o estudo de pedagogias humanizadas e humanizadoras, interativas, dinâmicas e abertas, que visem ao crescimento e à emancipação do sujeito, a fim de formar cristãos preparados para enfrentar os desafios que a sociedade em rede trouxe e ainda trará para a vida cristã.
Conclusão
Apesar de vivermos numa era líquida, permeada pela cultura do descartável, temos o desafio de mostrar na catequese que o amor de Deus não é provisório, mas eterno; que nossa fé não é uma adesão momentânea e sazonal a Cristo, mas define nossa vida inteira. A catequese deve ser um processo que enriquece e impulsiona a caminhada de toda a vida, verdadeira iniciação à vida cristã.
Existem níveis de presença, atenção, comunicação e encontro, seja no ambiente físico, seja no digital. Neste momento, o mais importante é mostrarmos ao catequizando que ele não está só; que faz parte de uma comunidade que se importa com ele; que estamos unidos em comunhão, embora distantes territorialmente; e, sobretudo, que ele é amado por Deus. Portanto, precisamos buscar a qualidade e autenticidade de nossas relações para uma vida, evangelização e catequese mais plenas.
Aprendendo com nossa experiência de pandemia, já não podemos ver a comunicação e a catequese digital como atividades de caráter complementar. A catequese digital não substituirá toda catequese no ambiente físico, mas deve ser pensada como ótima alternativa em circunstâncias em que o encontro geográfico não é possível. Para o pós-pandemia, precisamos começar a construir uma catequese híbrida, 4.0, que contenha em seu plano geral os modelos tradicionais e digitais. Assim, conseguiremos atualizar o método e ainda fazer que nossa evangelização e educação da fé alcancem mais pessoas, as quais, muitas vezes, não são contempladas pelo modo convencional.
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SPADARO, Antonio. Ciberteologia: pensar o cristianismo nos tempos da rede.
São Paulo: Paulinas, 2012.
TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital. Rio de Janeiro: Agir, 2010.
Aline Amaro da Silva*
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