REFLEXÃO DOMINICAL III
12 de maio – ASCENSÃO DO SENHOR
Por Celso Loraschi
MISSÃO
DE JESUS: MISSÃO DOS DISCÍPULOS
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Os relatos da ascensão do Senhor não querem indicar o
afastamento de Jesus deste mundo. Querem, sim, revelar plenamente quem é Jesus,
conforme já anunciado nas Sagradas Escrituras: o Messias sofredor que é
glorificado. Revelam também que a missão de Jesus deve ser continuada pelos
seus discípulos. Em nome dele, a boa notícia do perdão dos pecados, mediante o
arrependimento, deverá ser proclamada a todas as nações. O Espírito Santo,
promessa de Deus, é a força do alto que revestirá os discípulos missionários.
Sem essa força, prevalecem os interesses próprios e as ambições de poder.
Confessar a fé em Jesus que morreu, ressuscitou e subiu ao céu é voltar o olhar
para a realidade deste mundo e comprometer-se com sua transformação (evangelho
e Atos). Sejam dadas honra e glória a Deus, pois nos ama de maneira humilde e
criativa. Sua grandeza e seu amor revelam-se plenamente em Jesus Cristo. O seu
Espírito abre a nossa mente para que possamos conhecê-lo verdadeiramente. E nos
chama a participar do Corpo Místico, a Igreja, cuja cabeça é Cristo, o qual
está acima de todo poder (II leitura). Esta unidade precisa ser conservada e
cultivada em cada comunidade e também entre as Igrejas cristãs, pois as
divisões entre os membros do mesmo corpo impedem a vida digna e saudável.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
Evangelho (Lc 24,46-53):
A bênção de Jesus
O Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos são dois volumes da
mesma obra. Tanto no final do Evangelho como no começo do livro de Atos consta
o relato da ascensão de Jesus, de formas diferentes. Originalmente, como muitos
estudiosos defendem, não havia dois volumes, mas, sim, uma unidade, com apenas
um relato da ascensão (o que se encontra em Atos). O que importa aqui, porém, é
o sentido teológico dos dois relatos, assim como se encontram na Bíblia. No
Evangelho de Lucas, percebemos que todos os fatos acontecidos após a morte de
Jesus se realizam no mesmo dia. Em Atos, Jesus ressuscitado permanece 40 dias
entre seus discípulos, ensinando-lhes coisas referentes ao reino de Deus.
Teologicamente, o tempo de um dia ou de 40 dias tem o mesmo significado: é o
tempo propício concedido aos discípulos para serem testemunhas qualificadas de
Jesus Cristo ressuscitado. Esse testemunho inaugura um novo tempo e deverá ser
irradiado para o mundo inteiro. Para essa missão eles precisam ser preparados.
É por isso, então, que Lucas enfatiza a preocupação de Jesus em “abrir a mente”
(v. 45) dos discípulos a fim de que entendam as Escrituras. Aprofunda a tarefa
catequética de Jesus, já demonstrada no episódio dos dois discípulos a caminho
de Emaús (24,13-35). Parece insistir na necessidade de uma retomada dos textos
do Primeiro Testamento à luz do evento Jesus de Nazaré. Assim, tudo ficará
esclarecido a respeito do Messias, o Salvador. De fato, entre os apóstolos, bem
como entre as comunidades cristãs, o processo de entendimento da pessoa de
Jesus e de adesão profunda ao seu projeto não foi tão tranquilo como se pode
pensar à primeira vista. É o que se percebe pelas reações dos discípulos diante
das aparições de Jesus ressuscitado: os de Emaús caminham um longo trecho sem
reconhecê-lo, pois eram “lentos de coração para crer no que os profetas
anunciaram” (24,25); ao apresentar-se aos onze, desejando-lhes a paz, eles
ficaram “tomados de espanto e temor, imaginando que fosse um espírito”, além de
“perturbados e cheios de dúvidas em seus corações”, a ponto de Jesus insistir
para que o apalpassem e entendessem... (cf. 24,36-40). Diante dessas
dificuldades, Jesus lhes anuncia o que o Pai prometeu: a força do alto.
Enquanto isso não acontece, pede-lhes que permaneçam em Jerusalém, que, para
Lucas, tem uma importância teológica muito especial, pois aí se deu o
acontecimento salvador mediante a morte e ressurreição de Jesus. A partir desse
espaço, a proclamação do arrependimento e da remissão dos pecados atingirá o
mundo inteiro: é a boa notícia da salvação oferecida a toda a humanidade.
Lucas, porém, distingue a Jerusalém teológica da cidade em seu sentido político-econômico,
com suas instituições opressoras. Não é por acaso que Jesus os tira desta
cidade e os leva a Betânia. Isso lembra o êxodo do povo de Israel, tirado da
escravidão do Egito. É em Betânia que ele os abençoa enquanto se eleva ao céu.
As pessoas aí abençoadas tornar-se-ão portadoras da bênção divina a todos os
povos.
2.
I leitura (At 1,1-11): A
exaltação de Jesus
O prólogo de Atos dos Apóstolos faz ligação com o início do
Evangelho de Lucas, esclarecendo que se trata da continuação da obra endereçada
ao mesmo destinatário, Teófilo (etimologicamente “amigo de Deus”), o qual, no
plano simbólico, pode representar a comunidade cristã. Enquanto o primeiro
volume tratou da vida de Jesus Cristo, o segundo vai ocupar-se da vida da
Igreja, guiada pelo Espírito Santo. Ela está intimamente ligada à vida e à
missão de Jesus, bem como à história de Israel, representada pelo seu centro
religioso, Jerusalém, e pelo cumprimento da promessa anunciada na Sagrada
Escritura. O cristianismo tem suas raízes no judaísmo. Não há ruptura entre
Israel e a Igreja: há continuidade. O testemunho dos apóstolos deverá percorrer
uma trajetória sempre mais ampla, partindo de Jerusalém até os confins do mundo
(1,8). Para isso, deverão antes mergulhar na experiência do Espírito Santo, que
descerá sobre eles no dia de Pentecostes. Para a narrativa da ascensão em Atos,
Lucas inspira-se em passagens do Primeiro Testamento, como o arrebatamento de
Elias aos céus (2Rs 2,1-18). Eliseu, discípulo de Elias, por testemunhar o
arrebatamento do seu mestre, recebe “dupla porção” do seu espírito e torna-se o
continuador da missão profética; como testemunhas oculares da ascensão de
Jesus, seus discípulos receberão o Espírito Santo para continuar a sua obra. Os
dois homens vestidos de branco são os mesmos de Lc 24,4, que anunciam às
mulheres a ressurreição de Jesus e as fazem recordar as palavras por ele ditas.
Aqui, em Atos, eles recordam aos discípulos a verdade da ascensão. Ressurreição
e ascensão são dois momentos que exprimem o novo modo de ser de Jesus: aquele
que foi obediente ao Pai até a morte é glorificado e exaltado, mas permanece na
comunidade. O transcendente manifesta-se na história humana.
3.
II leitura (Ef 1,17-23): Jesus,
cabeça da Igreja
A carta aos Efésios, com muita probabilidade, é fruto da
reflexão das comunidades fundadas por Paulo. Escrita ao redor do ano 90,
enfatiza o projeto de salvação de Deus para todos os seres humanos. O texto de
hoje, num estilo litúrgico, apresenta a figura de Jesus glorioso como aquele
que tem a soberania sobre toda a criação, está acima de toda autoridade e de
todo poder. O conhecimento de Deus dá-se por sua graça. É ele que nos concede
“o espírito de sabedoria e de revelação”; é ele que “ilumina os olhos do
coração” para compreendermos “a extraordinária grandeza do seu poder para nós”
manifestada em seu Filho, Jesus Cristo. A ressurreição e a ascensão de Jesus
são aqui lembradas como sinais que revelam a glória e a soberania de Jesus em
tudo e em todos. O discernimento da verdade a respeito de Jesus estende-se à
verdade sobre a Igreja: formamos o Corpo Místico, cuja cabeça é Cristo. Ao
mesmo tempo em que está sujeita à autoridade de Jesus Cristo, a Igreja vive
intimamente unida a ele. É uma união vital, pois sem a cabeça não existe corpo
e não existe vida.
II.
PISTAS PARA REFLEXÃO
A
ascensão de Jesus não significa que ele tenha ido embora para retornar no final
dos tempos. Na verdade, ele é exaltado, mas permanece no meio de nós. Os olhos
da fé o veem perfeitamente e o coração dos que acreditam o acolhem com amor e
gratidão. Jesus Cristo e a Igreja formam um corpo. Ter essa consciência implica
cuidar uns dos outros com muito carinho e respeito. Significa
responsabilizar-se pela promoção da vida, dando prioridade aos membros que
sofrem. Significa acolher os que são diferentes, sem julgamentos superficiais,
mas exercitando o diálogo e a mútua compreensão. Nesta semana, situada entre as
festas de Ascensão e Pentecostes, celebra-se no Brasil a “semana de oração pela
unidade dos cristãos. Participar desse grande mutirão em favor da unidade das
Igrejas cristãs é expressão concreta de pertença ao Corpo de Jesus e de
edificação do seu reino de fraternidade no mundo. ► É uma boa oportunidade de
lembrar os nomes das Igrejas cristãs que possuem comunidades no espaço
geográfico da paróquia ou da região. Durante a semana, pode-se celebrar um
culto ecumênico e/ou outras iniciativas com as Igrejas que desejarem. Para
informações sobre a semana de oração e ecumenismo: <www.conic.org.br>.
Celso Loraschi
Mestre
em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos, professor de
evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos no Instituto Teológico de Santa
Catarina (ITESC).
E-mail: loraschi@itesc.org.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/12-de-maio-ascensao-do-senhor/
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