Padre Ricardo Leão
Essência da religião
Uma
possível origem etimológica da palavra religião seria: “relegere” (voltar,
colher, recolher, ler), ou seja, refletir frequentemente sobre um objeto
importante. Por isso, quem refletia com insistência sobre o culto era chamado
de religioso.
Outra
seria: “religare”, que significa atar de novo, admitir livremente o vínculo que
ata o homem a Deus. Na antiguidade, isso era simbolizado pelas faixas com que
os sacerdotes pagãos eram cingidos.
Finalmente,
uma última opção, aceita por Santo Agostinho, é: “reeligere”, que é voltar a
aderir-se a Deus de quem nos separamos pelo pecado.
Santo
Tomás aceita as três possibilidades, porque todas fazem menção a uma relação do
homem com Deus, que seria a noção básica de religião.
Determinada
essa natureza ou essência da religião, surge as seguintes questões. Tem o homem
a obrigação de ser religioso? Se sim, em que forma deve praticar?
Este
artigo tem como escopo demostrar que o ser humano possui a necessidade
imperiosa de atuar religiosamente como uma tendência que procede da sua própria
intimidade natural. Ou seja, faz parte da sua natureza, da sua essência humana
relacionar-se com Deus. Por isso, desde o começo da humanidade e em todas as
eras, o ser humano reconhece a existência de um poder (ou poderes) independente
e superior a ele, – possuidor de uma realidade objetiva, suprema e pessoal –,
e com o qual, num sentimento de profunda dependência, sente a necessidade de
submeter-se e relacionar-se. Nisso se diferencia radicalmente a religião da
magia, porque esta tenta dominar, submeter as forças divinas a fim de conseguir
certos efeitos.
Esse
reconhecimento gerou o cogente de organizar associações humanas, de realizar
atos concretos, e de regulamentar a vida, a fim de facilitar e efetivar esse
relacionamento. Daí surgiram as religiões antigas e modernas, como associações
de homens que praticam crenças referentes a uma realidade objetiva, única ou
coletiva, suprema e pessoal, da qual o homem se reconhece, de alguma forma,
dependente e com a qual quer permanecer em comunicação.
Os que negam essa necessidade
Porém,
houve na história aqueles que, sem negarem propriamente a necessidade do homem
ser religioso, não a consideraram como uma obrigação humana, por terem
concebido uma noção errada de Deus. Mais propriamente esse modo de pensar foi
convergindo cada vez mais para um ataque direto ao cristianismo. E Isso
conduziria, inevitavelmente, à negação absoluta dessa necessidade por aqueles
que rejeitaram, absolutamente a existência de Deus.
Sempre
houve, na história da humanidade, o ateísmo, mas é difícil encontrar, nos
escritos conhecidos de pensadores antigos, a afirmação de que Deus não existe
e, portanto, a negação de uma necessidade da religião. Tal postura surgiu, mais
sistematicamente, na Idade Moderna até desembocar no ateísmo propagandista dos
filósofos e pensadores do século XIX.
Podemos apontar, como
princípio de tudo isso, ao surgimento do conceito de imanência de
René Descartes (1596-1650), que, sem negar a existência de Deus, foi dando
brechas a filósofos posteriores a excluir qualquer realidade que esteja fora do
âmbito da razão humana.
O deísmo, nas suas várias correntes, afirma, em
termos gerais, que o mundo foi criado por Deus, mas Ele não cuida mais dele,
apenas terá revelado alguns princípios de religião natural como a sua
existência, a obrigação de dar-lhe culto, exercitar a piedade e a virtude,
expiar os pecados e a certeza da justiça divina, o resto são fábulas inventadas
pelos sacerdotes. Edward Herbert (1583-1648) é considerado o pai do deísmo.
O panteísmo de Baruch de Espinoza (1632-1677),
para o qual Deus é a natureza, também influenciaria na inadequação de uma
comunicação interpessoal entre Deus e os homens.
Com o iluminismo começou a se alegar que o cristianismo não era uma
religião revelada, mas sinônimo de superstição e fanatismo. A mente humana tem
naturalmente um conhecimento completo de tudo o que se refere à essência de
Deus infinito e eterno, por isso, entendem a religião, especialmente a cristã,
como uma criação da mente humana. Nomes que se destacam dessa corrente são:
John Locke (1632-1704), também considerado deísta e um dos iniciadores do
liberalismo clássico; François Marie Voltaire (1694-1778), Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) e David Hume (1711–1776).
Hermann
Samuel Reimarus, (1694-1768), criou a teoria da fraude: os apóstolos roubaram o
corpo de Jesus e inventaram a ressurreição.
O enciclopedismo do século XVIII foi um
movimento filosófico-cultural originado do iluminismo, desenvolvido na
França por Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert
(1717-1783), e que buscava catalogar todo o conhecimento humano a partir dos
novos princípios da razão numa obra monumental, que constava de 35 volumes, com
artigos de Voltaire, Montesquieu, Rousseau e outros. Eles admitiam a necessidade da
religião, mas só como atos internos (os externos não são obrigatórios).
Para o criticismo, o homem deve atuar religiosamente, mas
com leis que procederiam da sua própria consciência. Entre estes incluímos
Immanuel Kant (1724-1804), para quem a religiosidade deve estar subordinada ao
que dita a razão humana, que foi capaz de elaborar conceitos tão perfeitos
sobre a moralidade. E isso teria agradado a Deus.
Os idealistas não negam o influxo de Deus no
mundo, promovem a vida de piedade no povo com uma ideia racionalista (pela
simples razão), que deve servir de norma para qualquer doutrina religiosa.
Considerado um dos criadores do idealismo alemão, Johann Gottlieb Fichte
(1762-1814) desenvolveu as suas teorias a partir dos escritos teóricos e éticos
de Kant. Sua obra é frequentemente considerada como uma ponte entre as
ideias de Kant e as de Hegel.
Foi
seguindo nessa senda que Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) afirmou ser
a revelação a manifestação consciente da essência de Deus no espirito humano.
Para ele, o verdadeiro homem-Deus não é Jesus Cristo, mas a humanidade; quem
crê na divindade de Jesus é um homem intelectualmente inferior. De certa forma,
suas ideias se encachariam perfeitamente na doutrina panteísta.
Também devemos mencionar
os ateus evolucionistas: Jean-Baptiste
de Lamarck (1744-1829) e Thomas Huxley (1825-1895). Para eles a religião é uma
ficção que propõe doutrinas para responder às inquietações do coração, assim
como a ciência satisfaz as inquietações da inteligência; e com o tempo só
haverá de sobrar o culto à verdade cientifica, ao belo artista e o bem comum
social.
Quanto aos empiristas e positivistas Auguste Comte
(1798-1857) e Herbert Spencer (1820-1903) poderíamos dizer, sucintamente, que
para eles a religião seria fruto de representações produzidas pelos sentidos,
afetos, subconsciente e sociedade.
Podemos
afirmar que Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) foi o primeiro pensador
moderno a negar a necessidade da religião. Ou melhor, para ele a religião é
nociva e inútil para o homem, porque na tentativa de ser perfeito e feliz, ele
projeta em um ser não humano (Deus) qualidades e sentimentos humanos que ele
almeja ter, levando-o assim a desinteressar-se da realidade. Essa visão de Feuerbach
fundamenta-se na sua negação da existência de um Deus pessoal distinto do homem
e da natureza.
Karl Marx
(1818-1883) também afirma a alienação causada pela religiosidade, que é um
fenômeno gerado pela opressão econômica. Desaparecida esta, a tendência
religiosa haverá de desaparecer no homem. Portanto, a religião nasceria da
injustiça social e ela que a justifica e perpetua.
Para
Friedrich Nietzsche (1844-1900) a religião, mais especificamente o
cristianismo, é uma moral de escravos, um crime contra a vida e inimiga da
razão.
Para o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939)
religião é uma forma de neurose coletiva que nasce da frustração provocada
pelas angustias e impotência perante os problemas da vida, e da avidez de
felicidade eterna e absoluta. A religião, assim, seria a maneira de unir-se a
um pai perfeito. Essa teoria da origem da religião é totalmente gratuita como
reconheceram os especialistas. Freud não conseguiu perceber que a autêntica
vivência religiosa é um reconhecimento de que há um Ser superior pessoal.
Jean-Paul Sartre (1905-1980), nome destacado
do existencialismo,
acusa os homens religiosos de “má fé” por pretenderem fugir da angustia
recorrendo a ideias, a sinais e a Deus.
Os neopositivistas afirmavam que a religião é uma
mera manifestação de sentimentos, absolutamente desnecessários.
Os agnósticos creem que a inteligência humana não
é capaz de saber a verdade sobre Deus, por isso, seria impossível para ele ser
religioso.
Os pragmáticos só admitem atos de culto a Deus
por mera utilidade pública e econômica. Nesse grupo se inclui, especialmente,
os maçons.
Os indiferentes absolutos não negam a existência
de Deus, mas sim a necessidade do culto, porque depois de ter criado o mundo
não se interessa mais por ele.
Os socialistas e protestantes liberais aceitam
uma certa obrigatoriedade de dar culto a Deus interna e externamente, mas não
socialmente, pois o Estado deve ser ateu nas suas funções ou evitar qualquer
profissão externa religiosa.
Provas
da necessidade da religião
Contra esses, outros
acreditam que Deus exige a prática da religião natural por
parte do homem, mediante atos de culto internos, externos e sociais, porque
imprimiu na sua natureza humana, por Ele criada, essa necessidade como condição
para alcançar o seu último fim.
Os
atos internos de culto são atos da inteligência e da vontade humanas, que levam
o homem a se submeter obedientemente a Deus, a reverencia-lo e a amá-lo. Os
atos externos são atos concretos de adoração, oração, sacrifício, etc. E os
atos sociais são aqueles realizados pela sociedade como tal ou por uma pessoa
pública que tem autoridade ou a representa.
Considerando a natureza humana
com relação a Deus digamos
que a prática da religião surge necessariamente no homem pela dependência que
ele tem a Deus, seu Criador e Governador supremo; pelo dever de dar-Lhe glória,
já que Ele não pode criar nada senão para a sua glória extrínseca; por depender
a sua felicidade disso; e por gratidão a Deus, seu benfeitor máximo: Criador,
Conservador, Providente, etc.
Considerando a natureza humana
em si mesma, essa
necessidade se explica porque o homem tem a experiência de que lhe falta algo
para chegar à sua plenitude, daí surge o seu desejo de Deus; porque a religião
oferece-lhe condições para o seu aperfeiçoamento, já que quanto mais se
relacionar com o Ser Perfeito, mais tenderá à perfeição; porque acha na
religião reposta para suas dúvidas mais angustiantes: qual sua origem, destino
e caminho; porque consolida a sua ordem moral, já que a religião lhe concede os
fundamentos da moralidade humana e o seu cumprimento promete um prêmio justo;
porque preenche as suas exigências psicológicas, já que, ao considerar a sua
miséria frente a grandeza de Deus, representada na grandiosidade do universo,
sente-se impelido a adorar o seu Criador; porque, ao assombrar-se pela beleza
desse mesmo universo, sente o desejo de louvar a Quem o fez assim tão
maravilhosos; porque ao ver-se necessitado, acode a Deus implorando o seu
auxílio; porque, ao ver que não há justiça no mundo, tende a recorrer ao Juiz
Supremo; porque a vontade humana se sente dirigida e confortada para fazer
grandes coisas para o bem comum, para suportar alegremente os trabalhos da vida
cotidiana, e levar com gosto as dificuldades da vida social, dando assim um
sentido ao mistério da dor.
Considerando a natureza humana
como intimamente social a
necessidade de praticar socialmente a religião se faz notória porque garante a
harmonia familiar; garante a obediência justa às autoridades e o relacionamento
amistoso entre os povos.
Avaliação final
O
Concílio Vaticano II afirma que a Igreja sabe que o homem, solicitado
pelo Espírito de Deus, nunca será totalmente indiferente ao problema religioso.
O homem sempre desejará saber, ao menos confusamente, qual é o significado da
sua vida, da sua atividade e da sua morte.
Além
disso, Deus, que criou o homem à sua imagem e o remiu, sempre lhe envia os
meios necessários para poder encontra-se com Ele. E isso o faz, especialmente,
por Cristo, seu Filho feito homem (Cfr. Gaudium et spes n. 41).
Se
há homens que adotam uma postura de indiferença ou até de contraposição à
religião é por causa da cultura materialista em que estão inseridos, à qual
lhes leva a ter uma ideia deformada de Deus e da realidade. Porém, as causas
últimas disso seria a falta de esforço intelectual e de retidão da vontade,
potencialidades humanas que devem estar abertas à verdade e a beleza de Deus,
estampadas na criação.
“O
mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio,
nem o seu fim último, mas que participam do Ser-em-si, sem princípio nem fim.
Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento
da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de
tudo, e a que todos chamam Deus (Catecismo da Igreja Católica n. 34).
Fonte: https://www.presbiteros.org.br/sobre-a-necessidade-da-religiao-2/
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