sábado, 25 de setembro de 2021

REFLEXÃO DOMINICAL II

CIÚME INVEJOSO

“Mestre, vimos alguém que não nos segue expulsando demônios em teu nome, e tentamos impedi-lo porque não nos seguia”. 

Esta reação de João, aparentemente cheia de zelo, manifesta uma atitude muito perigosa para quem decidiu seguir o Messias Jesus, isto é, um ciúme invejoso com aparência de zelo.

Essa perícope evangélica, quando lida no seu contexto mais amplo (Mc 7,24-10,52), nos ajuda a perceber o que estava para além das palavras do discípulo, porta-voz do grupo, indignado com pessoas que, não sendo dos seus, realizavam exorcismos em nome de Jesus, sem a devida permissão. Um pouco antes dessa cena, encontra-se uma narração onde os discípulos passam por um vexame humilhante: um pai que leva o seu filho endemoninhado para que Jesus o liberte, mas os discípulos não conseguem realizar o exorcismo (Mc 9,14-29), levando inclusive Jesus, indignado diante do insucesso, a acusá-los de falta de fé.

Diz a expressão popular: “A inveja é consequência da incapacidade”, e isto tem muito de verdade nessa reação de João. Sem dúvida, tal reação intolerante dos discípulos denuncia um sentimento rancoroso diante do próprio insucesso e incapacidade de realizar aquilo que eles mesmos tinham recebido do próprio Jesus aos serem escolhidos: “E constituiu os doze… Para enviá-los a pregar e terem autoridade para expulsar demônios” (Mc 3,13-15). O poder tinha sido dado, mas lhes faltava a fé.

Diante da consciência da incapacidade de realizar algo desejado, o ser humano pode escolher uma das possibilidades: ou aceitar e empenhar-se no crescimento das suas reais capacidades, ou tentar negar a sua incapacidade, alimentando um sentimento de inveja, cujo intuito é rejeitar, desqualificar e até mesmo impedir a expansão das capacidades alheias. Contudo, pior do que sentir-se incapaz de realizar algumas coisas, é ser incapaz de reconhecer as capacidades do outro. Pessoas assim se compensam assumindo duas posturas fundamentais. Há aquelas que sendo detentoras de alguma autoridade ou poder usam dessas prerrogativas para impedir (proibir) que o outro realize suas capacidades e potencialidades; há também aquelas que, por sua vez não tendo nenhum poder coercitivo para compensar seu mal-estar diante do sentimento de incapacidade, apelam para avaliações sentimentais que desqualificam, menosprezam e desprestigiam as capacidades dos outros.

No caso do evangelho, fica claro que os discípulos apelam para uma espécie de credencial presumida, pensam-se autorizados para tal procedimento, pois apenas, depois do ocorrido, é que comunicam ao Mestre o que fizeram. Tinham acabado de ouvir o ensinamento de Jesus: “Se alguém quer me seguir…” mas ainda teimavam em ocupar o lugar do Mestre, como fica evidente na reação de Pedro quando tenta, passando à frente de Jesus, ditar-lhe a direção que devia tomar (XXIII Domingo Tempo Comum). Ou mesmo quando os discípulos se perguntam quem é o maior dentre eles, excluindo, por conseguinte, Aquele que é o unicamente maior (XXV Domingo Tempo Comum). Na verdade, o chamado é para seguir Jesus e não os discípulos.

Como na nossa existência se apresentam sempre duas possibilidades fundamentais de direcionar a vida, e cabe a nós fazer a escolha, é imprescindível um modo de agir (mão), uma perspectiva de visão (olho) e uma maneira de caminhar (pé) mais coerentes com o ser discípulo do Messias Jesus. Caso contrário, nossa ação será destruidora, nosso olhar será turvo e nosso caminhar, sem direção. Consequentemente, tudo acabará na Geena (grande lixão de Jerusalém onde o fogo não se extingue e o verme não morre: 2Rs 23,10), símbolo da destruição da nossa incapacidade que, por ciúme invejoso, não permite aos outros fazerem desabrochar suas capacidades, e do nosso remorso de termos escandalizados, por falta de fé, os pequeninos, em nome de um falso zelo pelas coisas do Reino.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ. Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.

https://www.arquidioceseolindarecife.org/reflexao-xxvi-domingo-do-tempo-comum-ciume-invejoso-um-falso-zelo-que-escandaliza-mc-938-43-45-47-48/

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