REFLEXÃO
DOMINICAL II
14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – A
A liturgia de hoje nos pede que
procuremos o Senhor com a simplicidade do nosso coração.
O contexto em que o Evangelho de hoje(cf. Mt
11,25-30) se situa é aquele em que Jesus acaba de censurar as cidades da
Galiléia por causa de sua auto-suficiência e orgulho. Em oposição a este
orgulho, surge a figura do Messias humilde, de revelador de Deus que se dirige
aos simples e pequeninos.
O Evangelho deste
domingo se aproxima muito do discurso de Jesus na última Ceia. Ele nos revela o
modo de rezar de Jesus, como grande lição de vida e, por outro lado, está um
dos momentos em que Jesus revela Deus Pai, seu Pai, e se declara Filho deste
Pai. Com esta revelação, Jesus toca no ponto central de toda a sua pregação: o
fato de Deus ser Pai, Pai sobretudo dele, e através desta paternidade, Pai de
todos os que têm fé no “Cristo
Senhor”.
Para entender o mistério é necessário ter um
coração aberto, um coração simples, como de criança. Aqui neste convite
encontramos um auto-retrato de quem quer ser discípulo ou apóstolo de Jesus.
Caros irmãos,
O Livro
de Zacarias é um livro profético com catorze capítulos. Atualmente, os
estudiosos da Bíblia são unânimes em reconhecer que entre os oito primeiros
capítulos e os restantes há uma diferença tão grande em contextos, estilo,
vocabulário e temática, que devemos falar de dois livros em um e de dois
autores diversos. Dado que não conhecemos o nome do autor do segundo livro
(capítulos 9-14), convencionou-se chamar-lhe o “Deutero-Zacarias”. É ao
“Deutero-Zacarias” que pertence este texto que hoje nos é proposto. Em que
época foram escritos esses textos atribuídos ao Deutero-Zacarias? As opiniões
são divergentes; no entanto, a maioria dos comentadores coloca estes oráculos
no final do séc. IV ou princípios do séc. III a.C.. O ambiente é claramente
pós-exílico. O contexto parece revelar a época posterior às vitórias de
Alexandre da Macedónia, quando o Povo de Deus estava integrado no império helênico.
O livro do “segundo Zacarias” está marcado por um forte acento messiânico.
Refere-se, com frequência, à figura do Messias, apresentado como rei, como
pastor e como servo do Senhor. Na primeira parte (cf. Zc 9,1-11,7), o profeta
anuncia a intervenção definitiva de Deus em favor do seu Povo, na figura do
Messias; na segunda parte (cf. Zc 12,1-14,21), os oráculos descrevem a salvação
e a glória futura de Jerusalém.
Na primeira leitura – 1 Zc 9,9-10, O
Deutero-Zacarias descreve, neste oráculo, o regresso do rei vitorioso a
Jerusalém. A cidade é convidada a alegrar-se e regozijar-se pois o seu rei,
“justo e salvador”, chegou. A entrada triunfal desse rei justo e vitorioso é,
no entanto, humilde e pacífica: ele não cavalgará um cavalo de guerra (símbolo
do militarismo), mas um “jumentinho, filho de uma jumenta”. A atitude deste
“rei” contrasta claramente com as exibições de força, de poder, de
agressividade dos grandes do mundo.
No entanto, paradoxalmente, este “rei” humilde e pacífico terá a força para
destruir a guerra (ele aniquilará os instrumentos de morte – os carros de
combate, os cavalos de guerra, os arcos de guerra) e para proclamar a paz
universal. O seu “reino” irá “de um mar ao outro mar” e do “rio” (Eufrates)
“até aos confins da terra” (isto é, abarcará a totalidade do mundo antigo).
O Deutero-Zacarias deixa clara a preocupação
de Deus com a salvação do seu Povo. Na fase em que o profeta leva a cabo a sua
missão, o Povo de Deus conhece uma relativa tranquilidade; mas é um Povo
subjugado, manipulado, impedido de escolher livremente o seu destino e de
construir o seu futuro. É nesse contexto que o profeta anuncia a chegada de um
rei “justo e salvador”, que vem ao encontro do Povo para o libertar e para lhe
oferecer a paz (“shalom” – no sentido de harmonia, bem-estar, felicidade
plena). Ora, Deus não perdeu qualidades, nem mudou a sua essência. O Deus que
assim atuou ontem é o Deus que assim atua hoje e que assim atuará sempre. Ao
longo da nossa caminhada de todos os dias, fazemos frequentemente a experiência
do desencanto, da frustração, da privação de liberdade. Sentimo-nos, tantas
vezes, perdidos, sem esperança, incapazes de tomar nas mãos o nosso futuro e de
dar um sentido à nossa vida. Nessas circunstâncias, somos convidados a
redescobrir esse Deus que vem ao nosso encontro, que restaura a nossa esperança
e nos oferece a paz.
Uma certa visão “americanizada” do mundo e da
vida defende a necessidade de armar exércitos formidáveis, de gastar uma
considerável fatia do orçamento das nações em instrumentos de morte cada vez
mais sofisticados, para impor, pela força e pelo medo, a paz e a segurança do
mundo. O Deutero-Zacarias diz-nos que a lógica de Deus é outra: Ele chega
desarmado, pacífico, humilde, sem arrogância e é, dessa forma, que Ele salva e
liberta os homens.
A história da salvação mostrou, muitas vezes,
que é através dos pequenos, dos humildes, dos pobres, dos insignificantes que
Deus atua no mundo e o transforma. Deus está mais na viúva que lança no tesouro
do Templo umas pobres moedas do que no capitalista que preenche um cheque
chorudo para pagar os vitrais da nova igreja da paróquia; Deus está mais no
gesto simples do pacifista que oferece uma flor a um soldado do que na
violência daqueles que lutam de armas na mão contra os “maus”; Deus está mais
no olhar límpido de uma criança do que na palavra poderosa de um pregador
inflamado que “sabe tudo” sobre Deus.
Meus irmãos,
Rezar pressupõe aceitar o plano de Deus. A
oração se confunde com a própria experiência de Deus. E a experiência de Deus é
totalmente pessoal, única de cada um, irrepetível, singular.
Jesus agradece ao Pai. Nesse agradecimento
está a aceitação do plano de Deus. Esse passo de inteligência e do coração só
consegue dar quem se considera pequenino, vazio de preconceitos, transparente
como uma gota de orvalho. Jesus ensina que, para rezar verdadeiramente ao Pai,
devemos ter o coração desarmado de interesses egoístas e prontos a aceitar o
plano de Deus, ainda que difícil de entender.
Irmãos e Irmãs,
Todos nós somos convidados a sermos íntimos
do Pai, pela oração e pelo seguimento de Jesus Cristo.
Jesus fala com Deus
em tom coloquial e o chama de Pai. Aí está uma das grandes novidades que Jesus
Cristo trouxe: Deus é Pai no mais pleno sentido da palavra. Não apenas porque é
criador e Senhor de tudo o que há nos céus, na terra e debaixo da terra. Mas é
um Pai em comunhão conosco, um Pai, porque seu Filho bendito assumiu a carne
humana, e nela a todos nós. Um Pai familiar, acessível. Em outra ocasião, Jesus
o chamou de “papai” ou “paizinho”(cf. Mc 14,36).
Por causa de Jesus todos nós podemos ter a
mesma intimidade com Deus, porque Deus em Jesus Cristo nos adotou por filhos.
Talvez nos falte uma consciência maior desse imenso dom de Deus: o de sermos um
só corpo com o Cristo, ou, na figura do próprio Jesus, ramos de um só e mesmo
tronco, que é Ele.
Prezados irmãos,
Na Segunda Leitura – Rm 8,9.11-13, Jesus,
o Deus/Homem, gastou a vida a cumprir o projeto do Pai de dar vida ao homem. A
sua ação acabou por chocar com os interesses dos senhores do mundo, e Ele foi
morto na cruz. No entanto, essa morte na cruz não foi o “fim da linha”: o Espírito
de Deus, sempre presente em Jesus, ressuscitou-O (pois, no projeto de Deus, o
oferecer a vida para concretizar o plano do Pai não pode gerar morte, mas vida
plena e definitiva). Ora, Jesus ofereceu aos seus discípulos o mesmo Espírito.
Os discípulos têm de estar conscientes de que, se viverem como Jesus e se
fizerem da vida um dom a Deus e aos irmãos, receberão essa mesma vida nova e
definitiva que o Espírito deu a Jesus. Sobretudo, São Paulo convida os cristãos
a tirarem as conclusões práticas desta realidade: se viverem “segundo a carne”,
morrerão (isto é, não encontrarão a vida definitiva); mas se viverem segundo o
Espírito, ressuscitarão para a vida nova.
Temos aqui uma das mais interessantes e sugestivas antíteses paulinas: a
“carne” e o “Espírito”. Viver “segundo a carne” é, na perspectiva de Paulo,
viver em oposição a Deus – ou seja, viver fechado a Deus, numa vida de egoísmo,
de autismo, de autossuficiência que leva o homem a prescindir dos mandamentos,
das propostas e dos valores de Deus; “viver segundo o Espírito” é, na
perspectiva de Paulo, viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e
sugestões, na obediência aos projetos de Deus e na doação da própria vida aos
homens. Os cristãos são, portanto, veementemente exortados por Paulo a fazerem
a sua escolha. Sobretudo, Paulo está interessado em demonstrar aos crentes que
só o seguimento de Cristo garante ao homem a vida definitiva.
À luz dos critérios que hoje presidem à
construção do mundo, a vida de Jesus foi um rotundo fracasso. Ele nunca
desempenhou qualquer cargo público nem teve jamais conta num banco qualquer;
mas viveu na simplicidade, na humildade, no serviço, sem ter para si próprio
uma pedra onde reclinar a cabeça. Ele nunca foi apoiado pelos “cabeças
pensantes” da sua terra; apenas foi escutado pela gente humilde, marginalizada,
condenada a uma situação de escravidão, de pobreza, de debilidade. Ele nunca se
proclamou chefe de um movimento popular; apenas ensinou, àqueles que O seguiam,
que Deus os ama e que quer fazer deles seus filhos. Ele nunca se sentou num
trono, a dar ordens e a distribuir benesses; mas foi abandonado por todos,
condenado a uma morte infame e pregado numa cruz. No entanto, Ele venceu a
morte e recebeu de Deus a vida plena e definitiva. Paulo diz aos crentes a quem
escreve: não vos preocupeis com aqueles valores a que o mundo chama êxito,
realização, felicidade; mas tende a coragem de gastar a vida do mesmo jeito de
Jesus, a fim de encontrardes a vossa realização plena, a vida definitiva.
Minhas irmãs e meus irmãos,
O Evangelho
responde: “conhecemos” Deus através de Jesus. Jesus é “o Filho” que
“conhece” o Pai; só quem segue Jesus e procura viver como Ele (no cumprimento
total dos planos de Deus) pode chegar à comunhão com o Pai. Há crentes que, por
terem feito catequese, por irem à missa ao domingo e por fazerem parte do
conselho pastoral da paróquia, acham que conhecem Deus (isto é, que têm com Ele
uma relação estreita de intimidade e comunhão). Só “conhece” Deus quem é
simples e humilde e está disposto a seguir Jesus no caminho da entrega a Deus e
da doação da vida aos homens. É no seguimento de Jesus – e só aí – que nos
tornamos “filhos” de Deus.
O Evangelho de hoje é o da simplicidade como
meta de cumprimento da Lei. A Lei que é feita para ajudar, para purificar,
para salvar as almas e para promover a pastoral.
O coração puro não é um tesouro de moralidade
com que quiséramos presentear Deus e que nos daria o direito de vê-lo face a
face. É puro e simples o coração que sabe que tudo é dom gratuito de Deus e
tudo deve ser gratuito.
Jesus é o rei prometido, que traz plena
alegria a Jerusalém. É pobre, vem montado num jumento, dispensa todas as armas
de guerra. Sua força é a mansidão e a humildade. A sua palavra é de paz para
todas as nações. O contingente de seu exército não é composto basicamente dos
sábios e dos entendidos. São os pequeninos, que rejeitam seus próprios fardos
de glória, de poder, e se armam com os fardos leves de Jesus: a mansidão e
humildade. São os seus discípulos, que continuam na história os sentimentos, os
pensamentos e as atitudes de Jesus. São de Cristo, porque tem o seu Espírito!
A liturgia deste domingo está permeada
na possibilidade de recusa ou de acolhida do enviado de Deus, Jesus Cristo, e
de seu projeto de salvação para a humanidade. O Evangelho deste domingo tem um
caráter de censura aos que endurecem o coração e não conseguem entender,
perceber e reconhecer a revelação divina. Ao mesmo tempo, apresenta, em forma
de prece, revelação e convite, um apelo a aproximar-se de Jesus, o rei justo,
manso e humilde de coração, que tomou como projeto viver como filho de Deus.
Acolhamos o rei justo e humilde, que é Jesus!
Que todos possamos ver qual suave é o Senhor
e que seja feliz o homem que tem Nele o seu refúgio, Amém!
Padre Wagner Augusto
Portugal.
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