Aulas Remotas e seus desafios em tempo de pandemia
A
situação da pandemia provocada pelo COVID-19, tendo como consequência
necessária a medida de isolamento social, demandou às escolas, num primeiro
momento, a suspensão das atividades presenciais. Nesse sentido, as redes
escolares, privadas e públicas, se depararam com inúmeros desafios sobre a
viabilização do processo remoto de escolarização
Um dos
principais desafios tem a ver com a aquisição de dispositivos
(computador, smartphone, tablets,
etc.) e o acesso à internet de qualidade. Isso desvela a chaga nacional, que é
a terrível desigualdade social. O Brasil, um dos países considerados
democráticos, é também uma das nações mais injustas, onde poucos detêm a maior
parte da riqueza e a maioria da população vive em grande pobreza.
Uma vez
os estudantes confinados em suas casas, ou supostamente nelas isolados, também
escancara outro problema, ainda relativo a desigualdade social, que é a própria
qualidade de vida, incluindo aí acesso às condições básicas como alimentação
adequada, à energia elétrica, saneamento, etc. Isso sem falar no clima
doméstico, por vezes, marcado por violências e falta de estrutura para manter
as rotinas escolares, como um espaço adequado para os estudos. Importante ainda
sublinhar que muitos pais se sentem incapazes em auxiliar seus filhos, seja por
uma questão de limitações de conhecimento e informação (em relação ao conteúdo
escolar e a habilidade para lidar com os recursos digitais) ou até por uma
questão de condição existencial.
Saindo do
foco da estrutura social dos estudantes e suas famílias, os desafios são
encontrados também na condição docente para efetivar as atividades remotas. Sem
as devidas formações que os qualifiquem para atuar nas atividades remotas, pois
são maneiras completamente diferentes do agir pedagógico (uma coisa é a aula
presencial, outra bem diferente é o ensino a distância) e mesmo tendo que arcar
com seus próprios custos e ferramentas, trabalhando em home office, os docentes, muitas
vezes, expressam angústias e estresses, já agravados pela situação de pandemia,
que por si é ansiogênica.
Antes os
professores já sinalizavam para uma sobrecarga de trabalho, e por esses dias de
pandemia, muitos indicam estarem em jornada dupla, com cobranças ilimitadas a
todo o momento. Alguns relatam executarem atividades em regime de dedicação
exclusiva, tendo que, por exemplo, atender pais que enviam mensagens a todo o
momento e gestores que exigem por serem também exigidos, em torno do
cumprimento de cronogramas antes pensado para uma escola em regime presencial.
Nos
cliques e telas nos quais estão sendo desenvolvidas as aulas remotas, temos
alunos, professores e, consequentemente, famílias que acompanham ou estão
tentando adentrar uma realidade desconhecida e angustiante, aprendendo a como
gravar e editar vídeos, tornando o ambiente doméstico o mais próximo possível
do espaço escolar, lidando o universo online e
transitando pelas relações virtuais.
Esses
problemas parecem ser minimizados quando se trata de alunos oriundos de classes
sociais mais abastadas ou quando a escola garante as condições de trabalho para
os docentes. Nesses casos, há acesso à internet de qualidade, há uma estrutura
doméstica para o estudo, as condições básicas de vida são garantidas, os pais
são escolarizados e há disponibilidade de tempo para mediar as atividades
remotas.
Contudo,
essas aparentes condições favoráveis revelam um problema mais radical que
afeta, inclusive, todos os docentes e alunos, independente de seus
pertencimentos de classe e de condições de trabalho. Esse problema tem a ver
com a própria situação da pandemia e a compreensão do impacto das atividades
remotas na vida dos alunos.
Alunos e
professores são praticamente contundentes ao afirmarem que as aprendizagens são
possíveis, mas que não é a mesma coisa. Isso significa que há uma inevitável
diferença na situação que os alunos se encontram, sobretudo no que diz respeito
a atividade remota no contexto de pandemia se comparado com as atividades
presenciais. Porém, parece haver uma pressão por parte dos gestores escolares,
de certas políticas públicas educacionais e mesmo reverberações por parte dos
pais ao tentarem combater os “prejuízos” causados por toda essa situação.
Uma das
consequências em combater os “prejuízos” é transpor a carga horária e a larga
quantidade de conteúdos da condição presencial para as atividades remotas.
Então se o aluno tinha quatro horas de aulas por dia e um quantitativo de
conteúdo das matérias a ser dado num certo período, tudo isso foi transposto
via os ambientes virtuais. Acontece que essas transposições literais são
inviáveis, pois uma coisa é participar de quatro horas de aula na interação
face a face e outra é ficar ligado numa tela no mesmo período de tempo.
Essa
ânsia por suplantar os “prejuízos” causados pela situação de isolamento social
é a concepção básica do problema das aulas remotas, e que atravessa o modo como
as escolas e famílias, via de regra, têm lidado com as atividades remotas,
tendo as melhores ou as mais reduzidas condições.
A ânsia
por transpor os “prejuízos” é uma postura, inclusive, negacionista no que se
refere a própria situação da pandemia. Há prejuízos sim. Ninguém sairá incólume
dessa situação. Achar que tudo pode ser transposto, substituído e mantido é
negar que estamos vivendo uma pandemia de um vírus que pode ser letal e que,
por enquanto, não tem vacina.
Quando as
escolas insistem em manter a ênfase na carga horária e nos conteúdos de maneira
literal e quando os pais pressionam o preenchimento dos “prejuízos”, não estão
só sendo negacionistas, mas também estão sendo inefetivos do ponto de vista
pedagógico, sem falar nos possíveis desdobramentos em termos dos adoecimentos
mentais dos alunos.
O
problema das atividades remotas, portanto, e que parece atravessar de modo
geral todas as escolas e famílias é a concepção mesmo que deve ser a atividade
remota e o papel da escola nessa situação de pandemia. As escolas podem, por
exemplo, ao invés de negar e querer fazer de conta que não haverá prejuízo,
assumir as limitações, focar nos vínculos, abordar mais a experiência formativa
de toda essa situação, acolher os alunos em seus afetos e, na medida do
possível, trabalhar alguns conteúdos vinculados às suas vivências.
As
escolas não podem repetir o discurso necrófilo de um certo sentido da economia,
que esta “não pode parar”. Essa ideia de que a vida escolar, tal como havia
antes da pandemia, “não pode parar” é antipedagógica, adoecedora e, portanto,
negacionista da própria situação da pandemia. Além do mais, é negacionista
também em não notar que muitas experiências estão se dando na vida dos alunos e
que há uma perda de oportunidade das escolas estarem próximas e ativas numa
mediação mais “educuidadora”.
Imagem de destaque: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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