O ESPÍRITO
SANTO NA LITURGIA (II)
II. O ESPIRITO SANTO NA LITURGIA HOJE
Antes de
apresentarmos, nesta segunda parte, os resultados que os princípios e normas do
Concílio Vaticano II surtiram com respeito à presença e ação do Espírito Santo
conforme os novos livros litúrgicos nos diversos sacramentos e em outras
celebrações, no ano litúrgico e na piedade popular, analisaremos a liturgia de
hoje em geral sob o aspecto pneumatológico em várias dimensões: como
acontecimento histórico-salvífico e memorial, como celebração da palavra e
celebração sacramental, assim como seus elementos verbais, seus gestos e
objetos simbólicos e o silêncio.
1. O Espírito Santo opera também hoje a salvação na
liturgia…
a) …como acontecimento histórico-salvífico
Como já
foi mencionado quando refletimos sobre a origem da liturgia, o Vaticano II
apresenta a liturgia em primeiro lugar como um momento da história da salvação.
A obra da salvação da humanidade, que teve seus prelúdios no Antigo Testamento,
foi completada por Cristo Jesus, sobretudo pela sua morte e ressurreição (cf.
SC 5). Ela não deve ser apenas anunciada, mas também celebrada na liturgia,
para que possa ter seu efeito pela nossa aceitação. Deus respeita a liberdade
das pessoas, de modo que não impõe a salvação a ninguém, mas a oferece, para
que cada um possa aceitá-la ou não. Quem se abre para a ação de Deus e a
aceita, é salvo.
Ora, toda
a obra salvífica é realizada pela força do Espírito Santo. A Sagrada Escritura,
sobretudo os profetas e o Novo Testamento não deixam duvidar disso. Mas essa
mesma ação salvífica de Deus é celebrada na liturgia. Portanto, já é a ação do
Espírito Santo que celebramos na liturgia; mas é também ele que possibilita que
essa ação litúrgica seja para nós um fato salvífico. Como isso pode acontecer
fica mais claro quando analisamos e tentamos entender o que é memória.
b) …quando fazemos memória
Não basta
simplesmente afirmar que um fato histórico se torna atual na celebração
litúrgica. Também não é suficiente dar a esse fenômeno o nome de memória ou
memorial. Devemos tentar compreender, na medida do possível, como isso pode
acontecer, particularmente como tal atualização ou memória pode ter eficácia
salvífica.
Temos
precedentes claros na Bíblia. É, aliás, uma realidade que os cristãos herdaram
do povo da antiga aliança. Quando os hebreus celebravam anualmente a festa da
páscoa, o fato histórico passado do êxodo, da libertação do Egito, tornou-se
presente para eles. O texto do Antigo Testamento mais eloquente nesse sentido
é, sem dúvida, aquele do livro do Êxodo que manda celebrar a festa dos ázimos e
diz: “Lembrai-vos deste dia em que saístes do Egito, da casa da escravidão;
pois com mão forte Iahweh vos tirou de lá; e por isso não comereis pão
fermentado. Hoje é o mês de Abib, e estais saindo” (Ex 13,2s). O mesmo “hoje”
ouviu-se da boca de Jesus na sinagoga de Nazaré, quando ele tinha lido o texto
do profeta Isaías que começa assim: “O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me ungiu para evangelizar os pobres”, e então explicou: “Hoje se
cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da Escritura” (Lc 4,18-21). Nos dois
casos, o “hoje” se realiza numa celebração litúrgica, e, no segundo, são Lucas
deixa claro que Jesus disse este “hoje” na força do Espírito do Senhor.
c) …na liturgia
da palavra
O que
aconteceu na festa da páscoa dos hebreus e na sinagoga de Nazaré dá-se também
quando nós proclamamos em nossas celebrações a palavra do Senhor. A fé na
presença de Deus que nos fala na proclamação das leituras bíblicas, já é
expressada pela conclusão das perícopes “Palavra do Senhor”, e sua eficácia
pela conclusão do evangelho “Palavra da salvação”. Mas como é que Deus se torna
presente e a salvação acontece, quando proclamamos a palavra de Deus? A antiga
versão do cântico “A nós descei, divina luz…” no-lo explica. Aí pedimos
cantando, na segunda estrofe: “Divino Espírito, descei, os corações vinde
inflamar e as nossas almas preparar para o que Deus nos quer falar”. Ora, se o
Espírito de Deus vem visitar o nosso coração, isso não e um acontecimento
salvífico?
Que tal
memória não é algo meramente subjetivo fica claro se consideramos o seguinte:
quando ouvimos a proclamação das obras de Deus, abrimos com os nossos ouvidos
também o nosso coração para Deus. E será que Deus nos deixaria abri-lo em vão?
Não. Quando nós nos lembramos dele, ele se lembra de nós. Sua palavra salvadora
nos atinge realmente. Torna-se vida em nós, essa palavra que é a segunda pessoa
da Santíssima Trindade, Jesus Cristo, que veio e vem por obra do Espírito
Santo. Seja neste momento permitido repetir: como pela descida do Espírito de
Deus sobre Maria o Verbo Divino, a palavra de Deus em pessoa, tornou-se viva no
seio da Virgem, e como pela descida do Espírito Santo na páscoa de Jesus, que
se completou em pentecostes, nasceu a Igreja com a sua liturgia, assim o mesmo
Espírito Santo torna viva e atuante na Igreja e em cada um de nós a palavra de
Deus, que também hoje é, na verdade, o Filho de Deus mesmo.
Do mesmo
modo como na liturgia da palavra o Espírito Santo opera a nossa salvação, assim
também ele nos dá condições de dar nossa resposta de ação de graças e louvor ao
Pai. Só porque o Pai nos santifica pelo seu Filho no Espírito Santo, podemos
nos dirigir a ele “por nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo”.
d) …e na
liturgia sacramental
Se o
Espírito Santo leva a efeito a obra da salvação já na proclamação ou celebração
da palavra, quanto mais o faz na celebração de um rito sacramental! O núcleo
celebrativo dos sacramentos é uma proclamação das maravilhas operadas por Deus
para a salvação da humanidade. Só que essa proclamação não acontece apenas em
linguagem verbal, mas também simbólica. Seja lembrado, como que entre
parênteses, que o Espírito Santo não é a palavra de Deus que se encarnou, mas
que se manifestou através de símbolos como o vento, o sopro, a pomba, a água e
o fogo. Nos ritos centrais dos sacramentos se faz o pedido que venha o Espírito
santificador especialmente através dos gestos, quase sempre pela imposição das
mãos e, frequentemente, pela unção. Tais gestos reforçam a oração, que assim se
torna mais plenamente humana, porque também corporal. As palavras, sobretudo
aquelas que chamamos de fórmulas sacramentais ou essenciais, explicam os
gestos, por exemplo, o banho de água no batismo, a unção na crisma e na unção
dos enfermos, a entrega do pão e do vinho consagrados em comida e bebida na
eucaristia, a imposição das mãos principalmente nos sacramentos da penitência e
da ordem. O mesmo pode ser dito quanto aos ritos secundários de vários
sacramentos, principalmente da imposição das mãos e das unções, também nos
sacramentais — por exemplo, numa dedicação de igreja ou numa bênção de abade e
abadessa, igualmente nas bênçãos do dia a dia, e não somente naquelas que são
reservadas aos ministros ordenados.
Seria bom
poder refletir com mais detalhes e profundidade particularmente sobre a epiclese
na eucaristia e nos outros sacramentos e sacramentais, mas as reflexões
propostas no quadro que agora está à nossa disposição parecem ser suficientes
para nos mostrar como a ação do Espírito Santo em nossa liturgia é essencial
para que nela possa ser levada a efeito a nossa salvação.
2. O Espírito Santo manifesta-se em inúmeros
elementos da liturgia
Além dos ritos centrais das nossas celebrações
litúrgicas e de alguns ritos secundários que acabamos de lembrar, inúmeras
outras expressões verbais e simbólicas, e até mesmo o silêncio, mostram a
presença e ação do Espírito Santo na liturgia. Mesmo sendo impossível enumerar
todos esses elementos, alguns deles, lembrados à guisa de exemplo, já nos
mostram que toda a liturgia é um contínuo pentecostes.
a) Elementos
verbais
Podemos
começar esta parte da nossa reflexão recordando as palavras com as quais
começamos geralmente as nossas celebrações: Em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Elas já exprimem e reforçam em nós a fé na presença e ação das
três pessoas divinas que operam a salvação que estamos celebrando desde que o
espírito de Deus pairava sobre as águas, no início da criação que o Pai
realizou pela sua palavra, até o final dos tempos, quando “o Espírito e a
esposa dizem: Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 22,17-20), para que o Reino seja
entregue ao Pai.
Muitas
vezes quem preside uma celebração saúda a assembleia com as palavras finais da
segunda carta de são Paulo aos Coríntios: “A graça de nosso Senhor Jesus
Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco” (2Cor
13,13). A última parte dessa saudação é uma verdadeira epiclese. E a assembleia
confirma que Deus nos reuniu no amor de Cristo. É o amor de Cristo que o levou
a evangelizar os pobres e a entregar sua vida por eles; quer dizer, o amor
também do Pai, o amor em pessoa, que é o Espírito Santo, que pousou sobre ele;
o mesmo “amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo
que nos foi dado” (Rm 5,5). Reparemos nessa saudação as palavras “comunhão do
Espírito Santo”. Essa comunhão se pede mais explicitamente nas segundas
epicleses das orações eucarísticas da liturgia romana atual. Na segunda oração
eucarística, por exemplo, pedimos “que, participando do corpo e do sangue de
Cristo sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”.
b) Gestos
Como no
caso dos elementos verbais, também dos gestos podemos lembrar somente um ou
outro exemplo, além da imposição das mãos e da unção, que já foram analisadas
brevemente. Não só a imposição das mãos, mas igualmente sua elevação exprime a
ação do Espírito Santo. Como pela imposição das mãos pedimos que ele venha (de
cima), assim pela elevação das mãos e dos braços abertos (para cima) nos
dirigimos a Deus, ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.
A
prostração — que conhecemos, sobretudo do rito das ordenações — é um antigo
ritual, às vezes acompanhada por uma fórmula epiclética ou uma imposição das
mãos. A genuflexão pode ser vista como uma expressão gestual da exclamação do
apóstolo são Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28) ou daquela de são Paulo
— dizendo podermos fazê-la somente no Espírito Santo: “Jesus é o Senhor” (1Cor
12,3).
Da
reunião em assembleia litúrgica já falamos brevemente ao analisar a saudação
paulina do fim da 2ª carta aos Coríntios. Na assembleia reunida podemos
realmente ver um novo pentecostes, em que o Espírito Santo reuniu
representantes dos mais diversos povos, de modo que todos eles entenderam os
apóstolos falar em sua própria língua, uma inversão da torre de Babel, que
dispersou a humanidade em povos com línguas diferentes e que não mais se
entenderam. De fato, não há outras assembleias debaixo do sol em que se reúnem
pessoas de origem e condição tão diferentes como numa assembleia litúrgica.
c) Objetos
O objeto
que fala mais claramente do Espírito Santo é certamente o óleo (de oliva ou
outro óleo vegetal), usado na liturgia como óleo dos catecúmenos, dos enfermos
e do sagrado crisma. Como os gestos que mencionamos, também o óleo é um símbolo
bíblico do Espírito Santo. Sobretudo o crisma exprime a presença do Espírito
Santo sobre quem é ungido com ele (o batizado, o crismado, o ordenado), como o
Espírito pousava sobre o Messias, o verdadeiro Ungido do Senhor.
O bálsamo
que é acrescentado ao óleo na confecção e bênção do crisma, exprime o bom odor
de Cristo (cf. 2Cor 2,15), que cada cristão ungido pelo Espírito Santo deve
irradiar. O mesmo sentido pode ter a água de cheiro, usada sobretudo no
Nordeste do Brasil. Também o incenso pode expressar, além da adoração e do
sacrifício, o bom odor de Cristo e dos cristãos.
d) O silêncio
O
silêncio na liturgia não é uma interrupção da celebração, uma pausa, mas antes
um ponto culminante da participação plena na liturgia, o espaço da mais intensa
comunhão de vida com Deus. Ele é marcante, por exemplo, nas ordenações. Em
silêncio, o bispo impõe as mãos sobre os ordenandos. Tal silêncio é, da nossa
parte, expressão da mais profunda disponibilidade para o Espírito Santo e, por
outro lado, Deus fala no silêncio. Para ouvi-lo devemos calar. É sumamente
conveniente fazer um momento de silêncio depois da proclamação das leituras
bíblicas. Um silêncio prolongado depois da comunhão, quase no final da missa,
para que pelo Espírito Santo possamos interiorizar o que ouvimos, saborear a
comida e a bebida que Deus mesmo nos ofereceu. Só assim a palavra de Deus
ouvida e a comunhão recebida trarão frutos em nossa vida.
3. O Espírito Santo nos diversos sacramentos e
celebrações
Memória
da obra salvífica de Deus, especialmente da morte e ressurreição de Jesus
Cristo, se faz em todos os sacramentos e nas demais celebrações litúrgicas,
embora às vezes mais explícita e outras vezes mais implicitamente. Em todos os
sacramentos, incluindo o matrimônio, temos epiclese. Trata-se de invocação do
Espírito Santo, geralmente acompanhada ou precedida pela imposição das mãos.
Na missa,
invocamos, em todas as orações eucarísticas, com exceção da primeira, duas
vezes o Espírito Santo: imediatamente antes do relato da instituição com a
imposição das mãos sobre o pão e o vinho, e, depois da anamnese e oblação,
sobre a assembleia.
No
batismo, o Espírito Santo é invocado sobre a água batismal. Mesmo se no tempo
pascal se usa água abençoada na vigília pascal, reza-se um louvor sobre a água
no qual se lembra a ação do Espírito Santo. O batismo mesmo se realiza em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Na unção pós-batismal com o óleo de
crisma evoca-se mais uma vez a ação do Espírito Santo, lembrando o novo
nascimento da água e do Espírito.
Na
confirmação, o rito central consta da invocação, com a imposição das mãos sobre
todos os crismandos, do Espírito Santo Paráclito, o Espírito de sabedoria e
inteligência, de conselho e fortaleza, de ciência, de piedade e do temor de
Deus. O rito essencial é a unção com óleo, acompanhado das palavras: “Recebe,
por este sinal, o Espírito Santo, dom de Deus”.
Na
penitência, impõem-se as mãos durante a absolvição e menciona-se que Deus
enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados.
Nas
ordenações, o rito central consta da imposição das mãos em silêncio e da oração
consecratória, durante a qual se invoca, por exemplo para os diáconos, o
Espírito Santo para o ministério conferido. Na ordenação do bispo unge-se ainda
a cabeça do ordenado e do presbítero as mãos.
Na unção
dos enfermos, o presbítero impõe as mãos, reza um louvor sobre o óleo dos
enfermos abençoado pelo bispo, ou ele mesmo benze o óleo para a unção, em ambos
os casos invocando o Espírito Santo, para depois ungir o enfermo pedindo que o
Senhor lhe venha em auxílio com a graça do Espírito Santo.
Na
celebração do matrimônio, pede-se na bênção nupcial que Deus envie sobre o
casal a graça do Espírito Santo, para que, impregnados da caridade divina,
permaneçam fiéis na aliança nupcial.
4. Ao longo do ano litúrgico
A
presença e ação do Espírito Santo ao longo do ano litúrgico mereceria um estudo
à parte. Mas alguns acenos já nos podem mostrar como o Espírito de Deus está
sempre presente, desde a celebração da espera da sua primeira vinda, no
advento, até a espera da sua volta na glória, no fim do ano litúrgico.
Antes de
mais nada devemos lembrar que, durante todo o ano litúrgico, celebramos sempre
a memória do mistério pascal de Jesus Cristo e de toda a obra da salvação. Esta
salvação foi operada na força do Espírito Santo. Vários momentos desta ação do
Espírito na história de Deus com a humanidade são celebrados explicitamente
durante o ano. Por exemplo, na anunciação do Senhor, que comemoramos também no
advento, além da preparação da encarnação do Filho de Deus no Antigo
Testamento, particularmente por meio dos profetas. Explicitamente festejamos a
ação do Espírito Santo na história da salvação também na festa do batismo do
Senhor. Nos primeiros domingos do tempo comum lembramos como Jesus, na força do
Espírito, assumiu sua missão de evangelizar os pobres, de curar os doentes, de
revelar a todos o amor do Pai para conosco — que é, em pessoa, ele mesmo, o
Espírito de Deus.
No
primeiro domingo da quaresma acompanhamos Jesus sendo tentado no deserto, para
onde o conduziu o Espírito (cf. Lc 4, 1). No segundo domingo da quaresma
estamos com Jesus no monte Tabor, onde ele nos mostra a obra redentora
completa, que se realizará também em nós. No terceiro, quarto e quinto domingos
da quaresma do ano A acompanhamos os catecúmenos em sua caminhada para a
páscoa, guiados também nós pelo Espírito, que se manifesta nos pontos altos dos
evangelhos da samaritana, do cego de nascença e de Lázaro ressuscitado,
anunciando-nos a obra do Espírito na água do batismo — a ser recebido pelos
catecúmenos e renovado na noite pascal pelos já batizados.
No tríduo
pascal, no tempo da páscoa e em pentecostes comemoramos a vinda do Espírito
Santo sobre a Igreja nascente, vinda que se atualiza também em nossas
celebrações.
Na
segunda parte do tempo comum é o Espírito Santo que nos faz entender as
Escrituras, que nos possibilita a comunhão com o Pai e nos fala através do seu
Filho. E é no Espírito Santo que podemos sempre de novo dar a nossa resposta de
filhos ao Pai, chamando-o de Abba, em nossas celebrações e em nossa vida, até
que no fim do ano litúrgico o Espírito clama com a esposa, que somos nós, a
Igreja: “Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 20,17.20).
Também
nas festas marianas, da mãe de Jesus, e dos outros santos e santas, celebramos
a obra do Espírito Santo, que levou esses nossos semelhantes àquela santidade
que só Deus, através do seu Espírito, pode operar.
No
entanto, o Espírito Santo está presente ao longo do ano litúrgico não apenas
como aquele que preparou e cooperou com Jesus Cristo na obra da salvação da
humanidade; ele coopera também conosco de modo que haja verdadeira memória,
atualização eficaz desta salvação na Igreja e no mundo. Pois é nele que nos
atinge aquilo que comemoramos. É através dele que a obra da salvação é levada a
efeito em nós.
5. O Espírito Santo na piedade popular
Embora o
Concílio Vaticano II não tenha incluído a piedade popular na liturgia em
sentido próprio, na realidade é difícil marcar claramente uma linha de divisa
entre liturgia e piedade popular, sobretudo quando — como o faz o Concílio —
consideramos os sacramentos como pertencentes à liturgia.
Sintomático
é, nesse sentido, o documento final de Puebla, que trata da liturgia, da oração
particular e da piedade popular num único capítulo.
Se
lembramos a história, particularmente a origem das devoções populares como o
terço e o anjo do Senhor, constatamos que elas surgiram como liturgia popular.
Mais ainda, se levamos em conta o sentido e conteúdo dessas devoções, como
poderíamos negar que aqueles que só nelas se sentem na presença e em comunhão
com Deus, assim possam ser salvos? Tal negação não é possível, porque não
podemos excluir que o Espírito Santo esteja presente e atuante também nas
devoções populares. Isso importa mais do que saber se uma devoção merece ou não
a qualificação de “litúrgica”.
Quando
começamos nossas orações ou nosso dia “em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo”, ou quando concluímos um salmo ou outra oração com o “Glória ao Pai e ao
Filho e ao Espírito Santo”, quando assim nos abrimos para Deus por força do seu
Espírito, ele está presente. Isso vale ainda mais quando no terço contemplamos
os mistérios da encarnação, da paixão e morte e da glorificação do Senhor, quer
dizer, a obra que realizou no Espírito. Por que ele estaria menos presente
nessas orações devocionais do que na liturgia das horas, que elas queriam
substituir? Uma razão é porque a liturgia das horas tinha-se tomado inacessível
para o povo simples.
Qual a
diferença qualitativa, por exemplo, da oração do hino “Vinde, Espírito
Criador”, rezado por um leigo ou quando rezado por um ministro ordenado ou um
monge, quando eles o rezam na liturgia das horas?
Não há
motivo para duvidar de que o Espírito Santo esteja presente também em tais
devoções e que ele santifique também esses devotos.
6. O Espírito Santo na vida que celebramos na
liturgia
Agora não
se quer dizer que toda a vida seja liturgia. Assim não usaríamos mais o termo
“liturgia” no seu sentido próprio. Mas, como levamos a vida para dentro da
liturgia, agradecerão aquilo que vivemos de bom e pedindo perdão por aquilo que
omitimos ou não fizemos bem, como as nossas súplicas brotam dos nossos
problemas, dificuldades e sofrimentos, assim a liturgia tem também sua
repercussão na vida, se ela for autenticamente celebrada. A liturgia cristã não
pode estar desligada da vida, já que Cristo na última ceia celebrou sua vida e
morte e nos disse que devemos fazer o mesmo em memória dele. A liturgia é o
ponto culminante para o qual tende toda a vida e ação da Igreja e, ao mesmo
tempo, é a fonte donde provém toda a sua força (cf. SC 10).
Não é sem
razão que na própria liturgia se estabelece, às vezes, explicitamente um
paralelo entre a ação do Espírito Santo na criação do mundo e a transformação
do mundo em Reino de Deus, numa nova criação. Lembremos a esse respeito a reflexão
tantas vezes repetida na festa de pentecostes: Enviai, Senhor, o vosso
Espírito, e tudo será criado, e renovareis a face da terra.
Quantos
impulsos para o advento de um mundo novo surgem também em nossos dias das
celebrações das nossas comunidades! Ou pensemos nos incentivos que nos são
dados por João Paulo II, como o fizeram também seus antecessores!
A fonte
de tudo isso não estaria na liturgia?
7. O Espírito Santo na inculturação da
liturgia
Menos
ainda do que sobre os outros aspectos da presença e ação do Espírito Santo na
liturgia, pode-se apresentar uma reflexão abrangente com respeito à
inculturação. Certamente não podemos negar que o Espírito Santo tenha renovado
a nossa liturgia também nas décadas pós-conciliares. Parece que isso vale ainda
mais no Brasil do que em outras partes do mundo, embora os passos que se deram
em nosso país para uma inculturação oficial sejam, por enquanto, tímidos.
Podem-se
comparar as nossas celebrações de hoje às de antes do Concílio Vaticano II. Ou,
então, as celebrações realizadas no Brasil — sobretudo as das CEBs —, com as
liturgias da Europa e do norte da América. Pode-se perceber aí — para usar as
palavras do Papa Pio XII a respeito do movimento litúrgico — “o passo do
Espírito Santo na Igreja” aqui e agora.
***
Depois do
que refletimos sobre o Espírito Santo na liturgia, não podemos mais duvidar da
presença do Espírito Santo em nosso coração, no coração da Igreja e do mundo,
sobretudo quando estamos reunidos na celebração da liturgia. O dom de Deus por
excelência, o Espírito Santo, e todos os seus dons, estão sendo derramados
sobre aqueles que não se fecham diante dele. Também e, sobretudo, na liturgia
podemos continuar nossa caminhada com o nosso grande defensor e consolador,
cheios de esperança, pelo terceiro milênio adentro.
Pe. Gregório Lutz, cssp
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/liturgia/o-espirito-santo-na-liturgia/
Nenhum comentário:
Postar um comentário