REFLEXÃO
DOMINICAL III
Homilia de D. Henrique Soares da Costa – II Domingo da
Quaresma – Ano B
Gn
22,1-2.9a.10-13.15-18; Sl 115;Rm 8,31b-34;Mc 9,2-10
Surpreende-nos,
caríssimos, que neste tempo quaresmal, de tanta sobriedade, a Mãe católica nos
coloque diante dos olhos Jesus transfigurado. Não seria mais adequado este
texto num dos domingos da Páscoa? Cabe tanta glória, tanta luz, tanto
esplendor, neste tempo de oração, penitência, esmola e combate espiritual? Mas,
não duvidemos: a Igreja tem seus motivos; motivos sábios, motivos de mãe que
educa com carinho.
Primeiramente,
a glória de Jesus no Tabor, antegozo da sua Ressurreição, anima-nos e
alenta-nos neste caminho quaresmal. Ao nos falar da oração, da penitência, da
esmola, ao nos exortar ao combate aos vícios e à leitura espiritual, a Igreja,
fazendo-nos contemplar o Transfigurado, revela-nos qual o objetivo da batalha
da Quaresma: encontrar o Cristo cheio de glória e, com ele, sermos
glorificados. Olhai o Tabor, irmãos, e vereis o que o Senhor preparou para nós!
Pensai no Tabor, e a penitência terá um sentido, as mortificações deste tempo
serão feitas com alegria! Que diz o Evangelho? Diz que, diante dos apóstolos,
Jesus transfigurou-se: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como
nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar”. Eis! A Transfiguração é uma
profecia, uma antecipação da glória da Páscoa; e a Páscoa de Cristo é a
garantia da nossa glorificação. Porque Cristo morreu e ressuscitou, nós também,
mortos com ele, seremos daquela multidão vestida de branco, de que fala o
Apocalipse! (Ap 7,9) Então, ânimo! As observâncias da santa Quaresma não são um
peso, mas um belo caminho, um belo instrumento para conduzir-nos à Páscoa do
Senhor!
Mas, a
leituras de hoje colocam-nos também diante de uma outra realidade, bela e
profunda. Comecemos pela primeira leitura, na qual Deus pede a Abraão tudo
quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”. Isaac era tudo
para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldéia, por ele, tinha esperado mais
de trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas… E, agora, já idoso,
sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já está
crescidinho e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. Que prova,
caríssimos! A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Mas, ele foi em
frente e “estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.
Caríssimos,
Deus tinha o direito de pedir isso a Abraão? Deus tem o direito de nos provar,
de tantas vezes nos pedir coisas que não compreendemos bem? Tem o direito de
pedir fé e confiança diante dos percalços da vida? Poderíamos responder dizendo
simplesmente que “sim”, porque ele é Deus; deu-nos tudo e pode pedir-nos o que
desejar. Mas, não é essa a resposta que a Palavra de Deus nos indica na
liturgia de hoje. Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com
certeza, porque ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão
lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo,
na segunda leitura deste hoje, “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou
por todos nós!” Eis o grande mistério: Deus, no seu amor por nós – primeiro
pelo povo de Israel, descendência de Abraão, e, depois, por toda a humanidade,
com a qual ele deseja formar o novo povo, que é a Igreja – Deus, no seu amor
por nós, entregou à morte o seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, aquele
no qual Ele coloca todo o seu bem-querer. Não é assim que Ele no-lo apresenta
hoje no Monte Tabor? “Este é o meu Filho amado. Escutai o que Ele diz!” É este
Filho que será entregue à morte. O Evangelho de São Lucas nos diz que,
precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias
“sobre a sua partida, isto é, a sua morte, que iria se consumar em Jerusalém”
(Lc 9,31). E no Evangelho de São Marcos, que escutamos, o próprio Jesus, ao
descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto,
até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Compreendei,
caríssimos: sobre o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a
sombra da paixão, da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão
entregará por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último
momento; não poupará, contudo, o seu próprio Filho!
Isso nos
revela a dimensão do amor de Deus, da sua paixão pela humanidade, do seu
compromisso salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo, caríssimos, e
nós deveríamos dar-lhe tudo, porque, ainda que não compreendamos, ele deseja
somente o nosso bem, a nossa vida, a nossa salvação. Somos preciosos a seus
olhos! Escutai o Apóstolo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que
não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria
tudo juntamente com ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os
declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que
ressuscitou, e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, amados
em Cristo, a dimensão e a profundidade, a largura e a altura do amor de Deus
por nós! Deixemo-nos, portanto, tocar no nosso coração; convertamo-nos!
Abramo-nos para o Senhor! Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa
frieza, de nosso fechamento! Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e
desconfiança de Deus, simplesmente porque não entendemos seu modo de agir! Que
Santo Abraão, nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé,
intercedam por nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando
com generosidade a amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da
Páscoa e contemplemos nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo
glorificado. Amém.
Henrique Soares da
Costa
https://presbiteros.org.br/homilia-de-d-henrique-soares-da-costa-ii-domingo-da-quaresma-ano-b/
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