ix- REFLEXÃO DOMINICAL II
31 de agosto – 22°
DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por Gisele Canário*
Humildade, sabedoria e o convite ao Reino do Deus da vida
I.
INTRODUÇÃO GERAL
As leituras de hoje nos convidam a refletir sobre a humildade
como chave para compreender e viver o Reino de Deus. Em um mundo que valoriza
o status e o
poder, a mensagem proposta pelas leituras deste domingo nos provoca a uma
inversão radical: grandeza é serviço, e honra é acolher os excluídos. As
leituras sobre as quais refletiremos a seguir desafiam tanto o contexto
histórico das Escrituras quanto nossas práticas contemporâneas.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (Eclo 3,19-21.30-31)
Este texto, oriundo da literatura sapiencial
judaica, é atribuído a Ben Sirac, um escriba do período helenístico. Ele
escreve em um contexto em que a cultura grega exaltava a sabedoria intelectual
e o heroísmo, contrapondo-se à tradição judaica de que a verdadeira grandeza
está na relação com Deus.
O verbo hebraico correspondente a “realizar
com mansidão” é anavah, que carrega a ideia de uma atitude deliberada de autocontrole e
humildade. Ao dizer que é aos humildes que Deus revela seus mistérios, o texto
estabelece que o verdadeiro conhecimento não vem de uma posição de poder, mas
de um coração aberto à revelação que vem do amor de Deus.
O vínculo entre orgulho e destruição é também
central. O “pecado enraizado” no orgulhoso apresenta uma alienação sobre a fé
que impede a compreensão das verdades maiores sobre a vida. A humildade aqui é
apresentada como um caminho de sabedoria e graça.
2.
II leitura (Hb 12,18-19.22-24a)
A carta aos Hebreus contrasta dois momentos
teofânicos: o monte Sinai, marcado por medo e tremor, e o monte Sião, que
representa a Nova Aliança. Esse texto apresenta uma transição teológica do
judaísmo ao cristianismo e destaca o papel de Jesus como mediador da Nova
Aliança.
O autor utiliza imagens cheias de espetáculos
para descrever a “Jerusalém celeste”: uma reunião festiva de anjos e justos. O
contraste com o Sinai é significativo. No Sinai, o foco estava na Lei e na
distância entre Deus e o homem; em Sião, destaca-se a proximidade divina, onde
a mediação de Jesus torna acessível a experiência de Deus.
A expressão “mediador da Nova Aliança”
sublinha a continuidade e a superação das alianças anteriores. A salvação
oferecida por Cristo não se baseia no temor, mas na confiança e na participação
plena na vida divina.
3. Evangelho (Lc 14,1.7-14)
Jesus, ao narrar esta parábola, está em um
ambiente de elites religiosas, os fariseus, que buscavam status e reconhecimento. Lucas escreve em um contexto
de comunidades cristãs que enfrentavam tensões sociais e precisavam aprender a
lidar com o poder e a desigualdade.
O verbo grego eklégesthai,
traduzido como “escolher”, reflete o ato deliberado de ocupar lugares de honra,
expondo uma sociedade hierarquizada. A instrução de buscar os últimos lugares é
um conselho prático e um convite à transformação interior.
O segundo ensinamento, sobre convidar os
pobres, aleijados e coxos, é radical, pois subverte as práticas sociais de
reciprocidade comuns no mundo antigo, em que festas eram espaços de alianças
políticas e sociais, organizadas para consolidar hierarquias e status. Jesus, ao propor que sejam convidados aqueles que
não podem retribuir, no fundo está desafiando essas convenções e oferecendo uma
visão diferente do Reino de Deus, fundamentada na graça e no amor
incondicional. Exegeticamente, esse ensinamento tem a ver com a ética do Reino
como um espaço inclusivo e contracultural, onde a honra não é concedida por
mérito humano, mas pela generosidade divina.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Humildade como caminho
de sabedoria. O Eclesiástico nos convida a reconhecer que a verdadeira
grandeza está na simplicidade e no serviço. Como podemos cultivar a humildade
em nossas relações diárias?
Acesso ao Reino. A carta aos Hebreus nos
lembra que, em Cristo, temos acesso direto a Deus. Como vivemos essa realidade
em nossa experiência de fé e comunidade?
Incluir os
excluídos. O Evangelho desafia as normas sociais de exclusão. Quem são os
excluídos em nosso meio? Estamos dispostos a convidá-los à mesa do Reino?
IV.
CONCLUSÃO
As leituras deste domingo apontam para a
essência do Reino de Deus: um chamado à humildade, à sabedoria e à inclusão. Em
um mundo onde ainda vemos exclusão, desigualdades sociais e o aumento de
discursos de ódio, também existem sinais de esperança: iniciativas solidárias,
comunidades que promovem a inclusão e a luta por justiça. Que possamos nos
inspirar no Evangelho para construir espaços de acolhida onde a dignidade de
cada pessoa seja respeitada. Reconheçamos em cada gesto de solidariedade e em
cada vida transformada a presença viva do amor de Deus e a esperança de que
consigamos viver como irmãos e irmãs na verdadeira comunhão.
Gisele Canário*
*é mestra em
Teologia (Exegese Bíblica Antigo Testamento) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui graduação em Teologia pela Instituição
São Paulo de Estudos Superiores e licenciatura em Geografia pela Universidade
Cruzeiro do Sul. É assessora no Centro Bíblico Verbo onde atua com a orientação
de comunidades eclesiais e cursos bíblicos, para estudos bíblicos, gravação de
vídeos, formação em material para leitura online desde 2011.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/31-de-agosto-22-domingo-do-tempo-comum/
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