REFLEXÃO
DOMINICAL II
Um
banquete preparado para todos
Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues
I.
Introdução geral
Da
imagem da vinha, presente nos últimos três domingos, a liturgia passa à imagem
do banquete, como símbolo bíblico privilegiado para expressar o projeto de
felicidade e vida plena que Deus tem para toda a humanidade. É imagem que evoca
comunhão, diálogo, intimidade, alegria, amor e abundância; enfim, é, acima de
tudo, sinal de festa. Deus nos criou para viver tudo isso, como mostra a
liturgia deste dia, especialmente a primeira leitura e o Evangelho. O texto de
Isaías anuncia um farto banquete preparado por Deus e oferecido a todos os
povos da terra. O efeito da participação nesse banquete é a vida em abundância.
A parábola do Evangelho reforça o anúncio profético e alerta para as
consequências de não levar a sério o convite para o banquete, seja dizendo não,
seja o aceitando sem comprometer-se totalmente. O testemunho de Paulo, na
segunda leitura, é exemplo de quem aceitou plenamente o convite de Deus e ainda
se tornou mensageiro desse convite, levando muitas outras pessoas à
participação no banquete do Senhor, como fez com os filipenses.
II.
Comentários dos textos bíblicos
1.
I leitura: Is 25,6-10ª
A
primeira leitura pertence a uma seção do livro de Isaías conhecida como o
“grande apocalipse de Isaías” (Is 24-27). É surpreendente a localização desses
capítulos no Primeiro Isaías (Is 1-39), uma obra pré-exílica do século VIII
a.C., uma vez que a linguagem e a mensagem se alinham mais ao Terceiro Isaías
(Is 56-66), escrito provavelmente entre os anos 537 e 510 a.C., já no contexto
do pós-exílio. Questões cronológicas à parte, o mais importante é a mensagem da
leitura e sua relação direta com o Evangelho. A imagem do banquete na Bíblia é
muito rica de significados, como já acenamos na introdução. Nesta leitura,
especialmente, recorda a fraternidade universal desejada por Deus e anuncia que
a salvação é destinada a toda a humanidade, e não apenas ao povo de Israel.
Em tom
festivo, o profeta anuncia um banquete preparado pelo Senhor, ao qual todos os
povos são convidados, sentando-se à mesma mesa para saborear ricas iguarias e
bom vinho, símbolos da abundância dos dons de Deus, como o amor, a paz e a
alegria (v. 6). O cenário do banquete é o “monte”, ou seja, a cidade de
Jerusalém, e isso significa que a morada de Deus pertence também a toda a
humanidade. Além do direito de saborear as ricas iguarias, a participação no
banquete garante o conhecimento de Deus, com a remoção do véu que encobria seu
rosto para os outros povos (v. 7). Finalmente, o maior dos dons é anunciado: a
vida em plenitude, com a eliminação definitiva da morte e suas consequências,
como a dor e a vergonha (v. 8). Não se trata da morte física natural, mas de
tudo o que impede o triunfo da vida: as injustiças, a ganância, a violência e o
pecado como um todo.
A
participação no banquete suscita um solene hino de ação de graças ao Senhor
pela salvação ofertada abundantemente a todos os povos, o que confirma seu
reinado sobre a humanidade inteira (vv. 9-10b). É a instauração de um novo
mundo, marcado pela felicidade e pela abundância de vida, correspondente ao
Reino dos céus anunciado por Jesus.
2.
II leitura: Fl 4,12-14.19-20
Neste
domingo concluímos a leitura sequenciada de textos da carta de Paulo aos
Filipenses. O trecho deste dia pertence à seção de ação de graças (vv. 10-20),
localizada na última parte da carta (Fl 4,2-23). Uma das regras adotadas por
Paulo, em sua atividade missionária, era não receber ajuda material das
comunidades por onde passava, embora reconhecesse ter direito de recebê-la
(1Cor 9,4-18; 1Ts 2,5-6). Ele vivia da própria profissão de artesão, fabricador
de tendas (At 18,3), para não se tornar um peso para as comunidades (2Cor
12,13-18) e para explicitar a gratuidade do Evangelho, ainda que tivesse
passado por sérias necessidades em algumas ocasiões. Sensível às necessidades
dos outros, ele organizou uma coleta para os pobres de Jerusalém, nas
comunidades por onde passou (1Cor 16,1-3; 2Cor 8-9), mas nunca pediu algo para
si. No entanto, houve uma exceção: aceitou a ajuda dos filipenses, o que prova
quão estreitos eram os laços que os unia. A leitura contém os agradecimentos
por essa ajuda, em forma de confissão.
Paulo
agradece aos filipenses com muito afeto, embora ainda pareça constrangido por
ter recebido a ajuda. Confessa que a vida entregue à causa do Evangelho o
ensinou a viver bem em qualquer circunstância, tanto na abundância quanto na
miséria (v. 12). Essa consciência não é fruto de capacidades pessoais, mas
consequência de quem reconhece a força de Cristo em sua vida (v. 14). De fato,
quem é fortalecido por Cristo tudo pode, mesmo quando nada tem. A partilha
generosa de dons, tanto materiais quanto espirituais, gera comunhão; por isso,
foi oportuna a ajuda dos filipenses, pois fortaleceu ainda mais os laços de
afeto que já uniam o apóstolo e a comunidade (v. 14). O gesto generoso dos filipenses
beneficiaria também a eles, pois veriam aumentar a providência de Deus (v. 19).
Longe de estimular uma teologia da retribuição, o apóstolo está ensinando que
generosidade gera generosidade. Por tudo isso, Deus Pai é glorificado (v. 20).
Paulo é
exemplo concreto de quem atendeu ao convite para participar do banquete do
Senhor. Graças ao seu testemunho, muitos cristãos ao longo da história, à
semelhança dos filipenses, também atenderam ao convite, aprendendo que a
exigência primordial é o amor generoso ao próximo como manifestação do amor a
Deus.
3.
Evangelho: Mt 22,1-14
No
Evangelho, lemos a última das três parábolas contadas por Jesus em resposta ao
questionamento dos sumos sacerdotes e anciãos do povo sobre sua autoridade de
ensinar no templo (Mt 21,23). As outras duas foram lidas nos domingos
anteriores e empregavam a imagem da vinha: a dos dois filhos (Mt 21,28-32) e a
dos vinhateiros homicidas (Mt 21,33-43). A desta liturgia emprega a imagem do
banquete: trata-se da parábola dos convidados para a festa de casamento, a qual
consta também no Evangelho de Lucas (Lc 14,14-24), com a diferença de que a
versão de Mateus contém uma cena a mais: o convidado sem o traje adequado.
Jesus já se encontra em Jerusalém, vivendo a fase mais tensa do seu ministério,
marcada pelo confronto direto com as autoridades religiosas que não o aceitam
como Messias e rechaçam sua mensagem.
A
imagem de um banquete, para a mentalidade da Bíblia, já é rica por si só,
quanto mais a de um banquete de casamento, pois recorda a Aliança entre Deus e
Israel. Sendo uma festa preparada por um rei, imagina-se a abundância de
comida, bebida e alegria. É com essa imagem que Jesus compara o Reino dos céus
(v. 2) e, ao mesmo tempo, denuncia seus interlocutores, os sacerdotes e anciãos.
O rei é Deus, obviamente. Os empregados enviados para fazer o convite são os
profetas do Antigo Testamento, os apóstolos e os discípulos de todos os tempos.
Os convidados são a humanidade inteira, começando por Israel, o povo escolhido
primeiro. A rejeição dos convidados ao convite é semelhante ao repúdio das
autoridades de Jerusalém a Jesus e seu Evangelho (vv. 3-6). A rejeição ao
convite e o desprezo aos mensageiros geram consequências muito sérias; não se
trata de castigo, mas de um alerta: fora do Reino, a vida não tem sentido. É
esse o significado do fogo, choro e ranger de dentes (vv. 7.13).
Os
últimos convidados, encontrados ao longo das estradas, representam todas as
nações da terra (vv. 9-10), o que significa que o Reino é universal; o convite
é feito a todos, sem distinção, incluindo maus e bons. A resposta de cada
pessoa é decisiva. O traje de festa é a responsabilidade e o compromisso com a
causa do Reino; é a vivência das bem-aventuranças (Mt 5,1-12), a regra de vida
dos discípulos de Jesus. Sem esse traje, é impossível permanecer na festa (vv.
11-13). Por isso, aceitar o convite e não assumir a responsabilidade implicada
nele traz consequências tão danosas quanto a rejeição ao convite, ou seja,
impede de viver a vida em plenitude, privando-a de sentido (vv. 7.13).
Jesus
encerra a parábola com uma máxima proverbial que reforça a necessidade de
comprometer-se com a causa do Reino (v. 14): não basta ser convidado, até
porque todos são, indistintamente. É preciso trajar a veste das
bem-aventuranças para participar do banquete e ser também mensageiro do
convite, com o anúncio e o testemunho.
III.
Pistas para reflexão
Destacar
a unidade entre as leituras. Enfatizar o aspecto festivo do banquete, motivando
a comunidade a viver a fé de maneira comprometida e alegre. Recordar a
gratuidade e a generosidade da relação de Paulo com os filipenses como um
estímulo para a construção de relações sinceras e generosas na comunidade. O
convite à festa dirigido a todos, sem distinção, deve motivar os cristãos a se
tornarem mais tolerantes, compreensivos e abertos, respeitando as diferenças
individuais e culturais; também deve iluminar a comunidade, tornando-a mais
acolhedora e servidora.
Pe. Francisco Cornélio
Freire Rodrigues
É
presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela
Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em
Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em
Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de
Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte
(Mossoró-RN).
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/28o-domingo-do-tempo-comum-11-de-outubro/
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