— Graças a Deus!
Naquele
tempo, 9 36 ao ver as multidões, Jesus encheu-se de compaixão por elas, porque
estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse aos
discípulos: 37 “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38 Pedi,
pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para sua colheita!” 10 1
Chamando os doze discípulos, Jesus deu-lhes poder para expulsar os espíritos
impuros e curar todo tipo de doença e de enfermidade. 2 Estes são os nomes dos
doze apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e depois André, seu irmão;
Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João; 3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e
Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4 Simão, o cananeu, e
Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus. 5 Jesus enviou esses doze, com as
seguintes recomendações: “Não deveis ir aos territórios dos pagãos, nem entrar
nas cidades dos samaritanos! 6 Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de
Israel! 7 No vosso caminho, proclamai: ‘O Reino dos Céus está próximo’. 8 Curai
doentes, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expulsai demônios. De graça
recebestes, de graça deveis dar!
— Palavra
da Salvação!
— Glória
a Vós, Senhor!
REFLEXÃO
Com
a retomada do tempo comum, voltamos à a leitura, quase contínua, do Evangelho
de Mateus na liturgia dominical. Neste domingo, o texto evangélico que a
liturgia nos oferece é Mt 9,3–10,8. Trata-se de um texto de transição entre uma
seção narrativa e um discurso de Jesus. Por sinal, a alternância entre
narrativa e discurso é uma característica da obra mateana, que apresenta seu
evangelho com cinco discursos para assemelhá-lo à Torah ou Pentateuco, conjunto
de livros que é a base do judaísmo.
Consideramos
importante recordar o versículo que antecede o nosso texto, para o
compreendermos melhor: “Jesus percorria todas as cidades e povoados ensinando
em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte
de doenças e enfermidades” (9,35). Esse versículo sintetiza a missão de Jesus
até então e, ao mesmo tempo, prepara o leitor para o que será apresentado no
texto de hoje: a continuidade e a extensão da missão de Jesus pela comunidade
cristã.
A
itinerância da atividade de Jesus (cf. 9,35) lhe dava condições de ver em
profundidade a situação de miséria das multidões. Sua visão das realidades não
era superficial, mas muito real e profunda. Como a miséria é a privação da
vida, aquela situação era o maior entrave para a implantação do Reino.
Portanto, era necessário transformá-la para que o Reino fosse implantado.
Tocado pelo que viu, Jesus ficou possuído de um sentimento transformador, a
compaixão: “compadeceu-se delas porque estavam cansadas e abatidas”.
Compadecer-se
é o mesmo que sentir compaixão. Não se trata de um mero sentimento, mas é algo
muito mais profundo, é um “mexer-se por dentro”. O verbo grego usado pelo
evangelista deriva de um substantivo que significa vísceras. Sentir compaixão
é, portanto, contorcer-se nas entranhas, o núcleo mais profundo e íntimo do ser
humano, conforme a mentalidade hebraica. De significado mais profundo até que o
coração, as entranhas remexidas simbolizam a expressão máxima da misericórdia
de Deus.
O
que fazia Jesus contorcer até as entranhas era a situação das multidões:
“estavam cansadas e abatidas como ovelhas que não tem pastor”. Não se trata de
um simples cansaço físico, que poderia ser sanado com algumas horas de repouso.
O evangelista usa uma palavra grega que se traduz melhor por molestadas ou
violentadas. E ao invés de abatidas, a melhor tradução seria dispersas ou
abandonadas. Portanto, Jesus constata que o povo foi violentando e abandonado
pelo poder dominante, religioso e político.
A
comparação com “ovelhas que não tem pastor” reflete o grau máximo de abandono e
de degradação do qual as multidões eram vítimas. E revela, ao mesmo tempo, a
corrupção e hipocrisia dos dirigentes, causa principal da situação de miséria
do povo. A imagem da ovelha é sinônimo de mansidão e vulnerabilidade; a
ausência de um pastor que a conduza e proteja significa exposição aos perigos.
Assim era a situação das multidões: violência e abandono. É claro que a
constatação da falta de pastores para cuidar das multidões é uma nítida crítica
aos dirigentes religiosos, principalmente. Não faltam, no Antigo e no Novo
Testamento, passagens que reforçam essa imagem da violência e do abandono do
povo por parte da liderança religiosa.
Diante
de uma situação de calamidade, vendo o povo ser violentado e completamente
abandonado, Jesus não se conforma nem se desespera. Reforça sua confiança no
Pai e pede a colaboração aos seres humanos: “A messe é grande, mas os
trabalhadores são poucos. Pedi, pois, ao dono da messe que envie trabalhadores
para a colheita” (9,37-38). No discurso da montanha, Ele já tinha recomendado
aos discípulos que confiassem no Pai através da oração (cf. Mt 6,4.9-15.26).
Aqui aparece novamente essa recomendação.
Consciente
de que a missão será árdua, a imagem da “messe grande” significa isso, Jesus
sabe que a confiança no Pai e o trabalho humano são indispensáveis e
inseparáveis para que a vida violentada seja restaurada. A comunidade cristã
não pode se acomodar e esperar apenas pelo Pai, muito menos confiar somente em
suas próprias forças. Jesus pede que essas duas dimensões se unam para o
resgate da vida violentada.
Se
algo tem que ser feito, deve começar pelos mais próximos. Por isso, “Jesus
chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e
para curarem todo tipo de doença e enfermidade” (10,1). Diante da situação
deplorável em que se encontrava o povo, Jesus toma uma decisão corajosa:
estender aos discípulos as mesmas prerrogativas que ele próprio recebeu do Pai.
Não se trata de poderes extraordinários para operar milagres. Dar poder ou
autoridade aos discípulos significa autorizá-los a fazer o mesmo que Jesus
fazia (cf. 9,35). “Expulsar os espíritos maus, curar doença e enfermidade” é
apenas uma figura de linguagem que evoca a responsabilidade da comunidade
cristã: restituir a vida e a dignidade às pessoas que tinham sido espoliadas
pelas autoridades políticas e religiosas.
De
discípulos, os Doze passam a ser apóstolos; o evangelista menciona o nome de
todos eles, de Simão, chamado Pedro, a Judas Iscariotes (10,2). Não é uma lista
hierárquica, bem como a introdução da designação de apóstolos não corresponde a
uma “mudança de patente”. É apenas uma mudança de estado: de meros seguidores
de Jesus a enviados, designados para fazer o que ele fazia. Até então, no
discipulado, eles apenas assistiam ao que Jesus fazia. De agora em diante,
Jesus os envia para que façam o mesmo. A designação de apóstolos não significa
um título de honra, mas um estado: enviado, um estado de missão.
Quando
o evangelista diz que “Jesus enviou esses Doze com as seguintes recomendações:
‘Não deveis ir aonde moram os pagãos nem entrar nas cidades dos samaritanos!
Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel!”, ele não está demonstrando
nenhuma condição privilegiada de Israel, nem reforçando a exclusão dos
samaritanos e pagãos. Israel não recebe o anúncio do Reino por ter sido o
primeiro destinatário das promessas de Deus. É um grande equívoco imaginar que
o Evangelho segundo Mateus visa a restauração do antigo Israel.
Pelo
contrário, é um Evangelho que muito evidencia a ruptura da comunidade cristã
com a religião judaica.
Quando
apresenta “as ovelhas perdidas da casa de Israel” como destino primeiro da
missão da comunidade cristã, Mateus está dizendo que, ao invés de privilegiado,
Israel é o mais necessitado da Boa Nova e, portanto, carente da libertação. De
todas dominações, a pior é a religiosa. Os samaritanos e os pagãos estavam,
assim como os judeus, sob o domínio político do império romano, mas não
submetidos ao Templo de Jerusalém. O império romano será contestado também,
obviamente. Porém, é mais urgente libertar o povo da dominação e alienação
religiosa. Além do domínio político de Roma, os judeus sofriam também com a
dominação religiosa, muito mais danosa que o império romano. Se o povo estava
violentado e abandonado, a culpa principal era da religião, graças aos abusos e
omissões daqueles que deveriam agir como pastores.
Os
discípulos, convertidos em apóstolos, são enviados na gratuidade e no amor (“De
graça recebestes, de graça dai” – 10,8), para recuperarem a vida ameaçada e
explorada. Por isso, devem ser promotores da libertação, como pede Jesus. Não
cumprindo gestos mágicos ou fantasiosos, mas sendo sinais de vida, com atuação
profética e cristã.
Ainda
hoje, são muitos os males que impedem a realização plena do Reino dos céus já
aqui. A comunidade cristã é chamada, assim como fez Jesus, a olhar para as
multidões, perceber suas necessidades e intervir para transformar. Isso só será
possível se a Igreja se colocar cada vez mais em estado de saída, pois somente
saindo de si é possível ver a necessidade do outro!
Fonte: http://fiquefirme.com.br/multimedia-archive/6_reflexao_para_11_domingo_do_tempo_comum_mt_936_108/
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