SANTO
AGOSTINHO E SUA TEOLOGIA
XAVIER, Erico Tadeu [1]
Agostinho
foi um dos últimos teólogos da era Patrística, tendo se destacado por seus
ensinamentos e interpretações das Escrituras, que deixou registrado em diversas
obras que influenciaram a teologia cristã ao longo da história. O objetivo
desse trabalho é apresentar o pensamento agostiniano à luz de seus escritos
extraindo dos mesmos algumas lições para os dias atuais. Em suas obras
argumentou em favor do cristianismo deixando um legado importante para a
teologia cristã. Embora nem todas as suas conclusões doutrinárias estejam em
conformidade com as Escrituras seus estudos são considerados de grande valia
para a teologia atual possibilitando boa compreensão da história cristã nos
seus primórdios.
Por
demonstrar grande influência em suas obras teológicas e exegéticas, Agostinho é
considerado como o “Doutor da Graça”, a consciência da ortodoxia de seu tempo,
tendo deixado uma herança teológica da era Patrística que influenciou toda a
teologia posterior, até os dias atuais (HAMMAN, 1995).
A
influência de Agostinho foi muito grande, não somente no que se refere à teoria
do conhecimento, mas também em todo o campo da teologia e da filosofia. Foi
principalmente por meio de Agostinho que a Idade Média conheceu a antiguidade
cristã. Ele foi inovador no seu tempo. Poucos anos depois de sua morte houve
quem atacou as suas doutrinas […]. E por fim, os medievais pensaram que
Agostinho era o mais fiel expoente do cristianismo antigo. Hoje sabemos que a
interpretação neoplatônica do cristianismo que ele propõe era uma inovação –
uma inovação talvez para seu tempo, mas certamente não era o único modo como os
cristãos haviam pensado sobre tais assuntos. […] é justo dizer que, com exceção
do apóstolo Paulo, nenhum outro escritor cristão tenha sido tão lido e
discutido mais do que Agostinho. (GONZÁLES, 2005, p. 31).
Alguns
aspectos da teologia agostiniana são de particular interesse. Conforme expõe
Elwell (1988), a teologia de Agostinho versava em torno de Deus, da criação, do
pecado, do homem, de Cristo, da salvação e da ética. Segundo este autor,
Agostinho cria que Deus possuía auto-existência, absoluta imutabilidade,
singeleza, sendo triuno em uma única essência; é onipresente, onipotente,
imaterial, eterno; não está dentro do tempo mas é o criador do tempo. Quanto à
criação, esta não é eterna, surgiu do nada, e os dias de Gênesis podem ser
longos períodos de tempo. Cada alma é gerada pelos pais. A Bíblia é divina,
infalível, inerrante, tendo autoridade suprema sobre todos os demais escritos;
não se contradiz. Qualquer erro advém das cópias, não dos manuscritos
originais. Os livros apócrifos são também inspirados porque fazem parte da LXX,
embora os judeus não os reconheçam.
O pecado
se origina no livre arbítrio, um bem criado do qual deriva a capacidade de
praticar o mal. Com a queda o homem perdeu a capacidade de praticar o bem sem a
graça de Deus. O homem, criado por Deus sem pecado, deriva de Adão, o qual,
tendo pecado, trouxe sobre a raça humana a herança do pecado. O homem é uma
dualidade de corpo e alma, sendo a alma superior e melhor que o corpo.
Cristo é o
Filho de Deus feito plenamente humano, porém sem pecado, mas também Deus, da
mesma essência do Pai. Embora uma só pessoa, as duas naturezas (carnal e
divina) estão distintas entre si, já que a natureza divina não se tornou humana
na encarnação. A salvação é o eterno decreto de Deus. A predestinação é a
presciência de Deus sobre a livre escolha feita pelo homem para os que são
salvos e os que são perdidos. A salvação é operada pela morte de Cristo e
recebida pela fé. As crianças são regeneradas pelo batismo à parte da fé.
A ética
divina é representada pelo amor, que é a lei suprema. Todas as virtudes são
definidas em termos de amor. A mentira sempre é errada e somente Deus é quem
determina a dimensão dos pecados e dos mandamentos morais (ELWEL, 1998).
De modo
geral, a teologia agostiniana buscou conhecer a Deus e a alma. Ele mesmo
escreveu: “Desejo conhecer Deus e a alma. Nada mais? Nada mais” (CHAMPLIN,
1995, p. 78).
Na busca
de conhecer mais profundamente a Deus, Agostinho esforçou-se por compreender e
desvendar os mistérios da Santíssima Trindade. Em sua obra “Sobre a Trindade”,
expõe muitas de suas reflexões, importantes para a compreensão de Deus como o
Pai, o Filho e o Espírito Santo em uma unidade. Kelly (1994), explica que, durante
toda a sua vida, Agostinho meditou nessa questão, indagando e defendendo-a,
aceitando que Deus é, ao mesmo tempo, o Pai, Filho e Espírito Santo, porém
distintos e coessenciais, embora um em substância.
Embora sua
apresentação da ortodoxia trinitária seja totalmente bíblica, seu conceito de
Deus como ser absoluto, simples e indivisível, que transcende as categorias,
constitui o contexto onipresente de seu pensamento. […] A unidade da Trindade
é, desse modo, estabelecida de maneira ostensiva em primeiro plano,
excluindo-se rigorosamente todo tipo de subordinacionismo. Tudo o que se afirma
a respeito de Deus é proclamado igualmente com relação a cada uma das três
pessoas. […] “não só o Pai não é maior do que o Filho com respeito à divindade,
mas também Pai e Filho juntos não são maiores do que o Espírito Santo, e
nenhuma pessoa isolada dentre os três é menor do que a própria Trindade”.
(KELLY, 1994, p. 205).
Nessa
perspectiva, as três pessoas se distinguem dentro da Divindade por Suas
relações mútuas. “Embora elas sejam idênticas no que diz respeito à substância
divina, o Pai distingue-se como Pai porque Ele gera o Filho, e o Filho
distingue-se como Filho porque é gerado. Da mesma maneira, o Espírito
diferencia-se do Pai e do Filho na medida em que é ‘outorgado’ por Eles”
(KELLY, 1994, p. 207).
O Pai, o
Filho e o Espírito Santo são, cada um deles, Deus. E os três são um só Deus.
Para si próprio, cada um deles é substância completa e, os três juntos, uma só
substância. O Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo. O Filho não é o Pai, nem
o Espírito Santo. E o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho. Os três possuem a
mesma eternidade, a mesma imutabilidade, a mesma majestade, o mesmo poder.
(AQUINO, 2008, p. 23).
Agostinho
apresentou a Trindade como sendo três pessoas distintas unidas em uma relação
real e eterna, mas não conseguiu explicar muito bem a processão do Espírito ou
em que ela diferia da geração do Filho, afirmando que “o Espírito Santo não é o
Espírito de um dEles, mas de ambos”, ou seja, provém de uma relação
inseparável. Assim declarou: “O Filho vem do Pai, o Espírito também vem do Pai.
Mas o primeiro é gerado, o último procede. De sorte que o primeiro é Filho do
Pai, de quem é gerado, mas o último é o Espírito de ambos, visto que procede de
ambos […]” (KELLY, 1994, p. 208).
A
contribuição agostiniana mais original à teologia trinitária, segundo Kelly
(1994), foram as analogias baseadas na estrutura da alma humana. Para
Agostinho, existem vestígios da Trindade em todas as criaturas, pois elas
somente existem por participarem das ideias de Deus, refletindo, dessa forma, a
Trindade criadora. Ao afirmar, nas Escrituras: “Façamos o homem à nossa imagem
[…]”, revela-se três elementos distintos e, ao mesmo tempo, intimamente ligados
e unidos entre si. A análise da ideia do amor também expressa uma analogia
trinitária que fascinou Agostinho durante toda a sua vida, rumo à compreensão
da Trindade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Agostinho
foi considerado um dos homens mais importantes da era Patrística, tendo
influenciado a Igreja cristã, tanto católica como protestante, até os dias
atuais. Suas obras filosóficas, teológicas e exegéticas influíram de forma
decisiva no desenvolvimento cultural do mundo ocidental, sendo chamado de
“doutor da Graça” pois, como expõe Aquino (2008, p. 16), “como ninguém soube
compreender os seus efeitos”.
Sua
inclusão entre os grandes teólogos da era Patrística se deve ao seu árduo
trabalho em interpretar as Escrituras, argumentar em favor de Deus e promover o
cristianismo. Contudo, embora tenha sido um grande conhecedor das Escrituras,
muitas de suas conclusões sobre determinadas questões doutrinárias foram
consideradas errôneas ao longo do tempo.
Apesar
disso, seu exemplo e estudo pode ser considerado de grande valia para a
teologia atual. Especialmente porque a teologia é produto de estudos zelosos e
meticulosos que foram empreendidos por homens dedicados ao estudo da Palavra de
Deus, ao longo da história, tendo na figura de Agostinho um representante digno
da teologia cristã dos primeiros séculos, cujas obras serviram para enriquecer
a história cristã e a doutrina ensinada pela Igreja no decorrer da era
Patrística.
Conquanto
tenhamos que analisar seus estudos à luz da Palavra de Deus buscando a
verdadeira doutrina ensinada por Cristo, sem afastar-nos dos ensinamentos de
Cristo, muitos dos ensinos agostinianos orientam para a salvação e a Graça,
firmados na fé em Deus e em Sua Palavra. Assim sendo, a teologia de Agostinho
possibilita ao estudioso da história cristã as bases para a compreensão de
muitos aspectos que nortearam a igreja nos seus primórdios
REFERÊNCIAS
AQUINO,
Felipe Rinaldo Queiroz de. Na
escola dos santos doutores. 6. ed. Lorena: Cléofas, 2008.
GONZÁLES,
Justo L. (ed.). Dicionário
ilustrado dos intérpretes da fé. Trad. Reginaldo Gomes de
Araújo. Santo André-SP: Academia Cristã Ltda, 2005.
HAMMAN, Adalbert-G. Para ler os padres da igreja.
Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1995.
KELLY,
John N. D. Patrística:
origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã. Trad. Márcio
Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1994.
[1] Pós-doutor em Teologia Sistemática
pela FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (2014).
Doutor em Filosofia e Teologia pela SATS – South African Theological Seminary
(2011). Doutor em Ciências da Religião pela AIU – Atlantic International
University de Honolulu, Hawaii.
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/teologia/agostinho-de-hipona
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