ANDREAS SOLARO | AFP
Transformar a sociedade
com a força do Evangelho sempre foi um desafio para os cristãos. Mas em que
critérios os católicos se apoiam para aplicar e fazer ter ressonância a Boa
Nova de Jesus Cristo nas questões sociais?
A expressão “doutrina social da Igreja”
designa o conjunto de orientações da Igreja Católica para os temas sociais. Ela
reúne os pronunciamentos do magistério católico sobre tudo que implica a
presença do homem na sociedade e no contexto internacional. Trata-se de uma
reflexão feita à luz da fé e da tradição eclesial.
A função da doutrina social é o anúncio
de uma visão global do homem e da humanidade e a denúncia do pecado de
injustiça e de violência que de vários modos atravessa a sociedade.
Sendo assim, não é uma ideologia, nem se
confunde com as várias doutrinas políticas construídas pelo homem. Ela poderá
encontrar pontos de concordância com as diversas ideologias e doutrinas
políticas quando estas buscam a verdade e a construção do bem comum, mas irá
denunciá-las sempre que se afastarem destes ideais.
A doutrina social da Igreja “situa-se no
cruzamento da vida e da consciência cristã com as situações do mundo e
exprime-se nos esforços que indivíduos, famílias, agentes culturais e sociais,
políticos e homens de Estado realizam para lhe dar forma e aplicação na
história” (João Paulo II, Carta encicl. Centesimus annus, 59).
Ela busca o desenvolvimento humano
integral, que é “o desenvolvimento do homem todo e de todos os homens” (Paulo
VI, Carta encicl. Populorum Progressio, 42; Bento XVI, Carta encicl. Caritas in
veritate, 8).
Ao anunciar o Evangelho à sociedade em
seu ordenamento político, econômico, jurídico e cultural, a Igreja quer
atualizar no curso da história a mensagem de Jesus Cristo. Ela busca colaborar
na construção do bem comum, iluminando as relações sociais com a luz do
Evangelho.
A expressão “doutrina social” remonta a
Pio XI (Carta encicl. Quadragesimo anno, 1931). Designa o corpus doutrinal
referente à sociedade desenvolvido na Igreja a partir da encíclica Rerum
novarum (1891), de Leão XIII. Em 2004, foi publicado o Compêndio de Doutrina
Social da Igreja, organizado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, que
apresenta de forma sistemática o conteúdo da doutrina social da Igreja
produzido até aquela ocasião. A partir daí, este se tornou o documento de
referência obrigatório para quem deseja aprofundar-se neste campo.
Considerado o primeiro grande documento
da doutrina social da Igreja, a Rerum novarum aborda a questão operária no fim
do século XIX. Leão XIII denuncia a penosa situação dos trabalhadores das
fábricas, afligidos pela miséria, num contexto profundamente transformado pela
revolução industrial. Depois da Rerum novarum, apareceram diversas encíclicas e
mensagens referentes aos problemas sociais.
Com sua doutrina social, a Igreja não
quer impor-se à sociedade, mas sim fornecer critérios de discernimento para a
orientação e formação das consciências. Nesta perspectiva, a doutrina social
cumpre uma função de anúncio de uma visão global do homem e da humanidade, e
também de denúncia do pecado de injustiça e de violência que de vários modos
atravessa a sociedade (Compêndio da Doutrina Social da Igreja – CDSI –, 81).
Não entra em aspectos técnicos nem se apresenta como uma terceira via para
substituir sistemas políticos ou econômicos.
Seu propósito é religioso, sendo matéria
do campo da teologia moral. Sua finalidade é interpretar as realidades da
existência do homem, examinando a sua conformidade com as linhas do ensinamento
do Evangelho. É uma doutrina dirigida em especial a cada cristão que assume
responsabilidades sociais, para que atue com justiça e caridade. Ou seja, visa
a orientar o comportamento cristão.
Por isso, a doutrina social implica
“responsabilidades referentes à construção, à organização e ao funcionamento da
sociedade: obrigações políticas, econômicas, administrativas, vale dizer, de
natureza secular, que pertencem aos fiéis leigos, não aos sacerdotes e aos
religiosos” (CDSI, 83).
Os direitos humanos, o bem comum, a vida
social, o desenvolvimento, a justiça, a família, o trabalho, a economia, a
política, a comunidade internacional, o meio ambiente, a paz. Todos esses são
campos sobre os quais a Igreja dirige a sua reflexão no contexto da doutrina
social.
Todo homem é um ser aberto à relação com
os outros na sociedade. Para assegurar o seu bem pessoal e familiar, cada
pessoa é chamada a realizar-se plenamente, promovendo o desenvolvimento e o bem
da própria sociedade. Assim, a pessoa é o centro do ensinamento social
católico.
Qualquer conteúdo da doutrina social encontra seu fundamento na dignidade da pessoa humana. Outros princípios básicos do ensinamento social são: o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade.
1 Dignidade da pessoa
humana
A Igreja não pensa em primeiro lugar no Estado, no partido ou no grupo étnico. Pensa na pessoa como ser único e irrepetível, criado à imagem de Deus. Uma sociedade só será justa se souber respeitar a dignidade de cada pessoa. Portanto, a ordem social e o progresso devem ordenar-se segundo o bem das pessoas, pois a organização das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não o contrário (Gaudium et spes, 26).
O respeito à dignidade humana passa
necessariamente por considerar o próximo como outro eu, sem excetuar ninguém. A
vida do outro deve ser levada em consideração, assim como os meios necessários
para mantê-la dignamente. Assim, o conteúdo da doutrina social é universal,
pois considera a dignidade de cada pessoa como inalienável, única e necessária
para construir o bem de todos.
2 Bem comum
O bem comum é o “conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (GS, 26). Não se trata de simples soma dos bens particulares de cada sujeito. É um bem indivisível, porque somente juntos se pode alcançá-lo, aumenta-lo e conservá-lo (CDSI, 164).
Para se colocar autenticamente ao serviço
do ser humano, a sociedade deve colocar como meta o bem comum, enquanto bem de
todos os homens e do homem todo (CIC, 1912).
O bem comum refere-se, por exemplo, a
serviços essenciais ao ser humano: acesso a alimentação, habitação, trabalho,
educação, cultura, transporte, saúde, informação, liberdade. Implica também o
empenho pela paz, a organização dos poderes do Estado, um sólido ordenamento
jurídico, a proteção do meio ambiente.
3 Subsidiariedade
O princípio da subsidiariedade indica que, na sociedade, as instituições e organismos de ordem superior devem se colocar em atitude de ajuda (‘subsidium’) – e, portanto, de apoio, promoção e incremento – em relação às menores (CDSI, 186). Por nível superior se entende aquelas que são mais gerais (por exemplo, o governo federal em relação aos governos regionais e estes em relação aos municipais) e os organismos estatais em relação às organizações não-governamentais. É importante notar que o princípio da subsidiariedade inverte a lógica dos governos muito centralizadores e assistencialistas. Para estes governos, o Estado deve organizar e controlar os serviços sociais e as organizações não governamentais apenas o ajudam nesta tarefa. Pelo princípio da subsidiariedade, as pessoas, ao se organizarem, devem procurar, a partir de sua história, de seus valores e princípios, as melhores soluções para seus problemas e o Estado deve ajuda-las a viabilizar estas soluções na busca do bem comum.
O objetivo fundamental deste princípio é
garantir o protagonismo da pessoa na sua vida pessoal e social. Ele protege as
pessoas dos abusos das instâncias sociais superiores – por exemplo, do Estado –
e solicita que as instâncias superiores ajudem os indivíduos e grupos
intermediários a desempenhar suas próprias funções (CDSI, 187).
A subsidiariedade não prega formas de
centralização, de burocratização, de assistencialismo, de presença
injustificada e excessiva do Estado e do aparato público, pois considera que
tirar a responsabilidade da sociedade provoca a perda de energias humanas e o
aumento exagerado do setor estatal.
De forma positiva, indica a necessidade
de se dar suporte às pessoas, famílias, associações, iniciativas privadas,
promovendo “uma adequada responsabilização do cidadão no seu ‘ser parte’ ativa
da realidade política e social do País” (CDSI 187).
4 Solidariedade
A solidariedade não é um simples sentimento de compaixão pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. É a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem de todos e de cada um, porque “todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos” (Sollicitudo rei socialis, 38).
A solidariedade se apresenta sob dois
aspectos complementares: o de princípio social – ordenador das instituições – e
o de virtude moral – responsabilidade pessoal com o próximo (CDSI, 193).
A solidariedade se manifesta antes de
tudo na distribuição dos bens e na remuneração do trabalho. O ensinamento
social católico defende que os problemas socioeconômicos “só podem ser
resolvidos com o auxílio da solidariedade: solidariedade dos pobres entre si,
dos ricos e dos pobres, dos trabalhadores entre si, dos empregadores e dos
empregados na empresa, solidariedade entra as nações e entre os povos” (CIC,
1940).
5 A integração entre
subsidiariedade e solidariedade
Na aplicação da doutrina social da Igreja, os princípios da subsidiariedade e solidariedade sempre devem ser vistos e aplicados em conjunto, pois “o princípio de subsidiariedade há-de ser mantido estritamente ligado com o princípio de solidariedade e vice-versa, porque, se a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado” (Bento XVI, Carta encicl. Caritas in veritate, 58).
(CONTINUA NO PRÓXIMO DOMINGO)
Fonte:
https://pt.aleteia.org/2020/06/28/o-que-e-a-doutrina-social-da-igreja/
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