sábado, 29 de março de 2025

XIII- SANTO AGOSTINHO E O FILHO PRÓDIGO A parábola do filho pródigo à luz de Santo Agostinho

 

 

XIII-             SANTO AGOSTINHO E O FILHO PRÓDIGO

A parábola do filho pródigo à luz de Santo Agostinho

 

Por Frei Mário Spergio OSA.

A partir do Sermão 112A, este artigo analisa a parábola do filho pródigo sob a perspectiva de Santo Agostinho, destacando temas como afastamento espiritual, conversão interior e misericórdia divina. Com uma interpretação simbólica e atemporal, o texto oferece reflexões profundas sobre a relação entre Deus e cada um de nós.

 

A parábola do filho pródigo, narrada unicamente por Jesus no Evangelho de Lucas, é uma das mais conhecidas e certamente mais profundas. Trata-se de uma das parábolas de Jesus mais estudadas, comentadas e apreciadas tanto por crentes quanto por não crentes. De certo modo, todos nós, em algum momento da vida, acabamos nos identificando com algum dos memoráveis personagens da parábola.

 

Santo Agostinho nutria uma particular veneração por esta história, tanto que, em muitas passagens das Confissões, estabeleceu um paralelo entre o errático filho pródigo e sua própria trajetória inquieta.

 

Neste artigo, pretendemos seguir de perto as ideias e intuições de Santo Agostinho sobre a leitura dessa parábola lucana. Tomaremos como ponto de partida o Sermão 112A, que nos oferece uma interpretação rica, simbólica e cheia de nuances, ajudando-nos a refletir também sobre nossa trajetória espiritual.

 

Os dois filhos: duas histórias, um só Pai

Santo Agostinho interpreta simbolicamente os dois filhos da parábola como dois povos: o mais velho representa o povo judeu, que permaneceu fiel à Lei e ao único Deus, enquanto o mais novo simboliza os pagãos, que se afastaram do Criador para seguir ídolos e paixões desordenadas. O bispo de Hipona sublinha que ambos os filhos recebem do Pai uma herança preciosa: alma, inteligência, memória e engenho, dons dados para que conhecessem e adorassem o Criador. Sobre isso, Agostinho escreve: “Qual é a herança que receberam? A alma, com todas as suas faculdades, isto é, inteligência, memória e engenho.” (Sermão 112A, 1)

 

O filho mais novo, ao partir para uma “terra distante”, afasta-se espiritualmente e materialmente do Pai, desperdiçando os dons recebidos em uma vida desordenada e dissoluta. Segundo Agostinho, essa terra distante simboliza o esquecimento do Criador e a adesão ao pecado.

 

Atenção: essa distância não é apenas geográfica ou espacial, mas sobretudo existencial. Podemos estar fisicamente próximos, mas espiritualmente distantes do Pai. Ainda no seu sermão, Agostinho identifica as "meretrizes" do relato com as paixões e os ídolos, que frequentemente nos afastam de Deus.

 

O vazio da distância

A fome que o filho sente longe do Pai, para Agostinho, nada mais é do que a fome da Verdade, que somente Deus pode oferecer à sua criatura. Como recorda o texto bíblico, o jovem, querendo saciar-se, pede ao “chefe daquela região” que lhe dê trabalho. O chefe daquela região, segundo Agostinho, é um símbolo do diabo, que lhe confia a missão ingrata e impura de cuidar de porcos — uma imagem que, por excelência, representa a impureza, o pecado e a condição miserável daquele que se entrega à escravidão espiritual. “Ele é enviado ao campo, para cuidar dos porcos, ou seja, aos pecadores. A fome é a falta de pão celeste, de alimento espiritual, de Cristo.” (Sermão 112A, 2)

 

As bolotas, que não satisfazem o filho mais novo, para o Doutor da Graça, simbolizam os ensinamentos mundanos, ideias que enchem os ouvidos, mas que não nutrem a alma e o coração. Essa situação experimentada pelo filho pródigo reflete o vazio de quem busca prazer e sentido naquilo que não pode oferecer plenitude.

 

Voltando a si, voltou para o Pai

O momento culminante na história é aquele em que o filho "volta a si". Agostinho, mestre da interioridade, enfatiza que, antes de retornar à casa do Pai, ele precisava reencontrar-se consigo mesmo. Enfim, não se pode encontrar Deus enquanto se está disperso e perdido de si mesmo. “Não teria ele voltado ao Pai se antes não tivesse voltado a si mesmo. E como voltou a si? Reconhecendo sua condição.” (Sermão 112A, 3)

 

Deus, como Pai misericordioso, é o verdadeiro protagonista da parábola. Ele não apenas aguarda o retorno do filho, mas o avista de longe e corre ao seu encontro. Agostinho interpreta essa atitude do Pai como a expressão mais cabal do Deus de Jesus Cristo: o Deus do perdão e do abraço, que ama incondicionalmente seus filhos e nunca os abandona. “O Pai corre ao encontro. De fato, Deus não é lento em perdoar aquele que se arrepende; não é demorado em correr ao seu encontro.” (Sermão 112A, 3)

 

O novilho gordo e a festa da reconciliação

O banquete celebrado com o novilho gordo, segundo Agostinho, nada mais é do que uma imagem do sacrifício de Cristo. O Filho, morto e ressuscitado, é o alimento espiritual oferecido na Eucaristia, único capaz de saciar verdadeiramente, que acolhe aqueles que retornam à comunhão com Deus. “É o mesmo Cristo que foi morto por nós e ressuscitou; é ele quem nos nutre em sua Igreja. Este é o novilho gordo.” (Sermão 112A, 4)

 

O irmão mais velho e a tentação do orgulho

O irmão mais velho, ao se recusar a entrar na festa, nos lembra de algo muito humano: a dificuldade de aceitar o perdão dado a quem, aos nossos olhos, “não merece”. Para Agostinho, ele representa os judeus da época apostólica, que se ressentiam ao ver os pagãos acolhidos na Igreja sem que estes passassem pelos rigores da Lei mosaica. “Os judeus disseram entre si: ‘Estamos aqui servindo a Deus sob o peso da Lei, e agora eles, sem trabalharem como nós, são recebidos e feitos filhos’.” (Sermão 112A, 5)

 

Esse ciúme, porém, vai além de uma questão histórica. Ele é um retrato do orgulho e do julgamento que todos, em algum momento, podemos sentir. É a dificuldade de reconhecer que a graça de Deus não é conquistada por mérito, mas é gratuita, oferecida a todos.

 

Mesmo assim, o Pai não desiste do irmão mais velho. Ele sai de casa, vai ao encontro dele e o convida com paciência a fazer parte da festa. Esse gesto mostra que, para Deus, ninguém está fora do alcance da sua misericórdia.

 

Uma parábola para todos os tempos

A história do filho pródigo — ou melhor, do Pai Misericordioso — é muito mais do que um conto antigo. É sobre nós. Todos, em algum momento, somos como o filho mais novo, que se afasta e precisa voltar, ou como o mais velho, que luta com a dureza do próprio coração.

 

O Pai, no entanto, não faz distinção. Ele ama os dois filhos com a mesma intensidade e paciência. Sempre está de braços abertos, esperando que todos voltem para Ele. Santo Agostinho expressa isso de forma tocante: “Não existe alegria maior para Deus do que a conversão de um pecador.” (Sermão 112A, 6)

 

Conclusão

A mensagem de Santo Agostinho no Sermão 112A continua atual porque fala de algo essencial: a possibilidade de recomeçar. Quantas vezes nos sentimos em uma “terra distante”? Pode ser uma crise espiritual, escolhas erradas ou apenas aquele vazio que parece impossível de preencher.

 

O que essa parábola nos ensina, com a ajuda de Agostinho, é que nunca é tarde para voltar. Não importa quão distante estejamos, Deus está sempre pronto para nos acolher. O Pai não exige explicações complicadas nem perfeição. Basta reconhecer a própria miséria, levantar-se e dar o primeiro passo. O resto, Ele faz.

 

Fonte Centro de Estudos Agostinianos

 

https://www.osabrasil.org/noticia/post/a-parabola-do-filho-prodigo-a-luz-de-santo-agostinho

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