Para Agostinho, viver cristãmente significa relacionar‑se com Deus. A vida de um cristão tem de ser um diálogo ininterrupto com Ele. O homem fala a Deus com os seus afetos, os seus bons desejos, as suas palavras, com a sua oração: "quando oras, falas com Deus" (Comentário ao Salmo 87, 7). Por sua vez, Deus fala com o homem de infinitas maneiras: com a própria vida, com as coisas que nos rodeiam, com chamamentos interiores, com o exemplo dos outros; mas acima de tudo, pela sua palavra, a Sagrada Escritura: "quando lês, Deus fala‑te" (id..). Qualquer leitura pode ser uma palavra de Deus; ler a Bíblia é sempre ouvir a palavra de Deus.
Uma pessoa afastada de outra a quem ama, para tornar mais suportável a separação, comunica com ela através de cartas. Por meio delas, encurta ou anula as distâncias, tornando‑se presente ao seu amado. Nós estamos longe da nossa pátria, peregrinamos por este mundo. Na terra para onde nos encaminhamos esperam‑nos os que amamos: os santos; espera‑nos quem mais nos ama: Deus. Daquela bendita terra Ele escreve‑nos uma carta. Conta‑nos quanto nos ama, quem Ele é, o que nos promete, que temos de fazer para o conseguir, para chegar até Ele. Esta carta é a Sagrada Escritura. Por isso Agostinho ama‑a até à loucura, toda inteira. No entanto, houve partes privilegiadas. Quem descreverá a ternura com que lia e comentava os Salmos? E já no Novo Testamento, será preciso lembrar os laços que uniam o Apóstolo das Gentes, ao pregador da Graça, ao que foi chamado, mais tarde, Doutor da Graça? Não podemos deixar de mencionar a força da simpatia que o levava a comentar e a pregar sobre os escritos de S. João, que se tinha reclinado sobre o peito do Senhor na Última Ceia e, naquela fonte, tinha bebido as águas salutares do mistério do Verbo e de Deus, até chegar a descobrir o que Deus é: Deus é amor.
De que fala a Escritura? Para Agostinho, a Escritura fala só de Cristo e do seu Corpo, a Igreja. O Antigo Testamento é o Novo, ainda encoberto e o Novo é o Antigo, já manifestado. Apenas faz falta saber ler, para reconhecer a Cristo, já na sua própria pessoa, já na de seus membros. Com freqüência há que ultrapassar o significado literal das palavras e penetrar no mistério que se oculta por detrás delas, porque "humilde a entrada, o seu interior é sublime e envolto em mistério" (Confissões III, 5, 9).
Deus, na Escritura, fala de múltiplas maneiras e nem todos estão aptos para as entender todas. Encontramo‑nos perante uma mistura maravilhosa de claridades e escuridões; claridades, para que todo aquele que se aproxima revestido de humildade, possa conhecer a Deus através das suas palavras; obscuridades, para evitar que os indignos cheguem ao conhecimento de tão sublimes mistérios e, também, para estimular e impelir os mais ousados a cavar mais fundo, sabendo que a palavra de Deus é inesgotável e que é sempre possível descobrir significados mais profundos. A Bíblia é como uma floresta ainda por explorar na sua maior parte e cuja riqueza de conteúdo é inexaurível. Só é preciso procurar, meditar. Mas este trabalho não haverá o homem de o fazer sozinho; necessita da ajuda de Deus; precisa que Ele o guie. Que nos deixemos levar pela mão do Senhor.
"Para mim não há nada melhor; nada me é mais doce que contemplar o tesouro divino, na tranquilidade e sem pressas: isto é verdadeiramente bom, isto é verdadeiramente doce" (Serm. Frang. 2, 4). Doce contemplação considerada como um serviço: "Eu alimento‑me para poder alimentar‑vos. Sou o servo, o que traz o alimento, não o dono da casa. Eu exponho diante de vós aquilo de que eu próprio recebo a vida" (id.). Agostinho estuda, medita, para depois alimentar os seus fiéis. A Bíblia é, pois, como o alimento que a mãe toma para depois dá‑lo, transformado em leite, a seus filhos. Agostinho nunca foi um estudioso desinteressado da Escritura: "Tudo o que possuo desta ciência (Sagrada Escritura) administro‑o imediatamente ao povo de Deus" (Carta 73, 2, 5).
Os contatos de Agostinho com a Sagrada Escritura duraram toda a sua existência. Tanto o Antigo como o Novo Testamento foram objeto dos seus trabalhos. Comentava-os ele próprio e ensinava aos outros as normas que hão de reger toda a explicação. Umas vezes tomava ele a iniciativa, outras o estímulo era‑lhe proporcionado pelos pedidos dos que admiravam a sua ciência e a sua disponibilidade.
Entre as obras escriturísticas recordamos:
Comentário ao Gênesis
em réplica aos maniqueus.
Comentário literal ao
Gênesis (12 livros).
A concordância dos quatro
evangelistas.
O sermão da montanha.
A doutrina cristã.
http://amigosdesantoagostinho.blogspot.com/2011/03/agostinho-e-escritura.html
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