Mateus 13,1-23: A semente que cai em diferentes solos
As
parábolas revelam a força do Reino (Mt 13,1-3)
Parábola vem do grego parabolê, verbete
formado por duas palavras. Uma delas é pará,
cujo significado é “ao lado de”, “ao longo de”, “para além de”, como, por
exemplo, em parapsicologia. A outra é bolê,
que vem do verbo grego que significa “jogar”, “lançar”, como, por exemplo, em
símbolo (jogar junto, unir) e diabo (do grego, diábolos, “jogar através”,
“dividir”). Portanto, parábola quer dizer jogar para além de, lançar ao longo
de. A parábola sinaliza algo além, provoca uma busca de algo mais profundo. É
como o retrovisor de um carro. Olhamos para ele não para deter nosso olhar em
seu formato, mas para alcançar o lugar além dele, para onde seu espelho
orientar a nossa visão.
Os capítulos 11 e 12 de Mateus
descrevem a prática libertadora de Jesus de Nazaré, a partir da qual “os cegos
veem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam e os pobres são evangelizados” (Mt 11,5). Essa prática provocou a
oposição de autoridades que tentaram desacreditar Jesus e buscar uma forma de
“levá-lo à morte” (Mt 12,1-2.14.24).
No capítulo 13, Jesus ilustra essa
prática contando parábolas, cuja mensagem principal é revelar o mistério e a
força do Reino agindo como semente que fecunda a vida em meio a projetos em
conflito. Parábolas são narrativas alegóricas, figuradas, e querem transmitir
uma mensagem, como que “lançando a pergunta” para que a pessoa ouvinte conclua.
Conduzem-nos para além da imagem, para realidades mais profundas. São um
convite ao discernimento: “Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 13,9; cf. 11,15;
13,43). Busquemos, pois, o sentido dessas figuras na parábola da semente que
cai em diferentes solos.
Quem compreende e quem não entende as
parábolas (Mt 13,10-17)
Mateus
13,10-17 é uma inserção entre a parábola do semeador (vv. 4-9) e a sua
explicação (vv. 18-23). Com essa narrativa, a comunidade mateana quer
revelar-nos a razão pela qual há pessoas que, por não terem fé, não compreendem
as parábolas. Por não acreditarem, não ouvem, nem veem (v. 13). Por isso, não
aderem à boa nova libertadora de Jesus. Vale também o inverso: por terem outro
projeto de vida, as pessoas acabam ou tapando os seus ouvidos ao entendimento,
ou fechando seus olhos para não perceberem o óbvio e se manterem em seu projeto
de sociedade excludente. Em consequência, por terem um coração insensível (v.
15), acabam perdendo o que têm, tornando-se pessoas alienadas que facilmente se
vendem a qualquer projeto que lhes dê privilégios, pois rejeitaram Jesus. São
como o terreno à beira do caminho, deixando-se levar pelo maligno e aderindo ao
projeto dele, cujo fundamento é a injustiça.
Por outro lado, a comunidade de Mateus
mostra-nos por que são felizes as pessoas que aderem ao projeto do Reino.
Compreendem, porque acreditam, confiam e têm espírito aberto. E por aderirem a
Jesus, uma vez que têm coração sensível, seus ouvidos ouvem e seus olhos
enxergam ainda melhor (v. 16). Com consciência esclarecida, buscam sempre mais
aproximar-se da terra boa, que produz frutos, muitos frutos de justiça.
O Reino é dom e tarefa
(Mt 13,4-9)
Ao contar a parábola do semeador e dos
diferentes solos, Jesus revela sua consciência em relação à realidade dos
camponeses de seu tempo. Ele mesmo era um deles. Nem todos os camponeses tinham
acesso às terras boas, controladas pelos que tinham mais poder. Muitas famílias
tinham que se contentar com terras pedregosas. Havia ainda aquelas famílias que
não tinham terra, de modo que lhes restava semear à beira dos caminhos.
Com esta parábola, Jesus quer
ensinar-nos que o Reino é dom de Deus e não depende só de nossos esforços. A
semente, a sua Palavra de vida, é lançada pelo próprio Deus. A ação do Espírito
é como a energia do vento que sopra em todas as partes (Jo 3,8). É como a
semente que germina por si só (Mc 4,26-29). E ainda, a força do Reino é
comparável com a energia da semente de mostarda que, sendo “a menor de todas as
sementes, cresce e se torna maior que todas as outras hortaliças” (Mt 13,32).
Portanto, fazer parte da comunidade de Jesus é acreditar nessa graça de Deus
que age em e através de nós.
De outra parte, acreditar nessa graça
de Deus atuante em nós é uma postura de fé, que depende do nosso compromisso
com o projeto de Jesus, enquanto buscamos ser seus discípulos, acolhendo a
Palavra e gerando frutos em terra boa. Os frutos do Reino não dependem somente
do dom de Deus, mas derivam também de uma espiritualidade engajada. A força do
Espírito é como a chuva que desce das nuvens. Se ela cai no asfalto, ali
dificilmente fará germinar vida. No entanto, se ela cair sobre a terra,
tornando-a fecunda, fará brotar a vida de múltiplas formas. Para ouvir a voz do
vento (Jo 3,8), para ouvir a voz do pastor e abrir a porta (Jo 10,3-4; Ap 3,20)
é preciso buscar, fazer silêncio para entrar em sintonia com Deus.
As diferentes reações de quem escuta a
Palavra (Mt 13,18-23)
Em dois momentos, as comunidades
aplicam a parábola contada por Jesus à rejeição de sua Palavra, bem como ao seu
seguimento.
Na primeira parte, as comunidades
apresentam-nos três posturas de vida que tornam a Palavra infrutífera: (1) quem
não entende a Palavra, (2) quem sucumbe frente à perseguição e (3) quem está
apegado às riquezas.
1) Seremos como a
terra da beira do caminho quando ouvimos a Palavra do Reino, mas não a
compreendemos, fechando-nos ao discernimento. Logo, vem o maligno e arranca a
Palavra semeada (Mt 13,19). O maligno é toda força inimiga da vida, adversária
de Deus e que nos seduz, afastando-nos do caminho de vida para colocar-nos sob
a escravidão da riqueza (Mt 6,24). Como exemplos de coisas que impedem a
compreensão do projeto de Deus e tentam afastar-nos do seu caminho, citemos o
espírito de consumismo e prestígio, de poder e cobiça. Essa ideologia diabólica
tenta fazer de nós pessoas alienadas, dirigidas por forças externas, impedindo
a ação do Espírito divino que nos torna livres, uma vez que “o Senhor é
Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17).
2) Seremos como o
terreno cheio de pedras (Mt 13,20-21), se ouvimos a Palavra com alegria, mas
logo desistimos por medo da tribulação e da perseguição por parte das autoridades
e de todos que não aceitam o projeto da justiça do Reino para todas as pessoas.
Nesse caso, nosso testemunho não passa de “fogo de palha”. O contexto das
comunidades, quando este evangelho é escrito, é de perseguição que levava
muitos cristãos a voltar atrás em seu seguimento da boa nova do Nazareno.
3) Seremos como o
terreno entre espinhos (Mt 13,22), quando ouvimos a Palavra, mas deixamos
dominar-nos pelas preocupações do mundo, pela ilusão da riqueza e outros
desejos egoístas, como o luxo e a vida fácil. Dessa forma, a Palavra da boa
semente não tem como produzir frutos, pois apegamos-nos a falsas seguranças.
Na segunda parte, as comunidades
apresentam-nos a opção pelo seguimento da Palavra, gerando frutos de vida.
Por fim, seremos terra boa (Mt 13,23)
quando ouvimos a Palavra e a acolhemos, isto é, comprometemo-nos com o projeto
de Jesus. A semente germina, cresce e frutifica somente quando receber a chuva
do alto e se for acolhida em terra boa, cá embaixo. A chuva do alto e a Palavra
são graça, dom. Mas acolher a semente em terra boa para que dê frutos, isso
está em nossas mãos.
Que
a tua graça, ó Deus de amor, empodere-nos na luta contra o maligno, diante das
perseguições deste mundo injusto e diante do desejo de todas as formas de
riqueza. E que a tua ternura fortaleça-nos no seguimento de teu Reino, ao ponto
de produzirmos frutos de justiça. Amém!
https://cebi.org.br/biblia/mateus-131-23-a-semente-que-cai-em-diferentes-solos-ildo-bohn-gass/
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