sábado, 25 de junho de 2022

O PARADOXO DE MOORE

"A IMPORTÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E O DIREITO À CONTRADIÇÃO: O PARADOXO DE MOORE"

Por Lindolivo Soares Moura (*)

         "Eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo" (Raul Seixas).

Diz o célebre ditado que "um exemplo vale mais que mil palavras, e mil palavras menos que um exemplo". Se você pensou em recorrer ao dicionário, mais preocupado em buscar o significado do termo "paradoxo" do que saber quem foi Moore, o criador do paradoxo em questão, proponho como exemplo o assim chamado "paradoxo primordial", de Benjamim Disraeli. Diz ele: "todas as mulheres devem casar-se, nenhum homem". À parte o conteúdo, e nos atendo apenas à forma, o que aqui de pronto se nota é uma espécie de flagrante contradição, já que a segunda proposição faz com que a primeira se torne irremediavelmente impossível de ser realizada. Uma espécie de incompatibilidade ou assimetria, diríamos nós, e é a isso que denominamos "paradoxo". Do paradoxo primordial, entretanto, trataremos em outra oportunidade; para o momento, interessa-nos focar aqui um outro, quiçá ainda mais importante, proposto pelo filósofo britânico George Edward Moore, de quem recebe seu nome: Paradoxo de Moore.

Moore trouxe à consideração das mentes pensantes em geral, e dos filósofos em particular, a seguinte afirmação: "sei que isso é verdade, mas não acredito nisso". À primeira vista uma afirmação sem o mínimo sentido, e menos ainda utilidade. Não obstante o afirmado, se observarmos bem veremos que o cotidiano de nossa existência nos brinda com um razoável número de frases análogas àquela proferida por "Moore": "fechei a prova, justo a de matemática, confesso que não estou nem acreditando"; "minhas férias  chegaram, mas ainda não consigo acreditar"; "meu irmão morreu recentemente num acidente de carro, mas para mim é como se isso não tivesse acontecido", "estou desempregado desde ontem, mas ainda não consigo crer no que me aconteceu ", e por aí vão os exemplos. Moore e seu Paradoxo parecem estar presentes em nossas vidas bem mais do que possa parecer.

Quando se pretende, entretanto, obter algum ganho, vantagem ou proveito, ao se fazer uso intencional e consciente de afirmações espelhadas no Paradoxo de Moore, é preciso ter cuidado. Não faz sentido algum você dizer, por exemplo: " essas pedras nos meus rins estão me matando, mas não estou sentindo nada". Ora, seu sofrimento decorre justamente do que está sentindo, e negar o fato não vai com certeza alterar sua dor, e menos ainda fazer com que o fato em questão deixe de existir. Mas observe que você poderá dizer por exemplo: "sei que tenho pedras nos rins, mas não sofro com elas", e isso, creia, pode fazer uma grande diferença. Por quê? Porque dor e sofrimento não são a mesma coisa. A primeira, a dor, ocorre no corpo, já o segundo, o sofrimento, na mente, ou na "alma" como diriam os antigos. "A dor é inevitável, o sofrimento é opcional", adverte certo(a) autor(a) anônimo(a). Ou seja, a quantidade de dor que sentimos não determina inexoravelmente a quantidade de sofrimento que teremos que suportar. Essa relação de causa e efeito está diretamente relacionada ao modo como nossa mente linda com o fato. Ao mudar não o fato, mas a perspectiva que dele se tem, além de poder tornar-se uma pessoa menos vulnerável, mais resiliente e mais capaz de lidar com a dor específica e o sofrimento em geral, você poderá também tirar lições importantes da adversidade e da dor que experimenta. Dentre outras, cuidar melhor de sua saúde, alimentar-se melhor, fazer boas caminhadas e assim por diante. E tudo isso, claro, não é sofrer.

Muitas são provavelmente -  quase todas, talvez - as situações em que podemos obter algum tipo de ganho ou proveito com pensamentos e frases semelhantes àquela proferida por Moore. Acabou de perder seu emprego, foi despedido? Pouco ou nada adiantará lamentar-se ou, o que seria ainda pior, fazer-se de vítima. Quanto mais curto for o luto, tanto melhor para o surgimento de uma possível solução. O que não significa, claro, que você não deva senti-lo ou experimentá-lo. Como poderá elaborar sua perda e seu luto se assim não o fizer, isto é, se não experimentá-los e vivenciá-los? Mas enquanto passa por eles e os elabora, você pode colocar sua mente para trabalhar a seu favor, alimentando-a com pensamentos do tipo: "sei que acabei de perder o emprego, mas não me permitirei sofrer com isso", "sei que não está sendo fácil, mas nada me impedirá de perceber o lado bom de tudo isso". A adversidade, vista sob o prisma do Paradigma de Moore, poderá ajudá-lo a ver e perceber a situação por ângulos diferentes que não aquele do sofrimento e da dor. No caso citado, o do desemprego, você poderá ver e perceber a oportunidade de buscar uma outra atividade na qual você se realize mais, se sinta melhor, que seja mais compatível com seus talentos e qualidades, e quem sabe ao final das contas até ganhando mais, do ponto de vista financeiro. E tudo isso, claro, também não é sofrer.

O paradoxo de Moore está, em verdade, ancorado em muitos outros princípios e pensamentos que, mesmo sem estarem estruturados em forma de paradoxo, são instrumentos poderosos para o aumento da autoestima e da qualidade de vida. Se Moore teve consciência disso ou não, ao conceber o Paradigma que leva seu nome, isso não faz muita diferença. O que realmente importa é o fato de que tais máximas e pensamentos são muitos deles importantes canalisadores de energia e motivação para a autoestima e a qualidade de vida, como já o dissemos. O escravo liberto, Epiteto, por exemplo -  posteriormente mestre do Imperador Marco Aurélio -  ensinava que não são as coisas que nos causam bem ou mal, realização ou sofrimento, e sim a visão que delas temos, lição muito parecida àquela que nos foi deixada pelo poeta e dramaturgo William Shakespeare: "as coisas em si mesmas - diz ele - não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna deste ou daquele jeito".

É certo que não podemos mudar os fatos, sobretudo aqueles que ficaram no passado. "O passado é irrevogável - notava René Descartes - e nem mesmo Deus pode fazer com que o que já foi feito não o tenha sido". Mas podemos sim, e mais que isso, "devemos", rematrizá-lo quando possível ou ressignificá-lo quando não. A mente é o melhor e mais eficaz instrumento que temos para isso. "Não temas a vida - é o que nos propõe William James - acredita que vale a pena vivê-la, e tua crença ajudará a criar o fato". Máximas e pensamentos realmente poderosos.

Não apenas a Filosofia, mas também a Psicologia está ancorada em certas máximas ou princípios, que mesmo nem sempre sendo paradoxais, como é o caso de Moore, podem ser considerados verdadeiras colunas para a construção do ser e do agir humanos. Uma dessas máximas, que deveria ser tida como de grande apreço pelos pais, avós e educadores, pode ser expressa da seguinte forma: "a profecia do acontecimento tende a favorecer o acontecimento da profecia". Um pensamento poderoso, sem dúvida, desde que não nos esqueçamos que o mesmo vale tanto para o bem como para o mal. Se um pai, uma mãe ou um cuidador, repetem com frequência para um filho ou uma criança que ele ou ela é muito inteligente e capaz, e que certamente será na vida um grande vencedor ou vencedora, essa espécie de profecia certamente muito contribuirá para que o conteúdo que ela porta consigo se realize. Mas igualmente, se o que a criança ou o filho ouvem constantemente de seus cuidadores, pais e avós, é algo do tipo: "seu estúpido, continui assim e você será certamente mais um dentre os tantos fracassados que perambulam pela vida afora", essa espécie de "mal presságio" poderá vir a ser determinante para que a profecia nele embutida se transforme em realidade. Toda palavra traz consigo um poder imenso, imensurável como já o alertava Lacan em seu Seminário "o poder mágico das palavras". Mas esse poder, é preciso que se diga e se reconheça, pode ser tanto criador quanto destruidor, e tal qual a flecha disparada e a oportunidade perdida, a palavra proferida não retorna jamais.

Voltando ao Paradoxo de Moore, o curioso é que ele parece desafiar a afirmação clássica de que "contra fatos não há argumentos". O Direito, por exemplo, cujo foco se fixa não apenas na acusação, mas também na necessária defesa com direito ao mais amplo contraditório - alicerce fundamental da dialética jurídica, como aponta Vinícius Bittencourt - por certo tem no Paradoxo de Moore um grande aliado. Como se juntos, criação e criatura pudessem asseverar: "por mais evidente que um fato seja, ele sempre será suscetível de  contestação e interpretação". "Sei que meu cliente é culpado - proclamaria então o advogado de defesa, enquanto  relembraria a todos o Paradoxo de Moore - mas se eu fosse vocês, não acreditaria tanto nisso". O resto ficaria por conta da retórica,  da eloquência e da capacidade de convencimento e persuasão. O certo é que, com seu famoso Paradoxo, Moore nos deu um precioso instrumento para lidarmos de forma vantajosa e proveitosa - no bom sentido dos termos, claro - com os mais diversos fatos e as mais diferentes situações.

À guisa de conclusão: "a razão não admite paradoxos - advertiria com certeza Kant, diante do Paradoxo de Moore - a razão não permite contradições". A razão não, diríamos nós, mas a o desejo, a emoção, e sobretudo o amor sim. Felizmente o ser humano não é só razão, e nem somente por ela é guiado: possui desejo, possui querer e possui vontade. Aliás, no ser humano a razão não só não é única como sequer é o essencial: o desejo e o amor sim, se não "tomam", certamente "ocupam" aqui o seu lugar.

O Paradoxo de Moore, assim como tantos outros,  pode não ser lá tão lógico ou tão consistente aos olhos da razão. Mas, como adverte Saint-Exupéry, "o mais importante é invisível aos olhos" - tanto aos do corpo quanto aos da razão, acrescentaríamos nós -  mas não aos do coração. "O coração tem razões que a própria razão desconhece", não foi o que disse Pascal? Que seja portanto um paradoxo, que seja até mesmo uma contradição: o que importa, afinal, é que o caminho nos conduza, iluminados, ao ser que queremos ser, e ao destino onde pretendemos chegar. Que fale o paradoxo, que grite a contradição, e que se cale por um momento a chamada voz da razão.

P.S.: a presente reflexão é uma homenagem às minhas duas filhas, Juliana e Rayane, mentes brilhantes, ambas formadas em Direito, e a todos os personagens e figuras jurídicos Brasil e mundo afora. "O Direito não é só razão - afirma Miguel Reale, pai - o Direito é e será sempre um misto de ciência e arte".

(*) Possui graduação em teologia pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.

https://www.escavador.com/sobre/3708588/lindolivo-soares-moura

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