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SANTO
AGOSTINHO:
suas
relações entre a fé a razão
Santo Agostinho, conhecido
também como Agostinho de Hipona, nasceu em Tagaste, na cidade da Numídia (hoje
Argélia), no norte da África, região dominada pelo Império Romano, no dia
13 de novembro de 354. Sua infância e adolescência transcorreram principalmente
em sua cidade natal, em um ambiente limitado por um povoado perdido entre
montanhas. Seu pai era pagão e sua mãe uma cristã devota que exerceu grande
influência sobre a conversão do filho.
Aurélio Agostinho destaca-se
entre os Padres como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como
Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da
filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor, no
neoplatonismo. Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio
compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com
o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que
fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o
mal, a liberdade, a graça, a predestinação.
Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta,
cidade da Numídia, de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu
pai, Patrício, era pagão, recebido o batismo pouco antes de morrer; sua mãe,
Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa, e exercia sobre o filho uma
notável influência religiosa. Indo para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus
estudos, começados na pátria, desviou-se moralmente. Caiu em uma profunda
sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores conseqüências do pecado
original; dominou-o longamente, moral e intelectualmente, fazendo com que
aderisse ao maniqueísmo, que atribuía realidade substancial tanto ao bem como
ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do mal e,
por conseqüência, uma justificação da sua vida. Tendo terminado os estudos,
abriu uma escola em Cartago, donde partiu para Roma e, em seguida, para Milão.
Afastou-se definitivamente do ensino em 386, aos trinta e dois anos, por razões
de saúde e, mais ainda, por razões de ordem espiritual.
Entrementes – depois de maduro
exame crítico – abandonara o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica
que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte
chegara a uma concepção cristã da vida – no começo do ano 386. Entretanto a
conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma
fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro
do ano 386. Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao
matrimônio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento,
em companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu
seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho
Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo em Milão das mãos de Santo
Ambrósio, cuja doutrina e eloqüência muito contribuíram para a sua conversão.
Tinha trinta e três anos de idade.
Depois da conversão, Agostinho
abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu todos
os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa
das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em
395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da
cidade pelos vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de
idade.
Após a sua conversão, Agostinho
dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da teologia revelada, e
à redação de suas obras, entre as quais têm lugar de destaque as filosóficas.
As obras de Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os
diálogos filosóficos: Contra os acadêmicos, Da vida beata, Os solilóquios,
Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre
a música . Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre
os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem .
Dada, porém, a mentalidade
agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que
interessam à filosofia também as obras teológicas e religiosas, especialmente:
Da Verdadeira Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da
Mentira.
O
Pensamento: A Gnosiologia
Agostinho considera a filosofia
praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual
só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central
está portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os
mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da
vida.
O problema gnosiológico é
profundamente sentido por Agostinho, que o resolve, superando o ceticismo
acadêmico mediante o iluminismo platônico. Inicialmente, ele conquista uma
certeza: a certeza da própria existência espiritual; daí tira uma verdade
superior, imutável, condição e origem de toda verdade particular. Embora
desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao
conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto,
são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da
coisa, é necessária a luz física, do mesmo modo, para o conhecimento
intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta vem de Deus, é a Verdade
de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platônicas.
No Verbo de Deus existem as
verdades eternas, as idéias, as espécies, os princípios formais das coisas, e
são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades eternas e as idéias
das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de
Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em
sentido teísta e cristão. Permanece, porém, a característica fundamental, que
distingue a gnosiologia platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a
gnosiologia platônica-agostiniana, não bastam, para que se realize o
conhecimento intelectual humano, as forças naturais do espírito, mas é mister
uma particular e direta iluminação de Deus.
A
Metafísica
Em relação com esta
gnosiologia, e dependente dela, a existência de Deus é provada,
fundamentalmente, a priori , enquanto no espírito humano haveria uma presença
particular de Deus. Ao lado desta prova a priori , não nega Agostinho as provas
a posteriori da existência de Deus, em especial a que se afirma sobre a mudança
e a imperfeição de todas as coisas. Quanto à natureza de Deus, Agostinho possui
uma noção exata, ortodoxa, cristã: Deus é poder racional infinito, eterno,
imutável, simples, espírito, pessoa, consciência, o que era excluído pelo
platonismo. Deus é ainda ser, saber, amor. Quanto, enfim, às relações com o
mundo, Deus é concebido exatamente como livre criador.
No pensamento clássico grego,
tínhamos um dualismo metafísico; no pensamento cristão – agostiniano – temos
ainda um dualismo, porém moral, pelo pecado dos espíritos livres, insurgidos
orgulhosamente contra Deus e, portanto, preferindo o mundo a Deus. No
cristianismo, o mal é, metafisicamente, negação, privação; moralmente, porém,
tem uma realidade na vontade má, aberrante de Deus. O problema que Agostinho
tratou, em especial, é o das relações entre Deus e o tempo. Deus não é no
tempo, o qual é uma criatura de Deus: o tempo começa com a criação. Antes da
criação não há tempo, dependendo o tempo da existência de coisas que vem-a-ser
e são, portanto, criadas.
Também a psicologia agostiniana
harmonizou-se com o seu platonismo cristão. Por certo, o corpo não é mau por
natureza, porquanto a matéria não pode ser essencialmente má, sendo criada por
Deus, que fez boas todas as coisas. Mas a união do corpo com a alma é, de certo
modo, extrínseca, acidental: alma e corpo não formam aquela unidade metafísica,
substancial, como na concepção aristotélico-tomista, em virtude da doutrina da
forma e da matéria. A alma nasce com o indivíduo humano e, absolutamente, é uma
específica criatura divina, como todas as demais. Entretanto, Agostinho fica
indeciso entre o criacionismo e o traducionismo, isto é, se a alma é criada
diretamente por Deus, ou provém da alma dos pais. Certo é que a alma é imortal,
pela sua simplicidade. Agostinho, pois, distingue, platonicamente, a alma em
vegetativa, sensitiva e intelectiva, mas afirma que elas são fundidas em uma
substância humana. A inteligência é divina em intelecto intuitivo e razão
discursiva; e é atribuída a primazia à vontade. No homem a vontade é amor, no
animal é instinto, nos seres inferiores cego apetite.
Quanto à cosmologia, pouco
temos a dizer. Como já mais acima se salientou, a natureza não entra nos
interesses filosóficos de Agostinho, preso pelos problemas éticos, religiosos,
Deus e a alma. Mencionaremos a sua famosa doutrina dos germes específicos dos
seres – rationes seminales . Deus, a princípio, criou alguns seres já
completamente realizados; de outros criou as causas que, mais tarde,
desenvolvendo-se, deram origem às existências dos seres específicos. Esta
concepção nada tem que ver com o moderno evolucionismo , como alguns
erroneamente pensaram, porquanto Agostinho admite a imutabilidade das espécies,
negada pelo moderno evolucionismo.
A
Moral
Evidentemente, a moral
agostiniana é teísta e cristã e, logo, transcendente e ascética. Nota
característica da sua moral é o voluntarismo, a saber, a primazia do prático,
da ação – própria do pensamento latino – , contrariamente ao primado do
teorético, do conhecimento – próprio do pensamento grego. A vontade não é
determinada pelo intelecto, mas precede-o. Não obstante, Agostinho tem também
atitudes teoréticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim último das
criaturas, é possuído por um ato de inteligência. A virtude não é uma ordem de
razão, hábito conforme à razão, como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor.
Entretanto a vontade é livre, e
pode querer o mal, pois é um ser limitado, podendo agir desordenadamente,
imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se considerar não causa
eficiente, mas deficiente da sua ação viciosa, porquanto o mal não tem
realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua
desordem, porquanto a criatura, não podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma,
determinando a dilaceração da sua natureza. A fórmula agostiniana em torno da
liberdade em Adão – antes do pecado original – é: poder não pecar ; depois do
pecado original é: não poder não pecar ; nos bem-aventurados será: não poder
pecar . A vontade humana, portanto, já é impotente sem a graça. O problema da
graça – que tanto preocupa Agostinho – tem, além de um interesse teológico,
também um interesse filosófico, porquanto se trata de conciliar a causalidade
absoluta de Deus com o livre arbítrio do homem. Como é sabido, Agostinho, para
salvar o primeiro elemento, tende a descurar o segundo.
Quanto à família , Agostinho,
como Paulo apóstolo, considera o celibato superior ao matrimônio; se o mundo
terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da passagem do tempo
para a eternidade. Quanto à política , ele tem uma concepção negativa da função
estatal; se não houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado seria
inútil. Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e não
natural. Nem a escravidão é de direito natural, mas conseqüência do pecado
original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela não pode
ser superada naturalmente, racionalmente, porquanto a natureza humana já é
corrompida; pode ser superada sobrenaturalmente, asceticamente, mediante a
conformação cristã de quem é escravo e a caridade de quem é amo.
O
Mal
Agostinho foi profundamente
impressionado pelo problema do mal – de que dá uma vasta e viva fenomenologia.
Foi também longamente desviado pela solução dualista dos maniqueus, que lhe
impediu o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida
moral. A solução deste problema por ele achada foi a sua libertação e a sua
grande descoberta filosófico-teológica, e marca uma diferença fundamental entre
o pensamento grego e o pensamento cristão.
Antes de tudo, nega a realidade
metafísica do mal. O mal não é ser, mas privação de ser, como a obscuridade é
ausência de luz. Tal privação é imprescindível em todo ser que não seja Deus,
enquanto criado, limitado. Destarte é explicado o assim chamado mal metafísico
, que não é verdadeiro mal, porquanto não tira aos seres o lhes é devido por
natureza.
Quanto ao mal físico , que
atinge também a perfeição natural dos seres, Agostinho procura justificá-lo
mediante um velho argumento, digamos assim, estético: o contraste dos seres
contribuiria para a harmonia do conjunto. Mas é esta a parte menos afortunada
da doutrina agostiniana do mal.
Quanto ao mal moral, finalmente
existe realmente a má vontade que livremente faz o mal; ela, porém, não é causa
eficiente, mas deficiente, sendo o mal não-ser. Este não-ser pode unicamente
provir do homem, livre e limitado, e não de Deus, que é puro ser e produz
unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo pecado original e
atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além
de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus. Como se vê, o mal físico
tem, deste modo, uma outra explicação mais profunda.
Remediou este mal moral a
redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à humanidade os dons
sobrenaturais e a possibilidade do bem moral; mas deixou permanecer o
sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e expiação. E a
explicação última de tudo isso – do mal moral e de suas conseqüências – estaria
no fato de que é mais glorioso para Deus tirar o bem do mal, do que não
permitir o mal. Resumindo a doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o
mal é, fundamentalmente, privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido
(mal metafísico) ou devido (mal físico e moral) a uma determinada natureza; se
o bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal; a solução deste problema é
estética para o mal físico, moral (pecado original e Redenção) para o mal moral
(e físico).
A
História
Como é notório, Agostinho trata
do problema da história na Cidade de Deus , e resolve-o ainda com os conceitos
de criação, de pecado original e de Redenção. A Cidade de Deus representa,
talvez, o maior monumento da antigüidade cristã e, certamente, a obra prima de
Agostinho. Nesta obra é contida a metafísica original do cristianismo, que é
uma visão orgânica e inteligível da história humana. O conceito de criação é
indispensável para o conceito de providência, que é o governo divino do mundo;
este conceito de providência é, por sua vez, necessário, a fim de que a
história seja suscetível de racionalidade. O conceito de providência era
impossível no pensamento clássico, por causa do basilar dualismo metafísico.
Entretanto, para entender realmente, plenamente, o plano da história, é mister
a Redenção, graças aos quais é explicado o enigma da existência do mal no mundo
e a sua função. Cristo tornara-se o centro sobrenatural da história: o seu
reino, a cidade de Deus , é representada pelo povo de Israel antes da sua vinda
sobre a terra, e pela Igreja depois de seu advento. Contra este cidade se ergue
a cidade terrena , mundana, satânica, que será absolutamente separada e
eternamente punida nos fins dos tempos.
Agostinho distingue em três
grandes seções a história antes de Cristo. A primeira concerne à história das
duas cidades , após o pecado original, até que ficaram confundidas em um único
caos humano, e chega até a Abraão, época em que começou a separação. Na Segunda
descreve Agostinho a história da cidade de Deus , recolhida e configurada em
Israel, de Abraão até Cristo. A terceira retoma, em separado, a narrativa do
ponto em que começa a história da Cidade de Deus separada, isto é, desde
Abraão, para tratar paralela e separadamente da Cidade do mundo, que culmina no
império romano.
Esta história, pois, fragmentária
e dividida, onde parece que Satanás e o mal têm o seu reino, representa, no
fundo, uma unidade e um progresso. É o progresso para Cristo, sempre mais
claramente, conscientemente e divinamente esperado e profetizado em Israel; e
profetizado também, a seu modo, pelos povos pagãos, que, consciente ou
inconscientemente, lhe preparavam diretamente o caminho. Depois de Cristo cessa
a divisão política entre as duas cidades ; elas se confundem como nos primeiros
tempos da humanidade, com a diferença, porém, de que já não é mais união
caótica, mas configurada na unidade da Igreja.
Esta não é limitada por nenhuma
divisão política, mas supera todas as sociedades políticas na universal unidade
dos homens e na unidade dos homens com Deus. A Igreja, pois, é acessível,
invisivelmente, também às almas de boa vontade que, exteriormente, dela não
podem participar. A Igreja transcende, ainda, os confins do mundo terreno, além
do qual está a pátria verdadeira. Entretanto, visto que todos, predestinados e
ímpios, se encontram empiricamente confundidos na Igreja – ainda que só na
unidade dialética das duas cidades , para o triunfo da Cidade de Deus – a
divisão definitiva, eterna, absoluta, justíssima, realizar-se-á nos fins dos
tempos, depois da morte, depois do juízo universal, no paraíso e no inferno. É
uma grande visão unitária da história, não é uma visão filosófica, mas
teológica: é uma teologia, não uma filosofia da história.
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