Ecumenismo
em Atos
Por Prof. Fernando Altemeyer Jr
Ecumenismo não é cada
Igreja ser sombra de si mesma, mas conviver com quem questione e caminhe junto
em direção ao Reino de Deus.
Ecumenismo é ação conjunta
de pessoas e grupos diferentes. É vivida no caminho, e não em castelos. É busca
de unidade, e não camuflagem das divergências e negação das identidades. É
proclamação da mesma fé, do mesmo batismo e do mesmo Cristo (Ef 4,4-6).
Sem comunhão fraterna
não há ecumenismo e sem ecumenismo não há comunhão. Oferecer os bens materiais
aos pobres é compromisso de todos os cristãos e de suas Igrejas. A hipoteca
social é também hipoteca ecumênica. Ser ecumênico é transformar este mundo em
um mundo de Deus, ou, como sonhava Santo Agostinho, inspirado nos Atos, em uma
Cidade de Deus.
Ser ecumênico é
caminhar em direção ao outro como fizeram Cornélio e Pedro (cf. Atos 10- 11).
“O
ecumenismo não é uma opção para as Igrejas. O imperativo ecumênico deve ser
escutado e respondido em todas as partes. Essa resposta exige necessariamente a
formação ecumênica”[1].
Não se faz ecumenismo
sem uma real mudança de coração e sem livrar-se de alguns defeitos, como
orgulho, intolerância, vaidade eclesial e pessoal, ignorância religiosa,
superficialidade na própria fé, entre outros.
Ecumenismo
não é: “Ser uma única confissão religiosa. Desconsiderar as diferenças confessionais.
Camuflar as divergências. Considerar a minha verdade religiosa em detrimento
das demais. Usar a Bíblia como instrumento de discórdia e divisões”[2].
O livro dos Atos fala
de Pedro e Paulo e da personalidade de cada um deles, dos conflitos e
sensibilidades ecumênicas, fala de comunidades, de intolerância diante do novo,
relata inúmeras prisões e fala muito pouco de doutrina. A novidade maior é
anunciar Jesus a todas as nações — ecumenismo puro, já que a palavra deverá ser
anunciada a toda terra habitada. A pregação já nasce sob o signo do ecumenismo.
As Igrejas devem ser ecumênicas por mandato evangélico. Não é acessório nem uma
pastoral a ser exercida só por alguns membros ou especialistas. É tarefa de
todos, com todos e para todos. Inspirada, sem dúvida, no Espírito e guiada por
ele, mas tarefa comunitária e boa notícia contra uniformidades, domínios
clericais e arrogâncias denominacionais.
“A
intenção primária da obra dedicada a Teófilo é mostrar a atuação da salvação de
Deus no caminho histórico da primeira missão cristã… Resulta então que os Atos
dos Apóstolos, por um lado, estão mais próximos de uma catequese sobre a história
do que de uma crônica oficial; por outro lado, são mais aparentados com as
histórias dos clássicos do que com as diversas filosofias ou teologias da
história dos autores antigos e modernos”[3].
Atos
é chamado Evangelho do Espírito e
pretende mostrar a Igreja em ato, como uma comunidade de caminheiros que seguem
os desígnios de Deus. O livro quer fazer história mais que registrá-la. Lucas
toma o mundo como ele é, e não como deveria ser. Procura destacar a
continuidade histórica entre Jerusalém e Roma. Entretanto, há diversidades e
diferenças entre as novas Igrejas e o grupo da Palestina.
Trata-se de valorizar
e harmonizar isso, sem uniformizar. Dois personagens destacam-se nestes “atos
ecumênicos” da Igreja Apostólica: Pedro e Paulo. Não agem sozinhos. Estão
cercados de amigos, discípulos, e, sobretudo, de comunidades. Se não existe
Pedro sem Jerusalém, também não podemos pensar Paulo sem Antioquia e Corinto.
O coração do livro
está no capítulo 15, que relata a Assembleia ou Concílio de Jerusalém.
Os
vinte e quatro discursos grandes ou menores estão espalhados pelo texto (um
quarto da obra escrita), e, dentre eles, destacam-se os sete discursos
querigmáticos e apologéticos de Paulo que querem responder aos problemas
vividos pelas comunidades cristãs. Lucas escreve aos cristãos do segundo
século, remetendo-os ao período entre os anos 30 e 60 d.C. Olha o passado com
os olhos de sua Igreja[4].
O autor dos Atos quer
mostrar que as promessas feitas ao povo de Israel estão abertas para o universo
ecumênico das nações pagãs. O autor quer assegurar aos cristãos novos sua
identidade de fé e superar as tensões existentes quer no judaísmo, quer no
ambiente externo da pregação. Assim os destinatários são os cristãos que vêm do
mundo dos pagãos. Usa da língua e da cultura mais para construir que para
fixar-se obsessivamente à sua verdade.
Sabemos
que “o autor dos Atos é Lucas, homem culto, familiarizado com textos clássicos
e helenísticos e com um bom conhecimento da Bíblia grega conforme a tradução
dos Setenta; talvez seja um cristão de Antioquia e médico”[5].
O livro se estrutura
em cinco grandes sessões ou blocos que contam fundamentalmente os atos de dois
apóstolos, Pedro (até o capítulo 12) e Paulo (do capítulo 13 ao 28).
1. Origens da
Igreja em Jerusalém, onde a questão ecumênica está no conflito com o judaísmo
legalista. O preço humano desse conflito serão as vidas ceifadas de Estêvão
(pelo ano 34) e Tiago (ao redor do ano 41).
2. Perseguição
e missão ecumênica: de Jerusalém a Antioquia, onde a crise ecumênica se situará
no encontro das diversas identidades culturais dos samaritanos, antioquenos e
etíopes. Aqui vivemos a conversão de Paulo (em torno do ano 36) e a perseguição
de Pedro (pelo ano 41-42).
3. Primeira
viagem e Concílio (entre os anos 48-50), sendo a questão-chave no ecumenismo o
debate em Jerusalém sobre a circuncisão e os costumes judaicos. A proclamação
de Pedro e o decreto conciliar abrirão caminho para a liberdade ecumênica sem
rupturas internas.
4. Grande
viagem e fundação das Igrejas na Ásia e na Grécia, sendo o tema ecumênico
central a inserção do Evangelho de Cristo no mundo cultural grego e o confronto
com as autoridades e estruturas imperiais de Roma.
5. Paulo
prisioneiro, desde sua captura e prisão em Jerusalém (58) e Cesareia e o
complexo processo diante de Félix com a narração das peripécias da viagem à
capital do Império, Roma (no outono-inverno do ano 60), e sua prisão domiciliar
entre os anos 61-63.
1. Paulo de Tarso, exemplo prático
Paulo é o defensor de
metodologia e pedagogia ecumênicas marcadas pela abertura e pela superação de
imposições rituais e legais. É o ator central do livro. De perseguidor a
evangelizador, vive na carne o drama das primeiras divisões entre os cristãos.
O clímax da crise ele vive na Igreja de Éfeso. A experiência pessoal de Damasco
irá impregnar-se em seus atos e palavras. Sua conversão constitui-se na
reviravolta histórica fundamental no movimento cristão primitivo. O autor do
livro dos Atos cita três vezes este episódio. Embora divergentes, os três
relatos pretendem legitimar a missão cristã entre os pagãos e autenticar o
papel de Apóstolo ao jovem de 25 anos. Embora não faça parte do núcleo
dirigente de Jerusalém, recebe instruções de um certo Ananias, da periférica
Igreja síria. Paulo une a Igreja dos pagãos (na leitura de Lucas) à Igreja dos
judeu-cristãos (na leitura de Marcos). Depois do que ele viveu ali em Damasco,
tudo será feito como uma grande tarefa ecumênica.
O “neoapóstolo
ecumênico”, depois de ficar três dias sem ver, sem comer, sem nada beber, está
preparado para empreender o caminho novo. Escreve cartas para animar e superar
brigas e preconceitos. Fala do único corpo de Cristo em suas epístolas e
realiza viagens para costurar e compor um corpo firme e unido. Paulo reconhece
que todos têm a possibilidade de conhecer a vontade de Deus e viver o
Evangelho.
“Paulo
tinha horror àquela uniformidade no agir, imposta em nome da fé. Não gostava de
gente que, por não entender nada do principal, se levantava em defensor de
coisas secundárias, querendo definir por elas a ortodoxia de alguém”[6].
Isso
para Paulo não é uma concessão tática ou estratégia proselitista, mas seu modo
de viver a mensagem de Cristo. “Os judaizantes esperavam Igrejas heterogêneas
apenas em teoria”[7].
Paulo, entretanto,
veste o cristianismo da roupa helênica para torná-lo acessível à gente de seu
tempo. Cura o licaônico aleijado de nascença (14,8-20) e procura mostrar que é
humano, e não o deus Hermes, que estaria a exigir sacrifícios e ritos
propiciatórios. Rasga sua veste, o que deve ter sido incompreensível para o
povo greco-pagão com quem se encontrava pela primeira vez. Realiza o que hoje
poderíamos chamar de pré-evangelização, falando do Deus vivente e não ainda de
Cristo. A multidão muda de lado e apedreja Paulo que não morre, mas segue para
Derbe junto com Barnabé.
“A
visão religiosa ‘ecumênica’ de Paulo oferece a plataforma para um positivo e
fecundo diálogo com as religiões não cristãs. Isso vale de modo particular em
relação ao povo hebraico, do qual ele se considera filho do ponto de vista
humano-histórico, segundo a carne. Paradoxalmente, o mesmo Paulo, que é
considerado o ponto de ruptura com o hebraísmo, poderia tornar-se o elo de uma nova
ligação com o povo da primeira aliança”[8].
1.
Atos ecumênicos
Façamos um breve
percurso pelos vinte e oito capítulos de Lucas recolhendo os atos e práticas
ecumênicas presentes no livro e vividos na Igreja primitiva.
• O
primeiro grande ato é o olhar retrospectivo que nos é anunciado em 1,1-5, onde
vemos o Ressuscitado ao lado do Pai. O Cristo vivo envia o Espírito que age no
mundo construindo comunidades. A garantia de uma instituição animada pelo
Espírito Santo que anuncia com liberdade é condição básica para a pregação.
Como nos lembraria toda a tradição patrística, agora é tempo da Igreja, pois
concluiu-se o tempo histórico de Jesus. Os Atos são os atos das comunidades dos
seguidores e companheiros de Jesus, que, após breve período de espera (quase
uma gravidez!), recompõem o grupo dos doze, e, com a liderança de Pedro, partem
em missa.
•
O segundo ato ecumênico é vivido pela experiência de Pentecostes (2,1-13), onde
o vento impetuoso já mostra a audácia de Deus e o estrondo da fé. O falar em
línguas (compreensíveis) de gente analfabeta deixa perplexos os judeus. Os
povos enumerados parecem formar um leque de direções mostrando mais para onde
estava indo a mensagem de Jesus do que de onde ela partia. O Espírito gerando
comunidades e presença em povos de distintas línguas e culturas. Este é o
núcleo de um sadio ecumenismo. Respeito às diversidades e universalidade coesa
em torno de um mesmo e único Espírito, o de Jesus. Esta experiência no Espírito
Santo, no fogo e pela expressão múltipla de dons e línguas, quer realçar o
caráter profético deste novo povo. Mais que milagre e espetáculo, o que se quer
mostrar é que os pobres anunciam o Deus que transforma os corações e as
estruturas. Três vezes o autor pergunta sobre o significado deste evento
(2,7.8.12). Alguns dirão que se trata de bebedeira de vinho doce. Lucas
apresenta o discurso de Pedro (o primeiro de três pronunciados) como o momento
introdutório da resposta de fé e uma explicação razoável para o evento
pentecostal. E diz com força e coragem: “Deus constituiu Senhor e Messias este
Jesus que vós crucificastes” (2,36b). Jesus é o Cristo. Esse é o centro da
mensagem cristã proclamada com vigor, liberdade e coragem (parrhêsia, em
grego). Esse momento é conhecido como a hora do querigma (2,22-26). A ruptura
com o passado situa-se no rito do batismo “em nome de Jesus”. O detalhe final
mostrando que os primeiros 120 haviam se multiplicado em três mil mostra o
empenho do autor em ampliar sempre mais a mensagem para que o cristianismo
nascente adquira o tamanho do universo sem distinção de raça e cultura.
•
O terceiro ato ecumênico é relatado nos três resumos (2,42-47; 4,32-35; 5,12-16)
da vida em comunidade. Palavras fortes como fidelidade, partilha, venda de
bens, distribuição, ensinamento dos apóstolos, alegria mostram para as Igrejas
hoje divididas o escândalo que isso representa e o ideal de unidade vivido e
querido pelos cristãos ecumênicos. Esse estilo ou modo de vida gera entusiasmo
e é a verdadeira fonte de uma espiritualidade libertadora. Afinal é “uma
criação espontânea do Espírito Santo dentro da Igreja”[9].
• O
quarto ato é a cura do paralítico no pátio dos pagãos (3,1-10). Cura feita com
a riqueza de Pedro que não era feita nem de ouro, nem de prata, mas da palavra
valiosa que é o nome de Jesus. Pedro faz o segundo discurso dirigido aos
judeus. A tensão é grande entre o grupo novato dos cristãos e a instituição
judaica. Pedro irá nos oferecer a base para a moderna objeção de consciência e
a defesa da liberdade de consciência.
• O
quinto ato é expresso na construção de comunidades fora da Palestina, de forma
pluralista, descentralizada e onde as mulheres exerciam serviços concretos na
missão evangelizadora. O papel das mulheres é valorizado por Lucas em seu
Evangelho e também em Atos. Vemos inúmeras mulheres vivendo a experiência
ecumênica, como Tabita em Jope (9,31.39); Lídia, em Filipos (16,15.40);
Damaris, em Atenas; mulheres da alta sociedade em Corinto e na Bereia
(17,4.12); o casal Áquila e Priscila da cidade de Corinto, e, na viagem do
apóstolo a Éfeso, destaca-se a atividade e força de Priscila (18,26); as quatro
filhas virgens e profetisas de Filipe de Cesareia (21,8); e o destaque inicial
dado à comunidade originária de Jerusalém, onde estavam os doze junto com as
mulheres e Maria, a mãe de Jesus (1,14); rejeita qualquer machismo eclesiástico
ainda hoje presente em nossas instituições religiosas e na forma do exercício
hierárquico de muitas comunhões cristãs. Ecumenismo também precisa ser vivido
nas questões de gênero e da relação entre homens e mulheres nas Igrejas.
• O sexto
ato é a organização de um fundo de solidariedade (coleta) promovido entre as
comunidades dos pagãos em favor da comunidade dos judeus. Esse fato hoje se
repete quando o Conselho Mundial de Igrejas (que reúne os evangélicos) financia
trabalhos e comunidades da Igreja católica. Quando coletas de fundos são feitas
pela Cáritas católica para apoiar projetos de Igrejas protestantes, estamos
plantando unidade. Os sete companheiros de Paulo, na viagem para levar a
coleta, hoje podem ser representados pelas sete Igrejas membros do CONIC que
realizam projetos em favor das comunidades empobrecidas de nosso país. São
estas as Igrejas que formam hoje a escolta de honra do Apóstolo Paulo em sua
viagem para Jerusalém: presbiterianos unidos, metodistas, luteranos,
anglicanos, cristãos reformados, ortodoxos sirianos e católicos romanos.
• O
sétimo e fundamental ato ecumênico situa-se no acolhimento e batismo do oficial
romano convertido — Cornélio e toda a sua família (10,1-11,18). Esse acontecimento
exemplar é precedido de dois eventos miraculosos em Lida e Jope. Em Lida um
paralítico conhecido como Eneias é curado (9,32-35) e assim todos os habitantes
da região de Saron se convertem. Em Jope, Pedro ressuscita uma mulher conhecida
como Tabita ou Dorcas (gazela) (9,36-43). Esse ato ecumênico exerce papel
central no livro dos Atos e está conectado ao Concílio Ecumênico de Jerusalém.
A conversão de Cornélio antecipa a novidade do Concílio de Jerusalém.
2.
Ecumenismo em ato
Um segundo excurso,
em nossa viagem pelo livro dos Atos, será o de verificar como decisões
ecumênicas foram colocadas em prática pelos cristãos e por suas lideranças e
comunidades nascentes.
• O
Concílio em Jerusalém vive as tensões entre Pedro e Tiago de um lado e Paulo e
Barnabé de outro. A versão escrita por Paulo em Gálatas diz que nada mais fora
imposto, mas Tiago propõe ao menos quatro normas rituais (At 15,1-29). De toda
forma, a missão de Paulo é aprovada. O texto de Lucas é menos emotivo e mais
distante do fato histórico. A carta que está expressa em Atos 15,23-29 deixa
claro que, respeitadas as exigências inevitáveis, não se pode impor nenhuma
outra obrigação. A oração de Jesus para que a experiência de comunhão fosse
real (Jo 17,21), e não só símbolo ritual ou prece bem-intencionada, foi
profundamente valorizada por Lucas em Atos 2,44-45. Muitos acreditavam que esse
mandato prático não era necessário ou sequer oportuno. Acreditavam que o
judaísmo seria a única mediação histórica do divino entre nós. A Igreja, entretanto,
nasceu do encontro fecundo entre a mensagem e valores cristãos e as culturas
locais. A riqueza dos ritos orientais, celebrados ainda hoje como o melquita, o
maronita, o siro-malabar, o copta testemunham a riqueza dos dons, maravilhas e
mistérios de Deus diversamente distribuídos entre os seres humanos de todos os
povos e nações. No Concílio de Jerusalém o único compromisso assumido por Paulo
foi a ajuda aos pobres de Jerusalém (Gl 2,10).
• As
quatro viagens de Paulo (13,1-14,28; 15,39-18,22; 18,22-21,16 e 21,17-28,16),
nos lembram que a tarefa ecumênica se assemelha à corrida de um atleta
inteiramente dedicado à meta desejada. Quinze anos de corrida missionária
percorrendo cerca de 10 mil quilômetros mostram o ecumenismo em ação. Os
apóstolos, de forma particular Paulo, utilizam de todas as estradas e caminhos
possíveis para pregar sua mensagem. Vão sozinhos ou acompanhados. Paulo
naufraga, passa frio, é açoitado, preso, extraditado, mas clama, proclama e
reclama. Sempre como o servo de todos, encontra alguns dispostos ao diálogo e
outros completamente intolerantes. Vence a magia e a religião de resultados (já
naquela época havia religião da prosperidade!), mas é perseguido duramente por
isso. O anúncio ecumênico criava simpatizantes e inimigos (13,48-50).
3.
Conflitos ecumênicos internos e externos
Na comunidade
primitiva inúmeros conflitos religiosos e ecumênicos foram enfrentados quer
pelos apóstolos, quer pelos cristãos com respostas diferenciadas.
•
“O primeiro conflito interno da Igreja, e o único mencionado por Lucas em todo
o livro, refere-se à questão da manutenção das viúvas helenistas” (6,1)[10].
• O
incidente — ou controvérsia — vivido em Antioquia quando Paulo se separa de
Barnabé: este cristão originário de Chipre, que segue para sua terra com
Marcos, por outro caminho evangelizador (15,36-41 e no relato mais dramático de
Gl 2,11-14), e o próprio Paulo, que por questões táticas, segue com Silas e
depois Timóteo (cristão de Listra) pela Síria e, Cilícia (15,41-16-5).
• A
incompatibilidade com o mago Elimas (13,4-12).
• O
conflito com os artesãos da deusa Ártemis entre os quais Demétrio, e o grave
tumulto que se expandiu por toda a cidade (19,23-29).
• A jovem
escrava possuída pelo espírito da adivinhação usada pelos seus senhores (16,16-
40).
• Os
exorcistas judeus, filhos de Ceva, sumo sacerdote, e a queima de cinquenta mil
moedas de prata em escritos mágicos (19,11-20).
•
Encontro com os discípulos de João Batista (19,1-7).
•
Encontro e debate com Apolo, pregador alexandrino (18,24-28).
• Prisão
de Estêvão (6,8-15) seguida de seu assassinato.
• A
generosidade de Barnabé versus a fraude de Ananias e Safira (4,36-5,11).
•
Apóstolos diante do Sinédrio (5,17-42).
• A ação
dos missionários itinerantes e a pregação de Paulo.
• O
conflito em Icônio e a fuga para Licaônia e arrededores (14,1-7).
• A
conflitiva conversão do mago Simão e a tentativa de manipulação de Filipe e
Pedro (8,9-25).
• A morte
do idólatra Herodes Agripa e o paradoxal crescimento da palavra de Deus
(12,20-25).
• A
prisão de Paulo e Silas em Filipos (16,16-40) por razões político-religiosas.
4.
Sonhos ecumênicos
O ecumenismo presente
no livro é marcado por inúmeros sonhos de unidade:
• Que
gente de outro grupo religioso pode falar de modo inspirado assim como os
membros de nossa Igreja? (19,1-7).
• A
missão de Filipe e o sonho recebido em face do eunuco etíope (8,26-40)
demonstra a gratuidade da ação de Deus, e a concretização da velha profecia de
Isaías 40,5: “Então se revelará a glória de Javé, e todo o mundo junto a verá,
pois assim falou a boca de Javé”.
• A
alegria que se difundia pelas cidades que conheciam o Evangelho ecumênico
(8,8).
•
A constituição da Igreja de Antioquia como uma comunidade mista de cristãos de
várias origens, identidades culturais e religiosas como modelo das futuras
comunidades urbanas do império (11,19-26). O centro de gravidade passa de
Jerusalém a Antioquia. Uma inovadora Igreja plural numa cidade marcada pela
corrupção moral e religiosa. É aí, em Antioquia, que os cristãos (em
grego, christianoi) pela
primeira vez assim são chamados. Uma Igreja que nasce do Espírito em meio de
refugiados e perseguidos é sinal de esperança em tempos de exclusão e
idolatrias. O poder de Deus junto aos helenistas nasce do sangue de um mártir,
Estêvão.
• Os
belos nomes usados nas Igrejas evangélicas até hoje têm raízes no livro dos
Atos. Assim temos: gente do caminho, irmãos, crentes, discípulos; santos e
cristãos.
• A cena
emocionante de Rosa, jovem porteira da casa de Maria, mãe de João Marcos,
relembra o encontro de Jesus Ressuscitado e os discípulos e também nos anima a
construir encontros entre pessoas e povos considerados mortos e separados há
séculos. O beijo e o perdão mútuo de Paulo VI e Atenágoras reafirmaram o sonho
de reatarmos pessoas, Igrejas e tradições depois de séculos de guerras e
incompreensões religiosas.
• Deus
chama Paulo em sonhos para ir à Macedônia, porta da Europa (16,9-10) e sua
futura viagem para Roma, capital do Império (23,11).
• Lucas
faz questão de não esquecer os missionários menores como o evangelista Filipe e
suas quatro filhas profetisas que viviam em Cesareia (21,8-9). Cita mesmo
profetas desconhecidos como Ágabo, que anuncia momentos de crise para o
Apóstolo Paulo (21,10-14). Uma denominação cristã precisa aprender a ouvir e
conviver com seus inoportunos profetas e não transformar-se em uma instituição
de burocratas e funcionários eclesiásticos. Dizia Dom Helder Câmara: “Ter ao
próprio lado quem só sabe dizer amém, quem concorda sempre, de antemão e
incondicionalmente, não é ter um companheiro, mas, sim, uma sombra de si
mesmo”.
• A
pregação no Areópago de Atenas (17,16-34) como grande exemplo de abertura
inter-religiosa e de diálogo com outro pensamento cultural. Já na primeira
frase Paulo destaca que vê, sob todos os aspectos os atenienses, como
“extremamente religiosos”. Paulo é modelo de cristão ecumênico capaz de viver a
inculturação a cada nova realidade: “Fiz-me grego com os gregos…”. Desenvolve
uma pregação ousada até para nossos dias e seu método continua sendo válido
também hoje.
5.
Conclusão
Paulo às vezes
exagerava em seus discursos. Em Trôade, por exemplo, faz um jovem chamado
Êutico (que significa afortunado) cair morto da janela do terceiro andar. Esse
relato curioso e dramático da Eucaristia noturna pode nos ajudar a acordar de
tantos sonos litúrgicos em nossas assembleias e de tantos cultos confessionais
que não mais possuem a emoção do amor primeiro. Podem, até, fazer ressuscitar a
fé ecumênica muitas vezes amordaçada em nossas Igrejas — por meio de documentos
oficiais —, autoproclamando-se, muitas vezes, donas da verdade e não servidoras
humildes do Espírito de Cristo Jesus. A palavra de Paulo ao povo de Trôade é
confortadora: Não vos perturbeis! Ele está vivo de novo.
Assim também a tarefa
ecumênica está vivíssima.
Acolher os irmãos de
outras Igrejas com alegria festiva é a tarefa primeira (15,4).
Anunciar a mensagem
em que se crê com paciência, mas sem aprisionar nem o interlocutor nem o
evangelista. Ecumenismo e Evangelho são tarefas de homens e mulheres livres
(26,27-29).
Ao percorrer o livro
dos Atos veio-me à mente o rosto sorridente do arcebispo Helder P. Câmara,
apelidado pelos amigos de Dom. Dizia ele: “Se discordas de mim, tu me
enriqueces, se és sincero e buscas a verdade e tentas encontrá-la como podes,
ganharei tendo a honestidade e a modéstia de completar com o teu, meu
pensamento, de corrigir enganos de aprofundar a visão”.
Assim, lendo os Atos
dos Apóstolos, agiremos de forma ecumênica e não seremos mais estranhos uns aos
outros, mas membros da grande família de Deus, apelidados de Teófilos (amigos
de Deus). E amigos ecumênicos na ação, nas palavras e orações.
[1] Conselho Mundial
de Igrejas, Formação ecumênica, reflexões e
sugestões ecumênicas, coedição CESEP — Paulus, 1997, p. 29.
[2] CONIC-CLAI, Diversidade e comunhão, Um
convite ao ecumenismo, coedição Paulinas — Sinodal, S. Paulo,
3ª ed., 2000, p. 32.
[3] Rinaldo
Fabris, Os atos dos Apóstolos, Loyola,
S. Paulo, 1991, pp. 31ss.
[4] Cf. Ana Flora
Anderson, Frei Gilberto Gorgulho, O
povo de Deus em marcha: as comunidades cristãs primitivas, mimeo,
Dominicanos, 1997, S. Paulo.
[5] Rinaldo Fabris,
op. cit., p. 33.
[6] Carlos Mesters, Deus, onde estás?, Editora
Vega, Belo Horizonte, 1976, p. 188.
[7] Jerome
Murphy-O’Connor,Paulo, biografia
crítica, Loyola, S. Paulo, 2000, p. 156.
[8] Rinaldo
Fabris, Para ler Paulo, Loyola,
S. Paulo, 1996, p. 159.
[9] Oscar
Cullmann, The Early Church, studies in
early christian history and theology, The Westminster Press,
Philadelphia — USA, 1956, p. 204.
[10] José Comblin,
“Ricos e Pobres nos Atos dos Apóstolos”, in Vida Pastoral, ano 42, nº 218, maio-junho 2001,
Paulus, S. Paulo, p. 6.
Prof.
Fernando Altemeyer Jr
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/ecumenismo-e-dialogo-interreligioso/ecumenismo-em-atos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário