ANDREAS SOLARO | AFP
O ensinamento social católico tem o valor
de um instrumento de evangelização. Anuncia e atualiza a mensagem de Jesus Cristo
em campos fundamentais da vida do homem. Grandes temas da doutrina social são: a
família, o trabalho, a vida econômica, a política, a comunidade internacional, a
proteção do meio ambiente e a promoção da paz.
1 Família
A Igreja considera a família “como a primeira sociedade natural, titular de direitos próprios e originários, e a põe no centro da vida social”. Ela é “a célula primeira e vital da sociedade”, fundamento da vida das pessoas e base de todo ordenamento social (CDSI, 211).
A família tem o seu fundamento na livre vontade
dos cônjuges de se unirem em matrimônio. Ela é um ambiente de vida, de doação recíproca
do homem e da mulher, e de bem para as crianças. É comunidade natural na qual se
experimenta a sociabilidade humana. Contribui “de modo único e insubstituível para
o bem da sociedade” (CDSI, 213).
2 Trabalho
O trabalho humano tem uma dupla dimensão. Em sentido objetivo, é “o conjunto de atividades, recursos, instrumentos e técnicas de que o homem se serve para produzir”. Em sentido subjetivo, é “o agir do homem enquanto ser dinâmico, capaz de realizar as várias ações que pertencem ao processo do trabalho e que correspondem à sua vocação pessoal” (CDSI, 270).
O trabalho é um dever do homem. Mas nunca
deve ser considerado simples mercadoria ou elemento impessoal da organização produtiva.
O trabalho é expressão essencial da pessoa, sendo a própria pessoa o parâmetro da
dignidade do trabalho (CDSI, 271).
3 Economia
O objeto da economia “é a formação da riqueza e o seu incremento progressivo, em termos não apenas quantitativos, mas qualitativos”. Tudo isso “é moralmente correto se orientado para o desenvolvimento global e solidário do homem e da sociedade em que ele vive e atua” (CDSI, 334).
O ensinamento social católico considera a
liberdade da pessoa no campo econômico como um valor fundamental, reconhece a justa
função do lucro, harmonizada com a capacidade da empresa de servir à sociedade.
Defende o livre mercado, prega que o Estado assuma o princípio da subsidiariedade,
valoriza a co-presença de ação pública e privada, defende a obtenção de um desenvolvimento
integral e solidário para a humanidade.
4 Política
A comunidade política é “a unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo”. Seu dever é perseguir o bem comum, atuando em vista de um ambiente humano em que seja oferecida aos cidadãos “a possibilidade de um real exercício dos direitos humanos e de um pleno cumprimento dos respectivos deveres” (CDSI, 385, 389).
O ensinamento social católico reconhece o
valor do sistema da democracia e a validade do princípio da divisão dos poderes
em um Estado. Afirma que a comunidade política é constituída para estar ao serviço
da sociedade civil. Igreja e comunidade política são de natureza diversa, quer pela
configuração, quer pela finalidade que buscam (CDSI, 424).
5 Comunidade internacional
A convivência entre as nações “funda-se nos mesmos valores que devem orientar a convivência entre os seres humanos: a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade”. Essa convivência tem o direito como instrumento de garantia de sua ordem (CDSI 433, 434). A política internacional deve ser voltada para o objetivo da paz, do desenvolvimento e da luta contra a pobreza, mediante a adoção de medidas coordenadas.
O Magistério da Igreja defende a instituição
de uma “autoridade pública universal, reconhecida por todos, que goze de poder eficiente,
a fim de que sejam salvaguardadas a segurança, a observância da justiça e a garantia
dos direitos” (CDSI, 441).
6 Meio ambiente
A Igreja Católica afirma que cuidar do meio ambiente é um desafio para toda a humanidade. Trata-se de um dever, comum e universal, de respeitar um bem que é coletivo e destinado a todos (CDSI, 466).
Perante os graves problemas ecológicos, o
ensinamento católico defende uma mudança de mentalidade, que induza a adotar novos
estilos de vida. Tais estilos devem ser inspirados na sobriedade, na temperança,
na autodisciplina, no plano pessoal e social.
7 Paz
A paz é um valor e um dever universal. Ela é fruto da justiça, entendida em sentido amplo como o respeito ao equilíbrio de todas as dimensões da pessoa humana. A paz é também fruto do amor, é ato próprio e específico da caridade (CDSI, 494). A Igreja considera como parte integrante de sua missão a promoção da paz no mundo. Também convoca cada cidadão a essa tarefa.
Para a doutrina social da Igreja, o objetivo
último de toda ação social é o desenvolvimento humano integral, ou seja, permitir
que o desenvolvimento de todas as dimensões da pessoa (material, afetivo, social,
espiritual) chegue igualmente a todos na sociedade.
Em 1967, o Papa Paulo VI publicou sua encíclica
Populorum progressio, na qual apresentava o conceito de desenvolvimento humano integral.
Com isto, criticava a ideia de que o progresso das nações podia ser medido apenas
por seu crescimento econômico ou mesmo apenas pelo aumento do poder aquisitivo da
população.
Assim Paulo VI se antecipava a reflexões
críticas que se tornaram comuns nas décadas seguintes, através de ideias como a
de desenvolvimento sustentável, difundida a partir de um documento de 1980 da União
Internacional para a Conservação da Natureza, ou de índices de desenvolvimento humano
e desenvolvimento como aumento das oportunidades sociais, da década de 1990. Em
2009, o Papa Bento XVI retomou o conceito, utilizando-o como base para a redação
de sua encíclica Caritas in veritate.
O desenvolvimento humano integral implica
que as possibilidades criadas pelo crescimento e desenvolvimento econômico das nações
estejam igualmente ao alcance de todas as pessoas. Além disso, considera que o desenvolvimento
não pode ser apenas material, mas deve incluir todas as dimensões da pessoa. Quem,
por exemplo, aumentou muito seu poder aquisitivo, mas se fechou numa posição individualista
e não colabora na construção do bem comum, ou não cresceu intelectualmente ou na
vida espiritual, não se desenvolveu integralmente.
Num mundo cada vez mais rico, mas que permanece
com suas desigualdades globais e sofre com a desumanização das relações sociais
e do estilo de vida das populações com mais recursos, o conceito de desenvolvimento
humano integral revela-se um instrumento para o diálogo com todas as tendências
de pensamento social e político e para a denúncia da crise de sentido e das injustiças
que afetam as sociedades.
Os papas e a Igreja têm trabalhado sem cessar
para iluminar o vasto campo da vida social e oferecer, à luz do Evangelho, diretrizes
para iluminar o caminho de um autêntico desenvolvimento do homem.
Apesar de ter marcado seu desenvolvimento
de forma mais estruturada a partir do final do século XIX, a doutrina social é resultado
da experiência ancestral e pastoral eclesial. “A Igreja jamais deixou de se interessar
pela sociedade; não obstante, a encíclica Rerum novarum dá início a um novo caminho”
(CDSI, 87).
Etapas do ensinamento social
católico:
– De 1891 até hoje, a doutrina social da
Igreja foi um ensinamento constante por parte de todos os papas.
– Leão XIII (1878-1903), na Rerum Novarum
(1891), denunciou as condições miseráveis em que vivia a classe operária, protagonista
da revolução industrial.
– Pio XI (1922-1939), na Quadragesimo Anno
(1931), amplia a doutrina social cristã. Aborda o difícil tema do totalitarismo,
encarnado nos regimes fascista, comunista, socialista e nazista.
– Pio XII (1939-1958), papa durante a guerra
e o pós-guerra, focaliza a atenção nos “sinais dos tempos”. Ainda que não tenha
publicado uma encíclica social, em seus numerosos discursos há uma imensa variedade
de ensinamentos políticos, jurídicos, sociais e econômicos.
– João XXIII (1958-1963), na Mater et Magistra
(1961) e na Pacen in Terris (1963), abre a doutrina social “a todos os homens de
boa vontade” e, assim, a questão social se torna um tema universal que afeta e é
responsabilidade de todos os homens e povos.
– Com a Constituição pastoral Gaudium et
spes (1965), o Concílio Vaticano II sublinha o rosto de uma Igreja realmente solidária
com o gênero humano e sua história. Já na declaração Dignitatis humanae (1965),
o Concílio enfatiza o direito à liberdade religiosa.
– Paulo VI (1963-1978), na Populorum Progressio
(1967) e na Octogesima adveniens (1971), afirma que o desenvolvimento “é o novo
nome da paz” entre os povos. Ele cria o Pontifício Conselho “Justiça e Paz”.
– João Paulo II (1978-2005) compromete-se
na difusão do ensinamento social em todos os continentes. Escreve três encíclicas
sociais: Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis (1987) e Centesimus Annum
(1991). Além disso, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2004) leva a sua assinatura
apostólica.
– Bento XVI (2005), em sua encíclica social
Caritas in veritate (2009), defende o desenvolvimento integral da pessoa pautado
caridade e na verdade.
Referências
A Aleteia agradece pela colaboração e revisão deste artigo ao prof. Dr. Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Fonte: https://pt.aleteia.org/2020/06/28/o-que-e-a-doutrina-social-da-igreja/
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