DESAFIOS DA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA HOJE (CONTINUAÇÃO)
Pe Rafael Lopez Villasenor.
RELAÇÕES HUMANAS DA VIDA COMUNITÁRIA
Ao refletirmos sobre as relações humanas da Comunidade, logo nos deparamos que nunca a palavra comunidade foi usada de forma mais indiscriminada e vazia do que nas décadas em que as comunidades, no sentido sociológico, foram difíceis de serem encontradas na vida real [14].
A necessidade da experiência comunitária
continua sendo sempre atual. O que pode mudar é a compreensão dela e sua forma
de expressão. Viver em comunidade exige maturidade, capacidade de entrega,
trazendo ganhos e perdas. Porém, as comunidades tornaram-se mais complexas em
tempos da globalização, muitas vezes estabelecidas com base em novas lógicas de
tempo e de espaço, dentro da rapidez dos processos de transmissão
informacional, formando comunidades extraterritoriais ou virtuais, trazendo
transformações na sociabilidade da Vida Consagrada.
As relações humanas da vida comunitária
parecem também ser líquidas, fragilizadas por mágoas acumuladas, competição,
ironia e rigidez, levando muitas vezes, a refugiar-se nas comunidades virtuais.
Por exemplo, a inserção nas redes sociais pode ser um meio de fugir da
realidade e se refugiar no mundo virtual, de criar novos laços de maneira rápida,
líquida e ambivalente, como um espaço que propicia troca de ideias e encontros
virtuais, muitas vezes, desligados das comunidades reais da VRC. Esta
ambiguidade indica igualmente o desejo desta comunicação e interação como
significativa para a vida. O uso da Internet vem gerando novas práticas e
modificando o comportamento, no qual se elabora o mundo social através de redes
como Orkut, facebook, twitter, mas estas não podem ser uma maneira de fugir da
vida comunitária. Como "filhos desta época, todos estamos de algum
modo sob o influxo da cultura globalizada atual que, sem deixar de apresentar
valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e, até
mesmo, combalir-nos[15]".
Os vínculos comunitários muitas vezes
são frágeis, misteriosos, conflitantes, inseguros e ambivalentes. Os conflitos
comunitários fazem parte do ser humano pois os religiosos são pessoas normais, com
seus limites e seu desamor. Os conflitos podem nos ajudar a amadurecer e a
crescer na fraternidade. Infelizmente, o indivíduo hodierno insaciável por
relacionar-se, ao mesmo tempo em que busca uma relação, e desta maneira repudia
a solidão, não abre mão de sua liberdade, e para manter a liberdade mantêm a
relação, mesmo que seja com outra configuração. A questão da liberdade e
responsabilidade se distingue do individualismo e de formas imaturas de
expressão. Deste modo, temos um novo modelo de relação social líquida online.
Inclusive, o indivíduo moderno busca o outro pelo horror à solidão, mas mantém
o outro a uma distância que permita o exercício da liberdade sem compromisso
maior. Esta relação entre o eu e os diversos ‘tus’ está carregado de ambiguidades.
Ela muitas vezes oscila "entre sonho e o pesadelo, e não há como
determinar quando um se transforma no outro"[16].
As novas tecnologias podem levar para
relações humanas cada vez mais flexíveis e líquidas, gerando níveis de
insegurança e ambivalência. Tudo indica que, os seres humanos estão dando mais
importância a relacionamentos em rede pela internet através de bate-papo,
e-mail ou celular, que podem ser desmanchados a qualquer momento. Sendo o
contato apenas virtual, é difícil manter um compromisso em longo prazo. E isso
não ocorre apenas nas relações da sociedade e vínculos familiares, mas também
na vida comunitária. Enfim, a fluidez dos vínculos, que marca a sociedade
contemporânea, encontra-se inevitavelmente inserida nas próprias
características da modernidade. Tudo ocorre com intensa velocidade, o que
também se reflete nas relações entre as pessoas.
As redes sociais pautadas na
relativização do tempo e do espaço, na mudança das concepções de esfera
pública, na construção de novas realidades sociais, na estipulação de novas
interações entre local e global. Assim, as relações são efetuadas a partir da
simples inserção na rede, estabelecendo vínculos fundados em interesses comuns
e criando no ciberespaço a busca efetiva por uma conexão social ambivalente. As
novas tecnologias abrem novas possibilidades, novas ambivalências, novas
maneiras de relacionamento, atuação, educação e evangelização entre os jovens.
As barreiras geográficas e temporais são praticamente eliminadas, tudo corre
muito rápido.
Na Vida Religiosa pode ser criado um
idealismo comunitário líquido, quer dizer, construir castelos de areia, que
imaginam a comunidade como uma vida sem conflitos, sem incoerências, sem
patologias, sem encontros físicos. Quando se encontram essas coisas, as quais
infelizmente existem devido à nossa fragilidade humana, as novas gerações se
desencantam e não conseguem responder com uma relativa maturidade. Por isso é
preciso educar as novas gerações ao realismo, sem perder, no entanto, o encanto
do sonho e a utopia. Todos os integrantes das comunidades religiosas se
beneficiam com um diálogo contínuo mútuo que permite compreender a história, as
motivações, os desafios e as realidades passadas e atuais. Com isso pode-se
encontrar caminhos para um sentido cristão no mundo de hoje.
Uma Vida Religiosa romântica,
fragilizada, na qual o aburguesamento, desde os inícios da formação, mina
a caridade, em que o consumismo enche os olhos e esvazia o coração, o
individualismo ofusca o valor da comunidade e se cria uma dependência
da Instituição esperando tudo receber como um ser totalmente dependente
do afeto da mãe. Nesse caso, tanto o Instituto como a comunidade
eclesial se transformam na mãe que faltou ao religioso. Isso significa que a
pessoa não foi educada para administrar fracassos, frustrações[17].
Os processos e conteúdos de crescimento
requerem uma autonomia e liberdade tais que se superam processos e formas narcisistas,
bem como dependências maternas e paternas imaturas.
EM BUSCA DO NÚCLEO IDENTITÁRIO
Na modernidade líquida, como reapropriar-se do núcleo identitário da Vida Religiosa Consagrada? O desafio é gigante, mas nesse contexto, espera-se um testemunho profético missionário na vivência do carisma próprio da Congregação, buscando novos caminhos de fidelidade ao projeto do Reino Deus. O Papa Francisco, em 29 de novembro de 2013, falando aos religiosos afirma que "É preciso olhar tudo a partir da periferia. É preciso andar na periferia para conhecer de verdade como vivem as pessoas. Caso contrário, corre-se o risco de um fundamentalismo de posições rígidas com base em uma visão centralizada. Isto não é saudável (...) Hoje Deus está nos pedindo para deixar o ninho que nos acomoda. Também aquele que está na clausura é enviado através da sua oração para que o Evangelho possa crescer no mundo. Estou convencido de que a chave hermenêutica mais importante é o cumprimento do mandato evangélico: Ide! Ide!" Em outras palavras, os tempos devem ser de purificação, de retomada, de re-encantamento do carisma a partir de uma leitura dos "sinais dos tempos". Deve-se deixar de lado a tentação de voltar ao passado, de não cair na mediocridade, no comodismo. Sempre olhando para frente, procurando revigorar a identidade da Vida Religiosa a partir da ação profética missionária.
É preciso não ter medo de apresentar às Igrejas Locais os carismas da VRC na sua essência e originalidade para que estejam a serviço da vida. Nas palavras do Papa Francisco: "os carismas enriquecem as dioceses. As dioceses precisam dos carismas". Em outras palavras, para tornar possível a inserção na Igreja Local é necessária a revisão das presenças, o que leva a escolher aquelas que estão mais coerentes com a ação missionária do carisma, que são mais proféticas, o que significa a renovação dos projetos, das atividades na linha do projeto do Reino perante o fenômeno da modernidade líquida.
A fragilidade de identidade
contemporânea exige constante atenção, revisão, atualização, renovação,
manutenção. Na construção deste caminho é necessário sempre a revisão das
estruturas, a leveza e agilidade institucional estabelecida de maneira
participativa.
Deve-se ter a capacidade de dialogar com a modernidade para uma renovação autêntica, pensando que a missão da Vida Religiosa Consagrada no contexto atual não é mais aquele contexto do Fundador ou da Fundadora, nem aquele dos modelos de nosso pensamento, nem o audacioso de épocas relativamente recentes. Tudo precisa ser compreendido e avaliado a partir de grandes horizontes e amplas situações humanas diferenciadas de época, cultura e lugar geográfico, crenças, realidade sócio-político-econômica. O diálogo como abertura deve ajudar a acolher e integrar as mudanças da sociedade de maneira positiva e serena, servindo à missão como autênticos profetas.
[14] BAUMAN. A sociedade individualizada, vidas contadas
e histórias vividas. p 192.
[15] EG, 77.
[16] BAUMAN. Amor liquido, sobre a fragilidade dos laços
humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor 2004. p 8.
[17] Cf. MENDOÇA. Vida religiosa provisória: um desafio
a ser enfrentado.
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