sexta-feira, 19 de maio de 2023

O ESPÍRITO SANTO NA LITURGIA (II) II. O ESPIRITO SANTO NA LITURGIA HOJE

 

O ESPÍRITO SANTO NA LITURGIA (II)

II. O ESPIRITO SANTO NA LITURGIA HOJE

 

Antes de apresentarmos, nesta segunda parte, os resultados que os princípios e normas do Concílio Vaticano II surtiram com respeito à presença e ação do Espírito Santo conforme os novos livros litúrgicos nos diversos sacramentos e em outras celebrações, no ano litúrgico e na piedade popular, analisaremos a liturgia de hoje em geral sob o aspecto pneumatológico em várias dimensões: como acontecimento histórico-salvífico e memorial, como celebração da palavra e celebração sacramental, assim como seus elementos verbais, seus gestos e objetos simbólicos e o silêncio.

1. O Espírito Santo opera também hoje a salvação na liturgia…

 

a) …como acontecimento histórico-salvífico

Como já foi mencionado quando refletimos sobre a origem da liturgia, o Vaticano II apresenta a liturgia em primeiro lugar como um momento da história da salvação. A obra da salvação da humanidade, que teve seus prelúdios no Antigo Testamento, foi completada por Cristo Jesus, sobretudo pela sua morte e ressurreição (cf. SC 5). Ela não deve ser apenas anunciada, mas também celebrada na liturgia, para que possa ter seu efeito pela nossa aceitação. Deus respeita a liberdade das pessoas, de modo que não impõe a salvação a ninguém, mas a oferece, para que cada um possa aceitá-la ou não. Quem se abre para a ação de Deus e a aceita, é salvo.

Ora, toda a obra salvífica é realizada pela força do Espírito Santo. A Sagrada Escritura, sobretudo os profetas e o Novo Testamento não deixam duvidar disso. Mas essa mesma ação salvífica de Deus é celebrada na liturgia. Portanto, já é a ação do Espírito Santo que celebramos na liturgia; mas é também ele que possibilita que essa ação litúrgica seja para nós um fato salvífico. Como isso pode acontecer fica mais claro quando analisamos e tentamos entender o que é memória.

b) …quando fazemos memória

Não basta simplesmente afirmar que um fato histórico se torna atual na celebração litúrgica. Também não é suficiente dar a esse fenômeno o nome de memória ou memorial. Devemos tentar compreender, na medida do possível, como isso pode acontecer, particularmente como tal atualização ou memória pode ter eficácia salvífica.

Temos precedentes claros na Bíblia. É, aliás, uma realidade que os cristãos herdaram do povo da antiga aliança. Quando os hebreus celebravam anualmente a festa da páscoa, o fato histórico passado do êxodo, da libertação do Egito, tornou-se presente para eles. O texto do Antigo Testamento mais eloquente nesse sentido é, sem dúvida, aquele do livro do Êxodo que manda celebrar a festa dos ázimos e diz: “Lembrai-vos deste dia em que saístes do Egito, da casa da escravidão; pois com mão forte Iahweh vos tirou de lá; e por isso não comereis pão fermentado. Hoje é o mês de Abib, e estais saindo” (Ex 13,2s). O mesmo “hoje” ouviu-se da boca de Jesus na sinagoga de Nazaré, quando ele tinha lido o texto do profeta Isaías que começa assim: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres”, e então explicou: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da Escritura” (Lc 4,18-21). Nos dois casos, o “hoje” se realiza numa celebração litúrgica, e, no segundo, são Lucas deixa claro que Jesus disse este “hoje” na força do Espírito do Senhor.

 

c) …na liturgia da palavra

O que aconteceu na festa da páscoa dos hebreus e na sinagoga de Nazaré dá-se também quando nós proclamamos em nossas celebrações a palavra do Senhor. A fé na presença de Deus que nos fala na proclamação das leituras bíblicas, já é expressada pela conclusão das perícopes “Palavra do Senhor”, e sua eficácia pela conclusão do evangelho “Palavra da salvação”. Mas como é que Deus se torna presente e a salvação acontece, quando proclamamos a palavra de Deus? A antiga versão do cântico “A nós descei, divina luz…” no-lo explica. Aí pedimos cantando, na segunda estrofe: “Divino Espírito, descei, os corações vinde inflamar e as nossas almas preparar para o que Deus nos quer falar”. Ora, se o Espírito de Deus vem visitar o nosso coração, isso não e um acontecimento salvífico?

Que tal memória não é algo meramente subjetivo fica claro se consideramos o seguinte: quando ouvimos a proclamação das obras de Deus, abrimos com os nossos ouvidos também o nosso coração para Deus. E será que Deus nos deixaria abri-lo em vão? Não. Quando nós nos lembramos dele, ele se lembra de nós. Sua palavra salvadora nos atinge realmente. Torna-se vida em nós, essa palavra que é a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo, que veio e vem por obra do Espírito Santo. Seja neste momento permitido repetir: como pela descida do Espírito de Deus sobre Maria o Verbo Divino, a palavra de Deus em pessoa, tornou-se viva no seio da Virgem, e como pela descida do Espírito Santo na páscoa de Jesus, que se completou em pentecostes, nasceu a Igreja com a sua liturgia, assim o mesmo Espírito Santo torna viva e atuante na Igreja e em cada um de nós a palavra de Deus, que também hoje é, na verdade, o Filho de Deus mesmo.

Do mesmo modo como na liturgia da palavra o Espírito Santo opera a nossa salvação, assim também ele nos dá condições de dar nossa resposta de ação de graças e louvor ao Pai. Só porque o Pai nos santifica pelo seu Filho no Espírito Santo, podemos nos dirigir a ele “por nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo”.

d) …e na liturgia sacramental

Se o Espírito Santo leva a efeito a obra da salvação já na proclamação ou celebração da palavra, quanto mais o faz na celebração de um rito sacramental! O núcleo celebrativo dos sacramentos é uma proclamação das maravilhas operadas por Deus para a salvação da humanidade. Só que essa proclamação não acontece apenas em linguagem verbal, mas também simbólica. Seja lembrado, como que entre parênteses, que o Espírito Santo não é a palavra de Deus que se encarnou, mas que se manifestou através de símbolos como o vento, o sopro, a pomba, a água e o fogo. Nos ritos centrais dos sacramentos se faz o pedido que venha o Espírito santificador especialmente através dos gestos, quase sempre pela imposição das mãos e, frequentemente, pela unção. Tais gestos reforçam a oração, que assim se torna mais plenamente humana, porque também corporal. As palavras, sobretudo aquelas que chamamos de fórmulas sacramentais ou essenciais, explicam os gestos, por exemplo, o banho de água no batismo, a unção na crisma e na unção dos enfermos, a entrega do pão e do vinho consagrados em comida e bebida na eucaristia, a imposição das mãos principalmente nos sacramentos da penitência e da ordem. O mesmo pode ser dito quanto aos ritos secundários de vários sacramentos, principalmente da imposição das mãos e das unções, também nos sacramentais — por exemplo, numa dedicação de igreja ou numa bênção de abade e abadessa, igualmente nas bênçãos do dia­ a dia, e não somente naquelas que são reservadas aos ministros ordenados.

Seria bom poder refletir com mais detalhes e profundidade particularmente sobre a epiclese na eucaristia e nos outros sacramentos e sacramentais, mas as reflexões propostas no quadro que agora está à nossa disposição parecem ser suficientes para nos mostrar como a ação do Espírito Santo em nossa liturgia é essencial para que nela possa ser levada a efeito a nossa salvação.

2. O Espírito Santo manifesta-se em inúmeros elementos da liturgia

Além dos ritos centrais das nossas celebrações litúrgicas e de alguns ritos secundários que acabamos de lembrar, inúmeras outras expressões verbais e simbólicas, e até mesmo o silêncio, mostram a presença e ação do Espírito Santo na liturgia. Mesmo sendo impossível enumerar todos esses elementos, alguns deles, lembrados à guisa de exemplo, já nos mostram que toda a liturgia é um contínuo pentecostes.

 

a) Elementos verbais

Podemos começar esta parte da nossa reflexão recordando as palavras com as quais começamos geralmente as nossas celebrações: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Elas já exprimem e reforçam em nós a fé na presença e ação das três pessoas divinas que operam a salvação que estamos celebrando desde que o espírito de Deus pairava sobre as águas, no início da criação que o Pai realizou pela sua palavra, até o final dos tempos, quando “o Espírito e a esposa dizem: Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 22,17-20), para que o Reino seja entregue ao Pai.

Muitas vezes quem preside uma celebração saúda a assembleia com as palavras finais da segunda carta de são Paulo aos Coríntios: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco” (2Cor 13,13). A última parte dessa saudação é uma verdadeira epiclese. E a assembleia confirma que Deus nos reuniu no amor de Cristo. É o amor de Cristo que o levou a evangelizar os pobres e a entregar sua vida por eles; quer dizer, o amor também do Pai, o amor em pessoa, que é o Espírito Santo, que pousou sobre ele; o mesmo “amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Reparemos nessa saudação as palavras “comunhão do Espírito Santo”. Essa comunhão se pede mais explicitamente nas segundas epicleses das orações eucarísticas da liturgia romana atual. Na segunda oração eucarística, por exemplo, pedimos “que, participando do corpo e do sangue de Cristo sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”.

b) Gestos

Como no caso dos elementos verbais, também dos gestos podemos lembrar somente um ou outro exemplo, além da imposição das mãos e da unção, que já foram analisadas brevemente. Não só a imposição das mãos, mas igualmente sua elevação exprime a ação do Espírito Santo. Como pela imposição das mãos pedimos que ele venha (de cima), assim pela elevação das mãos e dos braços abertos (para cima) nos dirigimos a Deus, ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.

A prostração — que conhecemos, sobretudo do rito das ordenações — é um antigo ritual, às vezes acompanhada por uma fórmula epiclética ou uma imposição das mãos. A genuflexão pode ser vista como uma expressão gestual da exclamação do apóstolo são Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28) ou daquela de são Paulo — dizendo podermos fazê-la somente no Espírito Santo: “Jesus é o Senhor” (1Cor 12,3).

Da reunião em assembleia litúrgica já falamos brevemente ao analisar a saudação paulina do fim da 2ª carta aos Coríntios. Na assembleia reunida podemos realmente ver um novo pentecostes, em que o Espírito Santo reuniu representantes dos mais diversos povos, de modo que todos eles entenderam os apóstolos falar em sua própria língua, uma inversão da torre de Babel, que dispersou a humanidade em povos com línguas diferentes e que não mais se entenderam. De fato, não há outras assembleias debaixo do sol em que se reúnem pessoas de origem e condição tão diferentes como numa assembleia litúrgica.

c) Objetos

O objeto que fala mais claramente do Espírito Santo é certamente o óleo (de oliva ou outro óleo vegetal), usado na liturgia como óleo dos catecúmenos, dos enfermos e do sagrado crisma. Como os gestos que mencionamos, também o óleo é um símbolo bíblico do Espírito Santo. Sobretudo o crisma exprime a presença do Espírito Santo sobre quem é ungido com ele (o batizado, o crismado, o ordenado), como o Espírito pousava sobre o Messias, o verdadeiro Ungido do Senhor.

O bálsamo que é acrescentado ao óleo na confecção e bênção do crisma, exprime o bom odor de Cristo (cf. 2Cor 2,15), que cada cristão ungido pelo Espírito Santo deve irradiar. O mesmo sentido pode ter a água de cheiro, usada sobretudo no Nordeste do Brasil. Também o incenso pode expressar, além da adoração e do sacrifício, o bom odor de Cristo e dos cristãos.

d) O silêncio

O silêncio na liturgia não é uma interrupção da celebração, uma pausa, mas antes um ponto culminante da participação plena na liturgia, o espaço da mais intensa comunhão de vida com Deus. Ele é marcante, por exemplo, nas ordenações. Em silêncio, o bispo impõe as mãos sobre os ordenandos. Tal silêncio é, da nossa parte, expressão da mais profunda disponibilidade para o Espírito Santo e, por outro lado, Deus fala no silêncio. Para ouvi-lo devemos calar. É sumamente conveniente fazer um momento de silêncio depois da proclamação das leituras bíblicas. Um silêncio prolongado depois da comunhão, quase no final da missa, para que pelo Espírito Santo possamos interiorizar o que ouvimos, saborear a comida e a bebida que Deus mesmo nos ofereceu. Só assim a palavra de Deus ouvida e a comunhão recebida trarão frutos em nossa vida.

3. O Espírito Santo nos diversos sacramentos e celebrações

Memória da obra salvífica de Deus, especialmente da morte e ressurreição de Jesus Cristo, se faz em todos os sacramentos e nas demais celebrações litúrgicas, embora às vezes mais explícita e outras vezes mais implicitamente. Em todos os sacramentos, incluindo o matrimônio, temos epiclese. Trata-se de invocação do Espírito Santo, geralmente acompanhada ou precedida pela imposição das mãos.

Na missa, invocamos, em todas as orações eucarísticas, com exceção da primeira, duas vezes o Espírito Santo: imediatamente antes do relato da instituição com a imposição das mãos sobre o pão e o vinho, e, depois da anamnese e oblação, sobre a assembleia.

No batismo, o Espírito Santo é invocado sobre a água batismal. Mesmo se no tempo pascal se usa água abençoada na vigília pascal, reza-se um louvor sobre a água no qual se lembra a ação do Espírito Santo. O batismo mesmo se realiza em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Na unção pós-batismal com o óleo de crisma evoca-se mais uma vez a ação do Espírito Santo, lembrando o novo nascimento da água e do Espírito.

Na confirmação, o rito central consta da invocação, com a imposição das mãos sobre todos os crismandos, do Espírito Santo Paráclito, o Espírito de sabedoria e inteligência, de conselho e fortaleza, de ciência, de piedade e do temor de Deus. O rito essencial é a unção com óleo, acompanhado das palavras: “Recebe, por este sinal, o Espírito Santo, dom de Deus”.

Na penitência, impõem-se as mãos durante a absolvição e menciona-se que Deus enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados.

Nas ordenações, o rito central consta da imposição das mãos em silêncio e da oração consecratória, durante a qual se invoca, por exemplo para os diáconos, o Espírito Santo para o ministério conferido. Na ordenação do bispo unge-se ainda a cabeça do ordenado e do presbítero as mãos.

Na unção dos enfermos, o presbítero impõe as mãos, reza um louvor sobre o óleo dos enfermos abençoado pelo bispo, ou ele mesmo benze o óleo para a unção, em ambos os casos invocando o Espírito Santo, para depois ungir o enfermo pedindo que o Senhor lhe venha em auxílio com a graça do Espírito Santo.

Na celebração do matrimônio, pede-se na bênção nupcial que Deus envie sobre o casal a graça do Espírito Santo, para que, impregnados da caridade divina, permaneçam fiéis na aliança nupcial.

4. Ao longo do ano litúrgico

A presença e ação do Espírito Santo ao longo do ano litúrgico mereceria um estudo à parte. Mas alguns acenos já nos podem mostrar como o Espírito de Deus está sempre presente, desde a celebração da espera da sua primeira vinda, no advento, até a espera da sua volta na glória, no fim do ano litúrgico.

Antes de mais nada devemos lembrar que, durante todo o ano litúrgico, celebramos sempre a memória do mistério pascal de Jesus Cristo e de toda a obra da salvação. Esta salvação foi operada na força do Espírito Santo. Vários momentos desta ação do Espírito na história de Deus com a humanidade são celebrados explicitamente durante o ano. Por exemplo, na anunciação do Senhor, que comemoramos também no advento, além da preparação da encarnação do Filho de Deus no Antigo Testamento, particularmente por meio dos profetas. Explicitamente festejamos a ação do Espírito Santo na história da salvação também na festa do batismo do Senhor. Nos primeiros domingos do tempo comum lembramos como Jesus, na força do Espírito, assumiu sua missão de evangelizar os pobres, de curar os doentes, de revelar a todos o amor do Pai para conosco — que é, em pessoa, ele mesmo, o Espírito de Deus.

No primeiro domingo da quaresma acompanhamos Jesus sendo tentado no deserto, para onde o conduziu o Espírito (cf. Lc 4, 1). No segundo domingo da quaresma estamos com Jesus no monte Tabor, onde ele nos mostra a obra redentora completa, que se realizará também em nós. No terceiro, quarto e quinto domingos da quaresma do ano A acompanhamos os catecúmenos em sua caminhada para a páscoa, guiados também nós pelo Espírito, que se manifesta nos pontos altos dos evangelhos da samaritana, do cego de nascença e de Lázaro ressuscitado, anunciando-nos a obra do Espírito na água do batismo — a ser recebido pelos catecúmenos e renovado na noite pascal pelos já batizados.

No tríduo pascal, no tempo da páscoa e em pentecostes comemoramos a vinda do Espírito Santo sobre a Igreja nascente, vinda que se atualiza também em nossas celebrações.

Na segunda parte do tempo comum é o Espírito Santo que nos faz entender as Escrituras, que nos possibilita a comunhão com o Pai e nos fala através do seu Filho. E é no Espírito Santo que podemos sempre de novo dar a nossa resposta de filhos ao Pai, chamando-o de Abba, em nossas celebrações e em nossa vida, até que no fim do ano litúrgico o Espírito clama com a esposa, que somos nós, a Igreja: “Vem, Senhor Jesus!” (cf. Ap 20,17.20).

Também nas festas marianas, da mãe de Jesus, e dos outros santos e santas, celebramos a obra do Espírito Santo, que levou esses nossos semelhantes àquela santidade que só Deus, através do seu Espírito, pode operar.

No entanto, o Espírito Santo está presente ao longo do ano litúrgico não apenas como aquele que preparou e cooperou com Jesus Cristo na obra da salvação da humanidade; ele coopera também conosco de modo que haja verdadeira memória, atualização eficaz desta salvação na Igreja e no mundo. Pois é nele que nos atinge aquilo que comemoramos. É através dele que a obra da salvação é levada a efeito em nós.

5. O Espírito Santo na piedade popular

Embora o Concílio Vaticano II não tenha incluído a piedade popular na liturgia em sentido próprio, na realidade é difícil marcar claramente uma linha de divisa entre liturgia e piedade popular, sobretudo quando — como o faz o Concílio — consideramos os sacramentos como pertencentes à liturgia.

Sintomático é, nesse sentido, o documento final de Puebla, que trata da liturgia, da oração particular e da piedade popular num único capítulo.

Se lembramos a história, particularmente a origem das devoções populares como o terço e o anjo do Senhor, constatamos que elas surgiram como liturgia popular. Mais ainda, se levamos em conta o sentido e conteúdo dessas devoções, como poderíamos negar que aqueles que só nelas se sentem na presença e em comunhão com Deus, assim possam ser salvos? Tal negação não é possível, porque não podemos excluir que o Espírito Santo esteja presente e atuante também nas devoções populares. Isso importa mais do que saber se uma devoção merece ou não a qualificação de “litúrgica”.

Quando começamos nossas orações ou nosso dia “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, ou quando concluímos um salmo ou outra oração com o “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, quando assim nos abrimos para Deus por força do seu Espírito, ele está presente. Isso vale ainda mais quando no terço contemplamos os mistérios da encarnação, da paixão e morte e da glorificação do Senhor, quer dizer, a obra que realizou no Espírito. Por que ele estaria menos presente nessas orações devocionais do que na liturgia das horas, que elas queriam substituir? Uma razão é porque a liturgia das horas tinha-se tomado inacessível para o povo simples.

Qual a diferença qualitativa, por exemplo, da oração do hino “Vinde, Espírito Criador”, rezado por um leigo ou quando rezado por um ministro ordenado ou um monge, quando eles o rezam na liturgia das horas?

Não há motivo para duvidar de que o Espírito Santo esteja presente também em tais devoções e que ele santifique também esses devotos.

6. O Espírito Santo na vida que celebramos na liturgia

Agora não se quer dizer que toda a vida seja liturgia. Assim não usaríamos mais o termo “liturgia” no seu sentido próprio. Mas, como levamos a vida para dentro da liturgia, agradecerão aquilo que vivemos de bom e pedindo perdão por aquilo que omitimos ou não fizemos bem, como as nossas súplicas brotam dos nossos problemas, dificuldades e sofrimentos, assim a liturgia tem também sua repercussão na vida, se ela for autenticamente celebrada. A liturgia cristã não pode estar desligada da vida, já que Cristo na última ceia celebrou sua vida e morte e nos disse que devemos fazer o mesmo em memória dele. A liturgia é o ponto culminante para o qual tende toda a vida e ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde provém toda a sua força (cf. SC 10).

Não é sem razão que na própria liturgia se estabelece, às vezes, explicitamente um paralelo entre a ação do Espírito Santo na criação do mundo e a transformação do mundo em Reino de Deus, numa nova criação. Lembremos a esse respeito a reflexão tantas vezes repetida na festa de pentecostes: Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e tudo será criado, e renovareis a face da terra.

Quantos impulsos para o advento de um mundo novo surgem também em nossos dias das celebrações das nossas comunidades! Ou pensemos nos incentivos que nos são dados por João Paulo II, como o fizeram também seus antecessores!

A fonte de tudo isso não estaria na liturgia?

7. O Espírito Santo na inculturação da liturgia

Menos ainda do que sobre os outros aspectos da presença e ação do Espírito Santo na liturgia, pode-se apresentar uma reflexão abrangente com respeito à inculturação. Certamente não podemos negar que o Espírito Santo tenha renovado a nossa liturgia também nas décadas pós-conciliares. Parece que isso vale ainda mais no Brasil do que em outras partes do mundo, embora os passos que se deram em nosso país para uma inculturação oficial sejam, por enquanto, tímidos.

Podem-se comparar as nossas celebrações de hoje às de antes do Concílio Vaticano II. Ou, então, as celebrações realizadas no Brasil — sobretudo as das CEBs —, com as liturgias da Europa e do norte da América. Pode-se perceber aí — para usar as palavras do Papa Pio XII a respeito do movimento litúrgico — “o passo do Espírito Santo na Igreja” aqui e agora.

***

Depois do que refletimos sobre o Espírito Santo na liturgia, não podemos mais duvidar da presença do Espírito Santo em nosso coração, no coração da Igreja e do mundo, sobretudo quando estamos reunidos na celebração da liturgia. O dom de Deus por excelência, o Espírito Santo, e todos os seus dons, estão sendo derramados sobre aqueles que não se fecham diante dele. Também e, sobretudo, na liturgia podemos continuar nossa caminhada com o nosso grande defensor e consolador, cheios de esperança, pelo terceiro milênio adentro.

Pe. Gregório Lutz, cssp

 

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