domingo, 6 de junho de 2021

SANTO AGOSTINHO E A EUCARISTIA


Agostinho de Hipona: Eucaristia como Presença Real de Cristo

Através deste estudo nos propomos aprofundar os modelos das práticas litúrgicas e da teologia sobre o Sacramento da Mesa do Senhor, a partir da contribuição teológica de Santo Agostinho.(1).

Reconhecemos, assim, que a Ceia Eucarística – o Corpo e o Sangue de Cristo -, é a fonte de onde brota todo desejo de unidade eclesial. Vimos, por meio de alguns textos da Tradição Patrística, o contexto histórico, o rito e o significado dela para a vida da comunidade cristã. Mas, também percebemos semelhanças e diferenças que há nos vários ritos, e identificamos, no ritual da Ceia Eucarística em Santo Agostinho, os elementos presentes no período apostólico, como: símbolos, doxologia, epíclese, anáfora, fórmulas rituais e gestualidade (procedimentos litúrgicos), serviços e ministérios. Tudo o que percebermos e aprendermos a partir da prática litúrgica de Santo Agostinho, em relação à ceia eucarística, nos levará a uma reflexão das nossas celebrações eucarísticas hoje.

O seu aprofundamento teológico e pedagógico catequético pode nos orientar quanto à dinamização de nossas celebrações, para melhor inculturar, adaptar e enriquecer o rito atual; e, assim, celebrarmos com mais criatividade e maior consciência o Mistério Pascal. Citamos algumas dentre as principais obras de Santo Agostinho: De Trinitate, sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada entre os anos 400 a 416, em 15 volumes; De civitate Dei, divulgada entre os anos 413 a 426, onde são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história. Na obra Confessiones, sua autobiografia, divulgada por volta do ano 400; e muitos trabalhos de questões polêmica (contra as heresias de seu tempo), de catequese e de uso didático, além dos sermões e cartas, em que interpreta minuciosamente passagens das Escrituras. Os textos referentes à Eucaristia são encontrados em alguns de seus sermões (227, 228, 229, 229a e 271), sendo uma catequese de aprofundamento dirigida aos neófitos na noite da Páscoa. (AGOSTINHO DE HIPONA, 2003, p. 913). A doutrina de Santo Agostinho pode ser interpretada dubiamente, pois muitos lerão seus textos sobre a perspectiva da presença real de Cristo, outros acentuarão seu caráter dinâmico e salvador, e outros ainda acentuarão os aspectos simbólicos e espiritualistas. Analisando seus sermões referentes à Eucaristia encontramos três definições e ou chaves de leitura distintas:

a) A Eucaristia como chave simbólica, sinal e sacramento: Talvez surja em alguém essa idéia: como pode ser que este pão seja seu corpo e este vinho seu sangue? Estas coisas, meus irmãos, chamam-se sacramentos, porque uma coisa dizem os olhos e outra a inteligência. (ALDAZÁBAL, 2002, p.164).

b) A Eucaristia como símbolo de unidade Eclesial, corpo de Cristo como sacramento da própria comunidade que a celebra: Se quereis entender o que é o corpo de Cristo, escutai o Apostolo: Vós sois o corpo de Cristo e seus membros (1 Cor 12, 27). Se, pois, vós sois o corpo e os membros de Cristo, o que está sobre a santa mesa é um símbolo de vós mesmos, e o que recebeis é vosso próprio mistério [...]. (Ibid.). c) A Eucaristia como relação com o receptor, o verdadeiro corpo de Cristo é a comunidade Eclesial, e o corpo místico é a Eucaristia: Sede o que vedes e recebei o que sois. É assim que ele quis unir-nos à sua pessoa e consagrou sobre sua mesa o mistério simbólico da paz e da união que deve reinar entre nós. (Ibid.). Agostinho demonstra em seus escritos uma consciência clara da presença real de Cristo e de sua autodoação à comunidade nos dons do pão e do vinho. Não havia discussão sobre a Eucaristia. Entendia-se que ela é um mistério a ser vivido e celebrado como posse da Igreja. Nos textos usados nessa pesquisa encontramos uma certa diferenciação entre a linguagem realista, que identifica o pão com o corpo de Cristo, e a linguagem simbólica, onde os dons eucarísticos aparecem como figura, semelhança, sinal do corpo e sangue de Cristo. Para Agostinho, o símbolo não exclui a realidade: pois o próprio símbolo é a forma de presença indizível de Deus em nossa vida. Crer que Cristo é ícone de Deus Pai é consolidar uma realidade e não uma mera semelhança. (Ibid., p.168). Sendo a Igreja corpo de Cristo, chamada por Santo Agostinho de “totus Christus”, a Eucaristia, como símbolo da unidade dos Cristãos, torna-os membros da cabeça. E a Eucaristia não é só o melhor e mais expressivo sinal desta união, mas também o momento em que mais se reforça e se realiza o momento culminante de máxima identificação entre a comunidade e seu Senhor. (Ibid., p.170).

A Eucaristia é verdadeiramente o mesmo sacrifício do Senhor na cruz. Todas as indicações provenientes da narração histórica da última ceia testemunham que, com a expressão este é o meu Corpo e este é o meu Sangue (1 Cor 5,7), Cristo se referia a si mesmo como Cordeiro pascal. Esta identificação de Cristo com o cordeiro pascal era tão difundida na Igreja primitiva, que era repetida sem ulteriores explicações não somente por Paulo, mas também por outros textos da época apostólica (Cf. Jo 1, 29.36; 1 Pd 1,19; Ap. 5,6.12; 12,11). Não é, pois, casual que na língua litúrgica da Igreja, tenha prevalecido o costume de chamar cordeiro o pedaço de pão destinado a mudar-se em Corpo de Cristo, no decorrer da celebração eucarística. Notamos que as experiências vivenciadas nas comunidades cristãs dos primeiros séculos contribuíram para a formação de diversas lições pastorais e levam-nos a refletir sobre a sua importância hoje.

Por fim, percebemos que toda a importância do simbolismo aprofundado por Santo Agostinho sobre a Eucaristia como sacramento da própria comunidade traduz a eficácia unificadora da participação na Eucaristia, que é afirmada com vigor pelos Padres da Igreja, mas talvez ninguém tenha insistido tanto sobre o aspecto unitivo do “sacramentum amoris” como Santo Agostinho. A virtude própria deste alimento, afirma ele, é a unidade. Uma unidade tal que, ao recebermos o seu corpo, nos tornamos os seus membros: nós somos aquilo que recebemos. Por isso, é necessário ver neste alimento e nesta bebida a sociedade do seu corpo e dos seus membros, ou seja, a Santa Igreja. (AGOSTINHO DE HIPONA, 2003, p. 389).

(1)  Agostinho de Hipona (+430) Filósofo da era patrística e um dos maiores gênios teológicos da Idade Média. Nasceu em Tagaste (Numídia), filho de Patrício, e de Mônica. Em 374, lendo o Hortensius, de Cícero, sentiuse atraído por uma vida menos sensual e mais dedicado à busca da verdade. Passou a freqüentar as lições dos maniqueus, que lhe pareciam propor a autêntica forma de cristianismo. De 375 a 383 estabeleceu-se em Cartago, como professor de retórica, e daí por diante teve de exercer a mesma função do outro lado do mar, em Milão. Já o inquietavam agora fortes dúvidas sobre a verdade do maniqueísmo. Em Milão, travou conhecimento com o neoplatonismo. Ao mesmo tempo ouvia regularmente os sermões de santo Ambrósio, onde percebia um catolicismo mais sublime do que o imaginado, e lia são Paulo. Fez-se batizar no sábado santo de 387. Em 395 foi sagrado bispo no pequeno porto de Hipona. Ali então desenvolveu a intensa atividade teológica e pastoral, dando máxima expressão a seus dotes extraordinários no plano da especulação, da exegese e da penetração psicológica da alma humana. Lutou contra as heresias da época, o maniqueísmo, o donatismo, o arianismo e o pelagianismo. Morreu em Hipona a 28 de agosto de 430 (Cf. HUGHES, Philip. História da Igreja Católica, pp. 54 – 57).

Referências:

AGOSTINHO DE HIPONA, A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1990. ______. O Livre-Arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. ______. De Magistro. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. ______. A Doutrina Cristã. São Paulo: Paulus, 2002. ALDAZÁBAL, J. A Eucaristia, in: BOROBIO, D. (org.) A Celebração na Igreja. Vol.2. São Paulo: Loyola, 1993. ______.A Eucaristia, Petrópolis: Vozes 2002.

http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2009/pdf/84.pdf/ana

 

 

 

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