Os Sete Dons do Espírito Santo
para Santo Agostinho
"Vós, porém, tendes recebido a unção que vem do Santo, e todos
possuís a ciência. Quanto a vós, a unção que recebestes dele permanece em vós,
e não tendes necessidade de que alguém vos ensine." (1 Jo 2, 20.27)
A "Corrente de Graça",
anteriormente chamada "Renovação Carismática", permitiu
redescobrir a importância e o papel dos carismas na Igreja e, a partir daí, a
importância da oração e a redescoberta da vida no Espírito. Hoje em dia há
certamente uma necessidade de redescobrir o lugar e o papel dos Dons do
Espírito Santo na vida cristã ordinária. O cristão comum oscila, por vezes,
entre uma práxis social moralizante, vivida com as suas próprias forças e uma
vida espiritualista desencarnada.
A relação de aliança entre as
sete exigências das Bem-aventuranças e a ajuda dos Dons do Espírito Santo
parece-me ser uma mensagem útil e um conselho inspirado do Doutor de Hipona
para a nossa vida cristã atual. Os Padres gregos já tinham atribuído a Cristo
os sete dons do Profeta Isaías, como rebento do tronco de Jessé. Mas Agostinho
foi o primeiro a reunir os dois textos de Mateus e Isaías, atribuindo
posteriormente os Dons do Espírito Santo aos próprios cristãos.
De acordo com Pinckaers, o
Evangelista São Mateus aparentemente não pensava neste texto de Isaías quando
escreveu as Bem-aventuranças, mas sim no capítulo 61 do Profeta Isaías, que
fala do Espírito que repousa sobre o Ungido do Senhor, que Jesus irá ler na
Sinagoga de Nazaré, no início do seu ministério (cf. Lc 4,1ss).
"Seja como for, a intuição de Agostinho é, na realidade, profundamente
cristã e muito rica. Marcará e alimentará toda a teologia ocidental
relativamente à moral cristã, e isto, até aos tempos modernos." ¹²
Para Agostinho, é evidente que
o cristão não pode percorrer o caminho das Bem-aventuranças e das sucessivas
etapas da vida cristã sem a graça e a ajuda do Espírito Santo. Para ele, como
para São Paulo e os Padres gregos, a vida cristã normal é uma vida segundo o
Espírito. O próprio Agostinho experimentou a necessidade e o poder da graça do
Espírito Santo, como se vê no relato da sua conversão, nas Confissões.
Compreendeu a sua vida à luz das Bem-aventuranças, e irá projetar nova luz
sobre a vida cristã, utilizando o texto de Isaías para descrevê-la a partir da
ação do Espírito Santo.
"Ele relaciona as Bem-aventuranças e os Dons do Espírito Santo como
duas escadas paralelas, ou melhor, como dois montantes cujos degraus se
encaixam para formar uma única escada de sete graus da vida cristã."¹³
Esta apresentação das
Bem-aventuranças como os "degraus" de uma escada para Deus já foi
adotada por São Gregório de Nissa (335-394) alguns anos antes.
"A série de Bem-aventuranças começa por baixo, com a humildade,
enquanto a série de dons segundo Isaías começa por cima, com a sabedoria, e
depois desce ao temor de Deus, que volta para a humildade."
No Sermão 347, Agostinho
explica a diferença da seguinte forma: "O profeta Isaías (...) quis, ao
que parece, descer até nós para nos ensinar a nos erguer. Ele começou com o fim
que queremos alcançar, e assim, chegou ao degrau por onde devemos
começar".
Um filósofo disse: "É
preciso uma força, e não um saber, para dominar a vontade" ¹⁴. E é precisamente sobre este
ponto de vulnerabilidade que devemos descobrir a ajuda e os socorros do
Espírito Santo. Obtemos assim uma correspondência entre as Sete
Bem-aventuranças e os sete Dons do Espírito Santo, para que possamos
estabelecer uma relação entre cada um deles:
– A Humildade (ou Pobreza)
com → Temor de Deus;
– A Mansidão com → Piedade;
– As Lágrimas com → Ciência;
– A Fome e sede de justiça
com → Fortaleza;
– A Misericórdia e o Conselho
com → Pureza de coração;
– A Inteligência com → Paz
e Sabedoria.
Quanto à oitava
Bem-aventurança, que se soma à sétima e permanece como que fora dela,
Agostinho considera que faz a ligação da unidade com o início, com a primeira
Bem-aventurança, e manifesta → o homem perfeito.
De fato, explica Pinckaers,
esta oitava e última Bem-aventurança retoma a promessa do Reino dos Céus da
primeira Bem-aventurança e forma com ela uma inclusão
Bem-aventuranças e Dons do
Espírito Santo em Santo Tomás
Santo Tomás meditou
profundamente sobre o ensino de Agostinho e amplificou a relação entre as
Bem-aventuranças, as virtudes e os dons.
"Ele estuda as virtudes, os dons e as Bem-aventuranças por sua vez,
acrescentando os frutos do Espírito Santo."¹⁵
"Santo Tomás concorda
plenamente com Agostinho que a vida cristã requer a ajuda do Espírito Santo e
dos seus dons, tal como expõe o texto de Isaías."¹⁶
"Contudo, a fim de definir
e organizar os Dons, ele não partirá das Bem-aventuranças, mas das virtudes
teológicas e morais; a consideração das Bem-aventuranças só virá
posteriormente."
"Ao contrário das
virtudes, que são disposições para agir por iniciativa própria, os Dons são
disposições para receber a ação do Espírito Santo. São inspirações ainda mais
do que Dons, de acordo com o termo 'spiritus' usado por Isaías." ¹⁷
Santo Tomás usa a expressão
"instinctus", instintos, para descrever os Dons do Espírito, e isto
ocorre doze vezes (nos dois primeiros artigos da pergunta 68).
"Os dons são acrescentados às virtudes teologais de uma forma
necessária porque a ação do Espírito Santo é indispensável para realizar ações
perfeitas em vista da Bem-aventurança sobrenatural; a nossa iniciativa, por si
só, não pode ser suficiente devido ao modo imperfeito em que as nossas
virtudes, aqui na terra, são governadas pela fé e pela esperança." ¹⁸
Os Dons são, portanto,
necessários para a salvação e a "herança daquela terra dos
Bem-Aventurados ninguém a pode alcançar se não for movido e conduzido pelo
Espírito Santo" ¹⁹
Pinckaers comenta uma
consequência óbvia: "Os Dons do Espírito Santo não são graças
adicionais, facultativas ou extraordinárias; são indispensáveis para o pleno
exercício das virtudes cristãs e para alcançar a Bem-aventurança prometida pelo
Evangelho" ²⁰
Em outras palavras, os Dons são
necessários para percorrer o caminho das virtudes ou Bem-aventuranças, como
Agostinho bem tinha visto. Ao comentar as Bem-aventuranças ²¹, Santo Tomás
mostra como cada uma se realiza pela virtude e de uma forma mais perfeita, pelo
dom correspondente. Sistematicamente, a cada virtude principal Santo Tomás
acrescenta um Dom do Espírito Santo, ao qual consagrará uma pergunta especial
tendo o cuidado de relacioná-los, cada vez, com uma Bem-aventurança.
"Assim os Dons do Espírito Santo são, para Santo Tomás, parte
integrante e necessária da moral cristã; eles exercem o seu papel em todo o
domínio das ações humanas, das mais elevadas às mais humildes."²²
"Consequentemente, os Dons
do Espírito Santo serão concedidos a todos os cristãos como virtudes teologais
e morais infusas, na medida em que todos são chamados à perfeição da caridade e
à Bem-aventurança em Deus, no Reino dos Céus." ²³
Sem dúvida que o trabalho
próprio dos Dons é dispor os cristãos a uma perfeição superior; contudo, nada
mais é necessário para este trabalho do que ter fé, esperança e caridade, sem
esquecer a humildade e acima de tudo, pô-la em prática.
Os Dons do Espírito Santo não
são para uma elite, mas para os pobres e os humildes
"Assim também o Espírito
socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o
próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis." (Rm 8, 26)
"Estes Dons do Espírito
são 'disposições permanentes', tornando a alma capaz de captar as inspirações
livres do Espírito que, em tempos difíceis, estão prontos a vir em nosso
auxílio." ²⁴
Sem dúvida, a lei é um
princípio externo dos atos humanos, diferentemente das virtudes, porque tem a
sua origem fora do homem, acima dele, no nosso caso, em Deus que se revela
através de Cristo.
"No entanto, Santo Tomás
fará da Lei evangélica, contrariamente à opinião comum do seu tempo, uma lei
interior, inscrita no coração, 'indita', dando-lhe como elemento principal a
graça do Espírito Santo recebida através da fé em Cristo e operando através da
caridade (...) A ação do Espírito Santo, exercida por meio das virtudes
teologais e dos dons, é constitutiva, em primeira ordem, da nova Lei; torna-se,
portanto, o principal elemento específico da moral cristã." ²⁵
Finalmente, Santo Tomás retomou
diretamente a intuição de Agostinho ao fazer do Sermão da Montanha o texto
específico da Nova Lei que trata do seu conteúdo: "O Sermão do Senhor
da Montanha contém toda a 'informação' da vida cristã. Ele ordena os movimentos
interiores do homem até à perfeição” ²⁶.
"Assim, o Sermão da Montanha irá substituir o Decálogo e tornar-se
o texto específico da Lei Nova ou Evangélica, ou seja, da moral cristã
estabelecida na Suma Teológica, que está bem de acordo com a doutrina da
justiça plenária estabelecida no próprio Sermão." ²⁷
Santo Tomás organizará o Sermão
de acordo com a caridade, que é a "forma" das virtudes, em três
partes: caridade para com Deus, caridade para consigo mesmo e caridade para com
o próximo. Esta é uma forma perfeitamente agostiniana de ver as coisas, pois
toda a Escritura deve ser interpretada em vista da caridade²⁸.
Os Dons divinos que temos de
usar para nos apoiar e ajudar ao longo da nossa peregrinação terrena são: Em
primeiro lugar, as virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade
(que são pressupostas para os dons e que sustentam esses dons).
Com os Dons do Espírito
(que sustentam a vida contemplativa) que lhes correspondem:
– O Dom da Ciência
(parte de tudo o que é criado até ao Criador), está ligado à fé;
– O Dom da Inteligência
(penetra nas profundezas do mistério de Deus), está ligado à esperança;
– O Dom da Sabedoria
(para ver as coisas com os olhos de Deus), está ligado à caridade. Depois, as
virtudes morais infusas de: temperança, força, justiça e prudência,
dispostas por Deus na alma num estado de graça. Deus reforça estas virtudes com
os dons que lhes correspondem: temor, força, piedade, conselho.
– O Dom do Temor ilumina
a virtude da temperança;
– O Dom da Força ilumina
justamente a virtude com o mesmo nome;
– O Dom da Piedade
ilumina a virtude da justiça;
– O Dom do Conselho
ilumina a virtude da prudência
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