I-
REFLETINO COM LINDOLIVO SOARES MOURA ( *
)
"JESUS, O MAIOR ADVOGADO QUE JÁ EXISTIU: PRINCÍPIOS,
VALORES E PRÁTICAS DO MAIOR LIDER ESPIRITUAL DE TODOS OS TEMPOS, E O EXERCÍCIO
DA ADVOCACIA NA MODERNIDADE"
"Aquele dentre vós
que estiver sem pecado, seja
o primeiro a lhe
atirar uma pedra" [Jo 8,7]
Eduardo Couture, falecido na década de
cinquenta do século passado, foi um renomado jurista, professor, escritor e
advogado uruguaio, conhecido principalmente por sua obra sobre
"deontologia jurídica - parte da ética que trata dos deveres e princípios
morais que regem uma profissão ou conduta humana - e pelo livro "Os Dez
Mandamentos do Advogado". No embalo do título por ele escolhido,
selecionei dez situações ou "encontros" em que, de uma forma ou de
outra, Jesus é instado a se posicionar e, conforme o caso, julgar e decidir
sobre a temática ou a situação que lhe estavam sendo apresentadas. Não há uma
ordem de importância ou um critério de seleção que tenham orientado tal
escolha, nem tampouco tal número ou tal ordenamento, ficando você, que
normalmente comigo compartilha tais reflexões, absolutamente livre para começar
por onde preferir, e inclusive para acrescentar ou excluir qualquer das
situações aqui propostas à reflexão. O mais importante - e isso é o que espero
acontecer e contar "com" - é poder oferecer uma oportunidade para que
se possa refletir sobre o tema. É claro que o interesse tende a ser maior,
suponho eu, se você tramita pela área do Direito. Mas ainda que não seja o
caso, o tema e o viés da abordagem podem ser, também para você, de alguma
relevância ou interesse. Ótima leitura e profícua reflexão.
[01]
A MULHER ADÚLTERA: O DIREITO, A JUSTIÇA E A MISERICÓRDIA.
A lei mosaica determinava a pena de
morte para o adultério, mas a intervenção de Jesus quando solicitado a proferir
sua decisão, deixa claro que o Direito justo, e uma justiça mais elevada, exigem
mais que condenação e punição: requerem humanismo, humanidade e consideração
especial, para com todo o contexto que envolve a pessoa que está sendo julgada.
Isso sugere que, ao defender ou julgar um acusado, o advogado e os demais
operadores do Direito jamais devem se esquecer de que o Direito não se resume a
uma aplicação fria, isenta de afeto e de emoção, de regras, normas, costumes e
tradições, mas supõe uma busca incessante e incansável pela justiça real, no
aqui e no agora da pessoa, como caso singular e único, levando em conta o
contexto humano em que ela se encontra envolvida, bem como considerando não só
os atos tipificados como tais, mas também as circunstâncias, os afetos e as
emoções que norteiam a vida de cada pessoa envolvida no processo. Como nos
lembra o filósofo e estudioso espanhol Ortega y Gasset, "eu, sou eu e
minhas circunstâncias", e não apenas um eu isolado, puro, positivado,
destituído de uma história a ser contada, e uma trajetória a ser considerada.
Isso implica, entre outras coisas, na necessidade de se aprender a sentir o
empatia pelo ser humano, conhecer e
reconhecer as causas e motivações que o levaram a cometer determinado erro, tal
crime ou delito, e buscar alternativas de transformação e recuperação que não
se limitem à condenação e à punição, pura e simplesmente, mas sejam capazes de
promover uma justiça ampla e o mais completa possível. Quando o advogado atua
com essa empatia, com discernimento e com "com"-paixão, ele está
resgatando a verdadeira essência do Direito, e a grandeza da dignidade humana,
tornando -se instrumento de "re"-criação e "re"-umanização,
e não exclusivamente exercendo uma simples defesa, por mais importante que ela
seja, em nome de quem quer que seja. Regra de ouro: "a justiça sem a
misericórdia descamba inevitavelmente para a crueldade, ao passo que a
misericórdia sem a justiça descamba diretamente para a permissividade".
Importa perseguir sempre o equilíbrio entre ambas, pois o que é feito em nome
da justiça, mas sem compaixão e bondade, pode se tornar um fardo insuportável
para aqueles que buscam e esperam por uma nova chance de recuperação e
regeneração em suas vidas. Nos atos paradigmáticos e arquetípicos de Jesus -
nunca será demais recordar - é a misericórdia que triunfa da justiça, e não o
contrário.
[02]
OS COMERCIANTES "NO" TEMPLO: O DIREITO, A JUSTIÇA E A MORALIDADE
PÚBLICA.
A norma pode permitir o comércio, o
escambo, compra e venda, e muitas outras
formas de transação e negociação, mas se qualquer um desses procedimentos acaba
corrompendo valores e princípios, e corroendo ideais, com certeza esse não é um
Direito justo. Jesus demonstrou que a moralidade, os princípios e os valores
sociais devem ser protegidos como um bem, um fim legítimo e nobre a ser
preservado. Na advocacia isso significa, entre outras coisas, que lutar contra
a corrupção e a exploração econômica também é uma forma de aperfeiçoar o
próprio Direito, para que renovado, restaurado e revitalizado ele possa cumprir
com seu propósito maior, que é o de fazer e distribuir justiça a todos, sem preconceito ou discriminação, e não
apenas a uma parte considerada mais nobre e privilegiada da população. O
Direito não é apenas um conjunto de normas que autorizam certas práticas
enquanto proíbem outras; requer-se que ele seja um reflexo dos costumes,
princípios e valores que norteiam e protegem a sociedade como um todo, não
permitindo que interesses egocêntricos egoístas venham a destratar ou ferir a
dignidade e a humanidade do ser humano. Um advogado comprometido com a ética e
os princípios deve agir como verdadeiro guardião dos valores e princípios
fundamentais da comunidade humana, fazendo o que estiver ao seu alcance para
impedir que o poder e o lucro prevaleçam sobre o que é moral e eticamente, e
não apenas jurídica e legalmente, certo, correto e justo.
Regra de ouro: "jamais faça uso
da justiça como moeda de troca ou de negociação, por qualquer preço ou em
virtude deste ou daquele vil pretexto". O que com mentira, engodo e má
intenção, se obtém ao longo da vida, de alguma forma será cobrado com juros,
dividendos e correção monetária. Essa é a chamada "Lei do Karma", ou
"Lei da Causa e o Efeito". O Direito existe, não apenas para regular
as relações comerciais, materiais e até humano-afetivas entre as pessoas, mas sim,
e acima de tudo, para assegurar que os interesses maiores da inteira
coletividade não sejam prejudicados pelo egoísmo, o egocentrismo, a astúcia e a
esperteza de poucos. O trabalho e a intervenção do advogado podem parecer uma
atividade de "formiguinhas", frente à urgência do quanto precisa ser
feito. Mas não nos esqueçamos que a convivência e a sobrevivência do
formigueiro depende diretamente do trabalho eficaz e eficiente de cada uma
dessas formiguinhas, sempre prontas e dispostas a fazer, e bem, a parte que
cabe a cada uma.
[03]
O FARISEU E O PUBLICANO: O DIREITO, A JUSTIÇA E O HUMANISMO.
O fariseu da parábola, assim como toda
sua classe, seguiam dedicada e fielmente as muitas e diversas regras religiosas
e costumes oriundos da tradição. "O que poderia haver de errado, então!?",
você poderia estar se perguntando. A resposta de Jesus é clara: a dureza e a
intransigência de seus corações! Eles não conheciam e tampouco praticavam a
verdadeira justiça, e desconheciam o que
era a simplicidade da alma e a pureza que deve animar um coração. No exercício
de sua profissão, o advogado jamais deve se esquecer-se de que a mera e simples
aplicação cega da norma ou da lei, pode acabar sendo expressão não exatamente
de justiça, mas sim de injustiça gritante, que clama aos céus, quando ele não
se leva em conta a vida real e a realidade vital dos envolvidos numa
determinada causa ou julgamento. O Direito justo, tão caro a Stammler e outros
amantes da ciência e da prática jurídicas, não se resume nem tampouco se esgota
no mero, rigoroso e até fervoroso
cumprimento da lei ou da norma; pelo contrário, ele pressupõe a compreensão de
sua finalidade última e mais importante, que são a justiça e o resgate do ser
humano. A verdadeira justiça vai muito além das aparências; ela se funda na
sinceridade de intenções e na determinação sincera em servir com
dignidade, praticando a profissão não
"como se fosse", mas como sendo de fato uma verdadeira e autêntica
missão. No exercício de sua atividade requer-se do advogado - e não menos, dos
demais operadores do Direito - ir além da postura legalista e formalista
exigidas pela polidez e o decoro. É preciso abraçar a sensibilidade, a empatia
e a compaixão, reconhecendo as
vulnerabilidades e os valores muitas vezes esquecidos e ignorados, para que
assim a justiça não seja apenas um instrumento de controle e de manipulação,
mas de real mudança e transformação.
Regra
de ouro: "quem
se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado". Na advocacia,
a palavra, o conhecimento e a capacidade de convencer e persuadir, devem estar
antes de tudo a serviço da verdade, da equidade e da justiça, e não
prioritariamente a serviço do sucesso e da vitória a qualquer preço e a
qualquer custo. Afinal, o genuíno e autêntico compromisso com a justiça não se
faz pelo brilho ou mérito pessoal, como se fosse esse o principal cartão de
visita e de apresentação do advogado, mas sim pela mansidão do espírito e a
humildade do coração na busca pela justiça e pelo bem comum maximo, que sempre
foi e continuará sendo outro nobre fim a ser perseguido não só pelo advogado,
como também por todos os personagens envolvidos com a ciência, a prática e a
distribuição do direito e da justiça. Em nenhum momento de suas intervenções
Jesus sacrifica o bem coletivo em favor do bem individual, e nem tampouco o bem
individual em favor do bem comum. Ambos são igualmente perseguidos e
preservados, sem que nenhum deles seja sacrificado. E talvez justamente nisso
se constitua a verdadeira e autêntica sabedoria a nortear o rumo e a direção do
advogado no exercício de sua profissão.
[04]
OS DISCÍPULOS COLHENDO ESPIGAS NO SÁBADO: O DIREITO, A JUSTIÇA E A EQUIDADE.
A justiça e a lei do sábado -
"Shabat" ou "Shabbatt", para os judeus - praticadas pela cultura e pelos costumes
judaicos, proibiam qualquer tipo de atividade laboral no nesse dia, considerado
de descanso, e especialmente consagrado
ao Senhor Deus. Assim foi também para o cristianismo do primeiro século; depois
passou a ser o domingo - "Dominus", senhor das terras, dos escravos,
e título imperial, no império romano. Jesus porém teve que expor-se e correr
riscos, para que assim pudesse ensinar que o ser humano e a dignidade humana
estão acima de qualquer preceito ou norma rígida, que ao invés de libertar,
termina por escravizar ainda mais o ser humano. Nesse sentido o advogado e os
demais operadores do Direito devem estar sempre atentos e determinados a
interpretar a lei ou a norma com equilíbrio, equidade e epiqueia, buscando por
todos os meios possíveis evitar interpretações e aplicações rígidas e mecânicas,
que quase sempre terminam produzindo muita dor, sofrimento e injustiça para os
que são tratados, julgados e condenados dessa forma. O Direito positivo,
pressupõe-se, tenta ser justo e expressão da justiça, mas na maioria das vezes
ele precisa da sensibilidade humana - empatia, delicadeza, sensatez, e até
certa dose de intuição, por que não!? - para alcançar seu mais alto e nobre
objetivo, que é tornar a justiça ao alcance de todo, em especial dos mais
fracos, frágeis e vulneráveis. Em situações que envolvam a honra, o decoro e a
dignidade humana, o advogado deve buscar a flexibilidade dentro da lei para
garantir que a justiça prevaleça, mesmo quando a regra ou a norma possa estar
sendo interpretada de forma rígida, positivista e legalista por este ou aquele
operador do Direito. Isso implica uma reflexão contínua sobre as consequências
da aplicação da lei e de como ela afeta a existência real e vital das pessoas;
muito além , portanto, de defender uma causa e contribuir para ajudar a
resolver essa ou aquela desavença, este ou aquele conflito de interesses.
Regra de ouro: "A lei foi feita
para o homem, e não o homem para a lei". O advogado, como de resto todos
os demais operadores do Direito, devem fazer uso da norma e da lei colocando-as
a serviço da vida em sua plenitude máxima, já aqui nesta dimensão de realidade,
e não simplesmente esperando que essa espécie de "utopia" se realize
em uma outra. Não podem permitir que a lei ou o próprio arcabouço jurídico se
transformem numa espécie de "gaiola" de normas e de regras mortas,
mais aptas a escravizar do que libertar a vida humana. Uma interpretação e uma
aplicação justas do Direito, não se
restringem, portanto, ao uso da norma e da ciência jurídica como um mero
conjunto de "técnicas", mas requerem flexibilidade versatilidade e
empatia, frente as circunstâncias, os condicionamentos e as adversidades que
envolvem o ser humano. Como muito bem nos lembra o grande cientista e humanista
Albert Einstein, "ensinar ou fazer uso de uma técnica, sem transmitir e
incorporar a essa mesma técnica, os valores e princípios inerentes ao seu
ensino e ao seu uso, é adestrar e domesticar o ser humano, assim como se faz
com um cão". Rubem Alves denunciava as diversas "teologias" como
sendo "gaiolas de palavras", cuja principal finalidade acaba sendo a
de manter enclausurado o Grande Mistério. O Direito pode acabar fazendo algo
semelhante para com a justiça, só que não apenas com palavras, mas com normas e
leis de todo tipo. De acordo com celebre ditado alemão, "quanto mais leis,
menos justiça".
[05]
O JOVEM RICO: O DIREITO, A JUSTIÇA E SUA DIMENSÃO DISTRIBUTIVA.
A riqueza do simpático jovem que se
apresenta diante de Jesus, indagando sobre o caminho a seguir, rumo à
felicidade plena, era uma riqueza "legal", para fazermos uso de um
termo bem em consonância com a temática da presente reflexão. Bem diferente
daquela outra riqueza que fora sendo erguida sempre a um nível cada vez mais
alto, por um tal de Zaqueu. Portanto a princípio nada havia a objetar e menos
ainda a recriminar, por parte de Jesus, quanto a esse pormenor específico.
Ainda assim Ele, Jesus, se adianta em esclarecer que a justiça verdadeira e
plena não se restringe e nem se satisfaz com o aspecto meramente legal dos
métodos e dos meios, levados a cabo para se edificar um grande império
econômico, como parecia ser o caso daquele homem, curiosamente ainda jovem.
Talvez a tivesse herdado, descoberto e se tornado proprietário de uma mina de
ouro, adquirido por via de algum milagre - sabe-se, lá Deus! Tudo é possível
àquele que crê! - ou por outro caminho que não parece ter sido o mesmo de
Zaqueu. Não importa! Jesus deixa bem claro que a justiça verdadeira e plena
exige mais, bem mais do que mãos puras e limpas. A vida vivida e desenvolvida
por aquele jovem era boa, provavelmente até exemplar e recomendável, mas o que
Jesus por intermédio desse encontro nos quer ensinar, é que a justiça maior e
suprema exige desapego, solidariedade, compromisso e partilha, ao limite máximo
do que cada pessoa seja capaz de suportar. De acordo com certo número de
estudiosos, o Direito enquanto
"sistema jurídico", em certo sentido se satisfaz com um
"minimum" ético, moral, de virtuosidade, e até mesmo de
comprometimento com o justo, como pudemos verificar no exemplo da casa colocada
à venda, narrado na primeira parte da presente reflexão, por André
Comte-Sponville. Exatamente por isso o advogado e os demais operadores do
Direito, precisam ter presente que nem tudo que é permitido por lei é moral, é
ético, é humanamente o melhor, o mais correto, o mais desejável, ou a meta
ideal a ser perseguida. Um Direito justo é, antes de tudo, aquele que busca
equilibrar liberdade pessoal e individual, com responsabilidade coletiva e
social. A justiça ideal, mais que a justiça positivada nos códigos e estatutos,
vai além, muito além desta justiça dos códigos e estatutos. Ela transcende a
mera conformidade com a lei e a norma de qualquer direito histórico, concreto e
pisitivado. É nesse sentido que Jesus afirma não ter vindo transgredir e muito
menos "abolir" a Lei e os costumes, mas sim "elevá-los a um
patamar mais elevado". Esse novo patamar exige que se esteja atento para o
impacto das ações, dos julgamentos, e sobretudo das condenações, sobre as
pessoas - cada uma delas, sobretudo aquelas mais frágeis e vulneráveis - e
sobre toda a coletividade. Advogados e demais operadores do Direito não podem
se contentar em ser meros legisladores, intérpretes, aplicadores e defensores
da lei escrita e sistematicamente positivada. Isso é bom, como boa e louvável
era a vida do jovem rico; mas é pouco. É insuficiente! Para além disso, devem
ser defensores de uma justiça que assegure o máximo de bem-estar coletivo e
individual ao mesmo tempo, buscando sempre,
por meio de uma epiqueia como recurso humanizante e ainda mais elevado,
o melhor equilíbrio possível entre os direitos dos mais abastados e os direitos
dos mais pobres, mais fracos e por isso mesmo, mais vulneráveis. Regra de ouro:
"De que vale ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma?". O
Direito não pode, e jamais deve ser utilizado satisfazer a ganância, a cobiça,
a cupidez e a ambição excessiva de uma minoria, em detrimento da dor, do
sofrimento e da injustiça cometida contra uma grande maioria. Jesus não advoga a
favor, nem tampouco condena o jovem rico. Simplesmente aproveita a ocasião para
ensinar que a riqueza verdadeira não é medida pelo quanto se tem, se conquista
e se acumula, mas sim pelo que se divide e se compartilha com os outros,
sobretudo com aqueles que pouco ou nada têm. Acumular por acumular, grão por
grão, celeiro por celeiro, sem dividir, sem distribuir e sem compartilhar, é
pura loucura, no dizer de quem como poucos, sabia de justiça. O Direito
tampouco é vitrine, por onde desfilam o poder, o autoritarismo, a magalomania e
a indiferença para com a justiça. "Sereis como deuses!"; mas
divindades humanas, que um dia terão que prestar contas de seus abusos.
(* ) Texto enviado por whatsApp pelo autor, de Vitoria (ES)
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