I-
REFLEXÃO DOMINICAL III
CONVERTIDOS E TRANSFORMADOS PELA PRESENÇA DE CRISTO
Pe.
Paulo Sérgio Silva- Diocese de Crato
“Este é o meu Filho, o Escolhido.
Escutai o que ele diz!” (Lc
9, 35)
A Quaresma é sempre
um tempo oportuno para iniciar nossa conversão, por isto, a Palavra deste
domingo convida-nos a subir ao Monte, e iluminados por Jesus Cristo,
abandonarmos as vestes maculadas do homem velho (pecado) e receber de Deus as
vestes esplendentes do homem novo, identificando-nos com Cristo e sua
ressurreição. Somos convidados a contemplar o mistério mais profundo de Jesus,
reconhecer sua identidade de Filho e nos comprometermos a escutá-lo.
A primeira leitura (Gn. 15,5-12.17-18) nos
coloca diante da primeira aliança realizada entre Deus e Abraão, o pai daqueles
que tem fé. A promessa feita a Abraão é humana e aparentemente irrealizável,
afinal ele já é por demais idoso e não gerou filhos com Sara, sua esposa. Deus
lhe propõe um rito de Aliança para atestar a fidelidade da palavra divina.
Todavia em meio ao rito, Deus atrasa sua manifestação para provar a sua fé.
Abraão não desiste e persevera. E eis que no cair da escuridão da noite, Deus
se manifesta para aquele que se mantinha firme e fiel na sua palavra. Com
Abraão, somos convidados a “acreditar”,
mesmo quando humanamente pareça ser vã a nossa esperança (Rm 4,18-22). Ter a uma
atitude de confiança total e de entrega plena aos desígnios de Deus que é
sempre fiel às promessas, será sempre a meta de vida de todo cristão.
Na segunda leitura (Fl 3,17-4,1) São Paulo
convida aos cristãos a seguir seu exemplo sendo imitadores de Cristo e
renunciando a atitude de orgulho, prepotência, autossuficiência e egoísmo que
podem nos tornar “inimigos
da Cruz de Cristo” (Fl
3,18). Em sua sabedoria, o Apóstolo afirma que os ritos
externos devem ser acompanhados por uma vida de fé coerente e fiel. Pois,
enquanto buscamos a pátria celeste, permanecemos chamados a cumprir e exercer
os nossos deveres de cidadãos da pátria terrestre. Afinal a nossa
transfiguração acontece através de uma verdadeira conversão do coração,
construída no viver cotidiano enquanto seguimos o caminho da Cruz, isto é, numa
vida de amor e de doação em favor dos irmãos e irmãs.
No Evangelho (Lc 9,28b-36),
antes de iniciar sua subida a Jerusalém, Jesus reúne seus discípulos, sobe com
eles ao Monte e lá os prepara para viver os momentos finais de sua
missão: a Paixão, a
Morte e Ressurreição. Neste evangelho a transfiguração é apresentada
como uma experiência pessoal de oração de Jesus (Mt 14,26; Lc 4,42; Lc 5,16; Mc 1,35-36; Lc 6, 12; Mc 6, 46, Jo 6,15)
e manifestação de sua divindade.
Como
aconteceu com Abraão no momento de sua aliança com Deus (na primeira
leitura, Gn 15,12),
os apóstolos também sofrem com sono insistente e um terror diante do
acontecimento (Lc
9,32.34). O sono representa o risco de não conseguir esperar
pelos atos divinos e deste modo perder a presença de Deus que vem ao nosso
encontro. O medo ou terror mencionados não devem ser interpretados como receio
de algum malefício, mas sim como ato de reverencial respeito que é próprio
daqueles que tem fé diante da manifestação divina. Pois aqui, neste singular
momento, “apareceu toda a
Trindade, o Pai na voz, o Filho no homem, o Espírito na nuvem luminosa”
(São Tomás de Aquino –
Sum. Th. 3, 45, 4, ad 2). A nuvem gloriosa que no A. T. é
sempre apresentada como sinal da plena presença de Deus, aqui é usada pelo
evangelista para representar também a mudança significativa e definitiva que a
Encarnação do Verbo realiza no modo de Deus se relacionar com o ser humano e
vice-versa. Se a Moisés foi vetada a entrada na nuvem da glória no dia da
inauguração da Tenda do Encontro (Ex
40, 34-35), na transfiguração, os apóstolos são envolvidos e
cobertos com a sombra da nuvem. Neste momento, a humanidade tem acesso ao
mistério da glória de Deus.
Por
meio do diálogo de Jesus com Moisés e Elias, os apóstolos devem compreender
como será a consumada/realizada a sua vida e missão. Os atos de Jesus
realizados em sua missão reproduzem os passos da história da salvação
realizados na história de Israel. Assim como o povo escolhido teve que
atravessar o deserto para alcançar a Terra Prometida (Ex 15,22), Jesus
atravessa a região da Galileia até Jerusalém para sua glorificar Deus com sua
vida (Lc 4,14).
Se no A.T. Moisés sobe sozinho ao monte para encontrar-se com Deus e receber os
mandamentos (Ex 24,12);
aqui é o próprio Deus, física e espiritualmente, que sobe ao monte caminhando
na companhia dos apóstolos (imagem do novo povo eleito), não para escrever
palavras em placas de pedras, mas para revelar-se a eles e lhes falar-lhes
diretamente ao coração.
Os
apóstolos enxergam e ouvem os sinais fabulosos: a luz, a mudança no rosto e nas
vestes, as duas ilustres figuras (Elias e Moisés), a nuvem e a voz divina. São
sinais da presença de Deus no meio do seu povo. Embora fiquem deslumbrados, as
palavras de Pedro revelam que eles não compreendem que aquela experiência
embevecedora é na verdade a preparação para a desoladora realidade que se
aproxima: a incompreensão, a traição, o abandono, sofrimentos e morte (Cruz).
Todavia em face da provação, a ressurreição será a resposta de Deus à entrega
confiante do Filho amado. Os apóstolos que foram agraciados com esta revelação
não devem conceber este momento com um privilégio que os distingue dos demais
discípulos em superioridade. Pelo contrário. Seguindo o princípio de “a quem muito foi dado, muito será
cobrado” (Lc
12,48), aqueles que contemplaram a transfiguração, deverão
fortalecer a fé para suportar as provações da Paixão e Morte do Mestre e
mediante a fé na Ressurreição, “confirmar
os seus irmãos” (Lc
22,31-32).
Os
apóstolos enfrentam a tentação de querer permanecer nesse momento de revelação
gloriosa, desviando o coração do caminho de sofrimento de Jesus. Como
discípulos atuais, necessitamos compreender a mensagem fundamental: Jesus é o Filho amado de Deus, através
de quem o Pai oferece a humanidade uma proposta definitiva de aliança,
libertação e salvação.
Todavia
é preciso ter consciência de que no caminho de Jesus não existem atalhos e que
o plano salvador de Deus em Jesus Cristo não se realiza através de esquemas de
poder, guerra, injustiça e violência, mas através da doação da vida no amor que
se oferta até à morte. Aqueles que almejam a glória da ressurreição necessitam
evitar cair na tentação de querer “contornar” o Calvário e a Cruz. É esse o
caminho que nos conduz, à transfiguração em Humanidade Nova.
A
transfiguração de Jesus é um sinal que anuncia e aponta para a futura
transfiguração da humanidade que foi realizada inicialmente pela Ressurreição
do Senhor. Como disse São Paulo aos cristãos de Corinto: “Todos nós, porém com rosto descoberto,
refletimos com um espelho a glória do Senhor e, na mesma imagem, somos
transformados, de glória em glória, pelo Espírito do Senhor” (2Cor 3,18). Portanto,
ser discípulos nos obriga a continuar a obra Dele, descer o monte e “regressar
ao mundo” para fazer da vida um dom e uma entrega aos irmãos e irmãs. A
religião não é e não deve ser “ópio” que nos entorpece, mas uma aliança com
Deus que tornamos compromisso de amor com a criação e com a humanidade inteira.
Correspondamos
a voz divina que clama. Escutemos o seu Eleito, o seu Filho Unigênito (Lc 9,35).
https://diocesedecrato.org/homilia-do-2o-domingo-da-quaresma-ano-c/
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