CHEIOS DE ALEGRIA POR VER O SENHOR
(*) Marcus Mareano
INTRODUÇÃO GERAL
Imaginemos como os
discípulos se encontravam após a morte do mestre Jesus! Eles tinham aprendido
de Jesus, convivido, testemunhado muitas coisas e, de repente, tudo parecia
terminar com uma morte de cruz: expectativas, sonhos, projetos etc. Entretanto,
a morte é vencida e Jesus surpreende seus amigos em uma visita inusitada.
Os “ecos” da celebração da
Vigília Pascal continuam. A proclamação da ressurreição acontece neste domingo
com a cena do encontro de Jesus com os discípulos, quando estavam reunidos com
portas fechadas por medo dos judeus. Faz-nos pensar nos tantos fechamentos
internos que possuímos, nos medos obscuros que nos atormentam e nas ameaças que
imaginamos. A visita do Senhor transforma os receios em alegria indescritível.
Se já não podemos tocar o
Senhor na materialidade, como os discípulos foram convidados a fazer, podemos
tocá-lo na experiência de fé por meio da liturgia. A oração ultrapassa o espaço
e o tempo e, assim, participamos do mistério que ouvimos na Palavra de Deus.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 4,32-35)
A primeira leitura traz o
segundo dos três relatos (2,42-47; 5,12-16) do ideal da vida cristã no
princípio da nossa era, o qual ainda serve de parâmetro para nós, na
atualidade. Esses textos apresentam-se como “sumários”, na narrativa de Atos
dos Apóstolos, para demonstrar o crescimento e a identidade dos cristãos, os
quais, naquele período, eram um grupo minoritário no Império Romano.
A assiduidade no
ensinamento apostólico, a comunhão fraterna, a partilha do pão e a oração em
comum caracterizavam a quem seguia Jesus Cristo. A vivência da fé em Cristo
provocava nova maneira de viver, diferente da dos grupos religiosos já
existentes. A mensagem de Jesus atraía mais pelo entusiasmo com o qual era
vivida do que por força da oratória e da argumentação. Por esse testemunho, o
número dos que se convertiam aumentava e era destaque no relato de Lucas (At 2,47;
4,4; 5,14; 6,1.7; 9,31; 11,21.24; 12,24; 13,48-49; 16,5; 19,20).
Da mesma forma, séculos
depois, o sonho da fraternidade universal e da partilha de bens devem
permanecer como distintivo cristão na sociedade. Enfrentamos outros desafios e
vivemos em outro contexto, diferentes dos do século I, porém essa leitura
ensina como viver melhor a relação com as pessoas e com as coisas. Trata-se de
ensinamento cristão que pode ultrapassar os âmbitos da confissão de fé e chegar
a pessoas de outras religiões, para um ideal de vida comum no nosso planeta tão
ameaçado.
2. II leitura (1Jo 5,1-6)
Neste e nos próximos
domingos, acompanharemos, na segunda leitura, trechos da primeira carta de
João, um escrito do Novo Testamento com poucas características de uma carta e mais
parecido com uma meditação, destinada aos cristãos que se sentiam inseguros na
relação de comunhão com Deus.
Os primeiros destinatários
desse texto enfrentavam desafios para professarem a fé em Jesus e para viverem
o amor fraterno. A comunidade cristã é chamada a “vencer”, por meio da fé, o
mundo (representação das adversidades). A vitória se realiza no amor a Deus e
ao próximo.
Quem acredita que Jesus é
o Filho gerado por Deus deve amar aqueles que foram gerados por ele (irmãos). O
amor a Deus se torna visível no amor ao próximo (cf. 4,21; Mt 22,37-40; Jo
14,15.21; 15,17). E o critério concreto de que amamos os filhos de Deus é que,
procurando amar a Deus, observamos seus preceitos, pois Deus deu orientações
precisas para amar os outros em correspondência a seu amor por nós. Assim como
o Senhor nos ama, nós devemos amar.
A carta ainda recorda em
que consiste o amor: “guardar os mandamentos” (v. 3), os quais, como disse
Moisés a respeito dos preceitos da Antiga Aliança, “não são difíceis” (Dt
30,11). Por essa razão, quem foi gerado por Deus já venceu o mundo, e a vitória
é a fé em Deus.
O texto da leitura se
encerra de forma semelhante a como se iniciou: “Quem é que vence o mundo senão
o que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (v. 5). Os versículos 1 e 5 formam uma
“moldura” da passagem e expressam os dois termos da fé que João quis reforçar
com seu Evangelho: fé em Jesus como “Messias” e “Filho de Deus” (Jo 20,31).
3. Evangelho (Jo 20,19-31)
No Evangelho deste
domingo, lemos um dos tantos relatos das chamadas “aparições” do Ressuscitado à
comunidade. O v. 19 descreve um pouco o estado do grupo de Jesus: eles estavam
reunidos com portas fechadas por medo dos judeus – situação aguardada e comum
para um grupo cujo líder foi crucificado.
Jesus vai aos discípulos e
se coloca no meio deles, desejando-lhes a paz e apresentando suas mãos e seu
lado como sinal de acolhida e prova de sua identidade. Aquele que fora
abandonado regressa para aqueles que o abandonaram. Ele, que caminhou com os
discípulos por tantas estradas, encontra-os fechados e quietos naquela sala.
Os discípulos se enchem de
alegria por verem o Senhor (v. 20). A situação conflituosa e perturbadora é
convertida em profunda alegria, entusiasmo, ânimo e coragem. O inverso daquilo
que os discípulos sentiam, antes desse encontro com o Ressuscitado. A
experiência da ressurreição de Jesus é transformadora, empolgante e arranca o
ser humano da própria angústia, abrindo-o à felicidade plena e ao sentido da
vida.
Ainda falando, Jesus
acrescenta: “Como o Pai me enviou, também vos envio” (v. 21). Os discípulos têm
a tarefa de anunciar e testemunhar aquela experiência de paz que lhes converteu
o coração. Doravante, a intrepidez, a ousadia e o destemor devem caracterizar a
nova postura de vida e a proclamação da ressurreição de Jesus, que apresenta
também suas chagas glorificadas como sua identificação e registro de sua
entrega amorosa a Deus e à humanidade. Tamanha graça aquela que os discípulos
tinham, que não podiam retê-la para si mesmos. Eles são enviados para transmiti-la,
a fim de também converterem os medos e as mortes em destemor e vida nova.
Para isso, os discípulos
recebem o Espírito Santo, continuando a missão de Jesus Cristo, proclamando e
realizando o que foi sua missão: o perdão dos pecados (v. 23). Testemunhar o
Ressuscitado significa viver impelido pelo Espírito de Deus, que foi soprado
sobre todos, dando-nos vida nova, plena e em comunhão definitiva com Deus.
A segunda parte do
Evangelho deste dia apresenta a experiência de Tomé (v. 24-28), representação
de quem quer acreditar na ressurreição de Jesus. Ele não estava com o grupo por
ocasião do encontro entre Jesus e os outros discípulos (v. 24), apenas ouve o
testemunho deles: “Nós vimos o Senhor” (v. 25). Tomé anseia pelo mesmo encontro
e, além disso, quer colocar os dedos nas marcas do prego e a mão no lado aberto
– demanda de quem escuta uma notícia a respeito de um evento imprevisível.
João narra novamente um
encontro de Jesus com seus discípulos no primeiro dia da semana, desta vez com
a presença de Tomé (v. 19.26). O desejo de paz de Jesus para seu grupo continua
(v. 26). Em seguida, ele convida Tomé a pôr o dedo na ferida e estender a mão
para colocá-la no seu lado. Um convite à experiência de fé e à aproximação do
mistério da ressurreição.
A reação de Tomé foi de
reverência e reconhecimento daquele diante do qual ele estava. Não era um
fantasma ou um desvario dos outros discípulos. Era Jesus crucificado,
ressuscitado por Deus, trazendo as marcas da paixão e a glória da ressurreição.
Uma situação não se dissocia da outra: o crucificado-glorificado é o
Ressuscitado com suas chagas.
O trecho do Evangelho se
conclui com a menção de que Jesus realizou muitos sinais além dos relatados e
conhecidos por nós. Ele continua a agir em nossa história humana. O que lemos e
ouvimos sobre o Senhor é um apelo à fé, para que tenhamos vida no nome dele.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Essas leituras nos
impulsionam à relação com o Ressuscitado. Aquele que pode transformar nossos
sentimentos diversos em paz e alegria para testemunhá-lo. Para isso, ele sopra
sobre nós seu Espírito, para vivermos o perdão dos pecados.
Outras “chagas” se
apresentam diante de nós no mundo contemporâneo. Os pobres, doentes e excluídos
de nosso mundo representam novos rostos com os quais podemos praticar a
experiência de Tomé. Tocar essas feridas de hoje implica ser presença
solidária, acompanhar, contribuir, apoiar, alimentar uma sintonia e comunhão
com aqueles que clamam por justiça e por uma presença consoladora, carregada de
ternura e compaixão.
A experiência de encontro
com o Senhor ressuscitado não é delírio dos primeiros discípulos ou ideia
infundada da comunidade primitiva. A mudança de vida confirma o que o Espírito
Santo gera naqueles que se dispõem a ele. Assim, que nossas liturgias nos ajudem
a viver o compromisso do perdão e do amor, a exemplo de Jesus.
(*)Marcus Mareano
é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. Professor de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: marcusmareano@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/2o-domingo-da-pascoa-11-de-abril/
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