Por Fernando Altemeyer Junior
- Nossa padroeira é a Senhora Imaculada
O
nascimento do Filho de Deus encarnado em nossa carne e vivendo nossa história é
o grande segredo do Deus que, por amor e por nossa salvação, quis ser um de nós
para nos levar um dia à sua glória e plenitude divinas. “O singular privilégio
da Imaculada Conceição é um dom especial, ao qual Maria respondeu com maior
intensidade ainda, colocando-se a serviço de Jesus e da causa do Reino de Deus”
(MURAD, 2012, p. 174-175).
Não há
acontecimento sem sinais. Assim diz santo Ambrósio, ao comentar o encontro de
Isabel e Maria, duas grávidas de profetas. É um texto pleno de poesia: “Isabel
foi a primeira a ouvir a voz, mas João o primeiro a sentir a graça; ela ouviu
segundo a ordem da natureza, ele estremeceu em razão do mistério. Ela percebeu
a vinda de Maria, ele, a do Senhor; a mulher, a da mulher, o filho a do Filho.
Elas proclamam a graça, eles operam interiormente e inauguram o mistério de
misericórdia em proveito de suas mães; por um duplo milagre, ambas profetizam
sob a inspiração de seus filhos” (Tratado sobre o Evangelho de são Lucas, livro 2, 19).
Esse é o
mistério da fé. Esse é o grande segredo do amor escondido no ventre da Virgem
Imaculada por obra de Deus Pai. Quem ama se dá a si mesmo completamente e sem
esperar troca nem pagamento. Ato gratuito e generoso. Ato de quem é Deus e
prefere ser chamado secretamente de Deus-conosco. Um Deus nascido num barraco;
ou como dizem os nordestinos, Deus mais nós. O Verbo se fez carne; entre
fraldas, nascido de uma mulher; do ventre de Maria, a virgem imaculada. O
Evangelho de Lucas é o único dos textos do Segundo Testamento que oferece um
texto completo das circunstâncias de tal fato maravilhoso e inédito. O texto de
Mateus é muito sucinto e passa a contar a vinda dos magos do Oriente. O segredo
do Natal é Jesus. Dirá o papa Bento XVI em seu novo livro, A infância de Jesus: “Lucas, cujo Evangelho
inteiro é permeado por uma teologia dos pobres e da pobreza, faz-nos
compreender aqui uma vez mais e de forma inequívoca que a família de Jesus se
contava entre os pobres de Israel; faz-nos compreender que era precisamente
entre eles que podia maturar o cumprimento da promessa” (p. 71). “A pobreza de
Deus é o seu verdadeiro sinal” (p. 70). Na voz da hora prima do ofício mariano
da Senhora Conceição: “Deus vos salve, mesa para Deus ornada, coluna sagrada de
grande firmeza; casa dedicada a Deus sempiterno, sempre preservada, Virgem, do
pecado”.
- Nossa padroeira é a Mãe de Deus
O
nascimento de Jesus se deu à noite, em plena madrugada. Noite que é sempre
filha do Caos e mãe do Céu. Engendra o sono e a morte, os sonhos, pesadelos,
ternura e o engano. A noite sempre simboliza o tempo das gestações, das
germinações que irromperão em pleno dia como manifestações da força vital. O
que o véu noturno esconde é a semente poderosa do dia. É a noite o momento e o
tempo de virtualidades, de pulsões interiores, de pensarmos na preexistência
das coisas e das pessoas. Entrar na noite escura é voltar para o indeterminado
e enfrentar os pesadelos e os monstros obscuros. A noite de Natal é o tempo de
as trevas fermentarem o futuro (“Quanto mais negra a noite, mais carrega em si
o amanhecer” – Tiago de Mello) e simultaneamente é preparação ativa do novo
dia, donde brota ao alvorecer o sol invencível, a luz plena, o grito de espanto
diante do calor. Desde o século IV, um hino latino cantado na cerimônia de
Natal dizia que Cristo nasce no meio da noite, e daí o costume de assumir a
meia-noite como hora do nascimento de Jesus. A Igreja proclama esta Noite Feliz
pelo canto do galo à meia-noite, na conhecida missa do galo, e, desde o século
IV, na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, proclama: “Entre os resplendores
da santidade, das minhas entranhas, Eu te engendrei antes da luz da manhã.” Ou
na voz da hora sexta do ofício mariano da Senhora Conceição: “Deus vos salve,
Virgem, da Trindade Templo, alegria dos anjos, da pureza exemplo”.
A criança
que nasce da virgem para a nossa salvação (puer natus est nobis) sempre será um sinal de contradição. Assim diz santo Agostinho
em seu sermão 185: “Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem”.
- A padroeira se desvela na imagem da Virgem negra
A imagem
reencontrada no fundo de um rio é bela metáfora da pérola que se encontra pela
imersão do batismo. Ao mergulhar no rio, a imagem se esconde para de novo se
revelar aos pobres como a pureza escondida no lodo, como a Mãe que vem das
profundezas da dor e do sofrimento com alimento abundante (peixes), como fio de
esperança em favor da vida. Ela é como que a ostra que ofereceu a pérola que é
Cristo, e é a pérola de onde sai a cora da divindade e da salvação. Em Maria,
temos a certeza de que a vida humana não fica órfã nem será vencida pelas
trevas. Como rezamos nas vésperas do ofício mariano da Senhora Conceição: “Deus
vos salve, relógio que, andando atrasado, serviu de sinal ao Verbo encarnado”.
Escreve o
santo bispo Luciano Mendes: “A pequenina imagem retirada das águas do rio pelos
pescadores comunica-nos mensagem de solidariedade com os filhos, na época, mais
oprimidos. Identificou-se com os brasileiros que sofriam a injustiça da
escravidão. A mãe de Deus mostrava nos traços de sua face a semelhança com os
filhos negros, o amor que lhes dedica, a dignidade que lhes compete. No tempo
das discriminações, tornou-se a mãe de todas as raças, fez-nos compreender que
somos todos irmãos” (MENDES DE ALMEIDA, 2016, p. 37).
Conclusão
Que vemos
na imagem do fundo das águas aparecida? O Verbo de Deus tomando de Maria o corpo
animado de razão. O Verbo de Deus nascido de Deus antes de todos os tempos e,
para nossa salvação, nascido no tempo do ventre de Maria. Vemos a Virgem
Imaculada acolhendo o Verbo de Deus em seu coração, em seu corpo, e iluminando
a vida para o mundo. Vemos a mulher que consentiu livremente que Jesus se
encarnasse. Vemos alguém que ultrapassa todas as demais criaturas, pois é a
filha mais amada do Pai e o santuário do Espírito Santo. Depois de Cristo, ela
ocupa o lugar mais elevado na Igreja. Vemos a nossa Mãe. Na pequenina imagem
guardada no santuário nacional, vemos Maria, que é ícone da Igreja e modelo dos
fiéis. Essa nossa Mãe “brilha também na terra como sinal de esperança segura e
de consolação para o povo de Deus, ainda peregrinante até que chegue o dia do
Senhor” (Decreto Conciliar Orientalium Ecclesiarum, n. 68). Assim como o Espírito Santo cobriu com sua sombra
a Virgem e esta concebeu o Salvador, que a Mãe Aparecida socorra nossas
fraquezas e aqueça nosso coração de filhos de Deus que esperam no amor e pedem
sua bênção maternal. Maria é a Igreja nascente que mergulha no povo padecente.
É a senhora das dores, a Mãe do Céu morena, a mulher ressuscitada. A ela
cantamos com a melodia do padre Zezinho: “Hoje eu me fiz romeiro sem ilusão e
sem utopia/ Fui visitar a casa que construíram pra mãe Maria/ E, no meu jeito
simples de entender esta devoção,/ Virgem morena eu disse:/ Conduz meu povo à
libertação”.
Bibliografia
ANSELMO,
Santo. Sermões, Oratio 52, PL 158, 955-956. In: IGREJA CATÓLICA. Liturgia das horas – ofício das
leituras.
São Paulo: Paulus, 1987.
CORDEIRO,
José; LUIS, Denilson; RANGEL, João. Aparecida: devoção mariana e a imagem Padroeira do Brasil. São Paulo:
Cultor de Livros, 2013.
IRARRÁZAVAL,
Diego. Raíces
de la esperanza. Lima: Idea-CEP, 2004.
JOHNSON,
Elizabeth A. Nossa verdadeira irmã: teologia de Maria na comunhão dos santos. São Paulo: Loyola,
2006.
MARINS,
José. Para
viver a Maria, madre de comunidades. Buenos Aires: Editorial Guadalupe, 1989.
MENDES DE
ALMEIDA, Luciano. A padroeira do Brasil. In: SILVA, Edmar Jose da; MELO,
Edvaldo Antonio. Dizer o testemunho – dom Luciano Mendes de Almeida. São Paulo: Paulinas,
2016. v. 2.
MURAD,
Afonso. Maria,
toda de Deus e tão humana: compêndio de mariologia. São Paulo: Paulinas; Aparecida:
Santuário, 2012.
Fernando
Altemeyer Junior
Graduado em Filosofia e Teologia, mestre em Teologia e Ciências da Religião pela Université Catholique de Louvain-La-Neuve e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Assistente doutor na PUC-SP. E-mail: fajr@pucsp.br
https://www.vidapastoral.com.br/edicao/aparecida-e-a-devocao-popular/
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