sábado, 9 de outubro de 2021

SANTO AGOSTINHO: OTEMPO E A ETERNIDADE

O TEMPO E A ETERNIDADE EM SANTO AGOSTINHO (*)

Camila Souza e Cristina (**)

No livro XI de Confissões, Agostinho faz uma análise filosófica sobre a essência do tempo, ele parte do principio de que Deus é o criador do céu e da terra e de tudo que nela é inserido. O tempo é visto por Agostinho, como a distensão da alma humana, sendo esta, capaz de voltar-se ao passado, intencionar no presente e se projetar a um futuro que ainda não existe. O Presente é um contínuo deixar de ser, nunca é estabilizado, a cada instante ele se vai, em contrapartida, a eternidade é um único presente, é imutável, ela não se vai, permanece, e só pertence ao criador de todas as coisas. É perceptível a forte ligação existente entre a alma humana e a memória, é a memória que faz existir um passado no presente, e os vestígios de tal passado, encontram-se impregnados na alma, sendo esta, capaz de revelar os mistérios mais profundos de qualquer indivíduo.

O tempo e a eternidade em Santo Agostinho No livro XI de Confissões, Agostinho discute a questão do tempo e da eternidade, e frisa que a temporalidade está totalmente ligada ao homem, ele faz uma análise sobre a questão do tempo, levando em conta o aspecto psicológico. Afirma que, sem a existência de Deus criador de todas as coisas e do Verbo de Deus, seria impossível pensar a questão da temporalidade, pois Deus é eterno e não depende do tempo para existir, a eternidade é maior que o tempo, ela não passa, é eterna. O que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? O que é o tempo? São questionamentos feitos por Agostinho, no livro XI de Confissões. Segundo ele, todas as criaturas, coisas materiais, artistas, louvam ao soberano como criador de tudo e mais uma vez questiona a maneira como Deus fez e criou todas as coisas, Todas estas criaturas Vos louvam como o Criador de tudo. Mas de que modo as fazeis? Como fizestes, meu Deus, o céu e a terra? Sem dúvida, não fizeste o céu e a terra no céu ou na terra, nem no ar ou nas águas, porque também estes pertencem ao céu e a terra. Nem criastes o Universo no Universo, porque, antes de o criardes, não havia espaço onde pudesse existir. Nem tínheis à mão matéria alguma com que modelásseis o céu e a terra. Nesse caso, de onde viria essa matéria que Vós não criáreis e com a qual pudésseis fabricar alguma coisa? Que criatura existe que não exija a vossa existência? (AGOSTINHO, 1999, p. 315).

Agostinho explica que Deus criou tudo através do Verbo, através da palavra pronunciada tudo passou a existir. O princípio de todas as coisas é a criação, e tais coisas foram criadas por um único ser que é eterno A vontade de Deus não é uma criatura, ela existe antes de qualquer criação, nada seria criado se não existisse a vontade de Deus em criá-las. O Verbo é imortal, para Deus não existe diferença entre dizer e criar, enfim, o Verbo é o Princípio de tudo, Assim nos convidais a compreender o Verbo, Deus junto de Vós, que sois Deus. O qual é pronunciado por toda eternidade e no qual tudo é pronunciado eternamente. Nunca se acaba o que estava sendo pronunciado nem se diz outra coisa para dar lugar a que tudo se possa dizer, mas tudo se diz simultânea e eternamente. Se assim não fosse já haveria tempo e mudança, e não a verdadeira eternidade e verdadeira imortalidade (AGOSTINHO, 1999, p. 316).

Diante do exposto, é possível afirmar que, não existia um tempo antes da criação, e que o tempo e todas as coisas não são eternas, mesmo sendo criadas por um ser que é eterno, o momento da criação é o momento em tudo e todas as coisas passam a existir. O Filósofo da Patrística utiliza-se das razões seminais para explicar a existência das criaturas, segundo ele todas as coisas surgiram do nada, algumas completas outras não, porém todas são evolutivas, estão em constante transformação.

Sendo Deus eterno e criador de todas as coisas, o que seria então o tempo e a eternidade? O tempo não pode medir a eternidade, pois na eternidade tudo permanece nada passa, tudo é um eterno presente, ela está acima de todo o tempo, e o tempo não é todo presente, o tempo é sentido e medido pelo homem e a eternidade é provinda Daquele que é eterno, Deus. Agostinho explica a aporia do ser e do não-ser do tempo, a partir do Tríplice Presente, da intenção e da distensão da alma humana.

O tempo é tratado por ele de maneira poética, é um tempo que se mede no interior humano, tempo e alma encontram-se interligados. O tempo existe no espírito humano, é nele que se encontram o passado, o presente e o futuro, De que modo existem aqueles dois tempos - o passado e o futuro -, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser? (AGOSTINHO, 1999, p. 322).

Diante do exposto, Agostinho chama de “longo” o tempo Passado que antecede ao Presente, por exemplo, cem anos, e o tempo Futuro que é posterior ao Presente também cem anos.

O tempo “breve” é visto por ele, como um passado próximo “há dez dias”, e um futuro próximo “ daqui a dez dias, diante disso questiona que, Onde existe portanto o tempo que podemos chamar longo? Será o futuro? Mas deste tempo não dizemos que é longo, porque ainda não existe. Dizemos: “será longo”. E quando será? Se esse tempo ainda agora está para vir, nem então será longo, porque ainda não existe nele aquilo que seja capaz de ser longo. Suponhamos que, ao menos, no futuro será longo. Mas só o poderá começar a ser no instante em que ele nasce desse futuro – que ainda não existe - e se torna tempo presente, porque só então possui capacidade de ser longo. Mas com as palavras que acima deixamos transcritas o tempo presente clama que não pode ser longo (AGOSTINHO, 1999, P.324). É importante ressaltar que, passado e futuro são medidos no presente, estes três tempos existem e são medidos na mente humana, somos permeados por ele, o tempo e o homem são criaturas, logo, diferem do Divino.

O tempo não é o movimento dos corpos, há visto que, os corpos só podem mover-se no tempo, quando um corpo se move, é com o tempo que medimos a duração deste movimento. Ainda que não se possa medir o tempo, o ser humano insiste em medi-lo a todo instante, percebemos os intervalos existentes entre os tempos, comparamos os anos entre longos e breves, o tempo entre curto e longo. No entanto, a nossa vida é caracterizada por um único tempo chamado Presente. É no presente que as coisas acontecem, sendo este um tempo que sofre modulações, e se transforma, mas este também não é eterno, pois se fosse eterno não seria considerado tempo, é a partir dele, que nos remetemos ao passado que já se foi e esperamos o futuro que ainda está por vir. Santo Agostinho caracteriza o tempo Presente, como um Triplo Presente, ou seja, o tempo presente é um tempo que se divide em Presente do Passado, Presente do presente e Presente do Futuro.

O Presente do Passado é a memória, é a lembrança, são os vestígios de acontecimentos passados que se encontram impregnados em nossa alma. O Presente do Presente é o agora, é o exato momento em que todas as coisas acontecem, é um tempo que se vai rapidamente, que se volta ao passado e logo se torna passado. O Presente do Futuro é a espera, é a esperança, a expectativa. Podemos prever o futuro porque vivenciamos acontecimentos passados, que se encontram presentes em nossa memória, ou seja, prevemos o futuro a partir das coisas passadas. Quem, por conseguinte, se atreve a negar que as coisas futuras ainda não existem? Não está já no espirito a expectação das coisas futuras? Quem pode negar que as coisas pretéritas já não existem? Mas está ainda na alma a memória das coisas passadas. E quem contesta que o presente carece de espaço, porque passa num momento? Contudo, a atenção perdura, e através dela continua a retirar-se o que era presente. Portanto o futuro não é um tempo longo, porque ele não existe: o futuro longo é apenas a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe, mas o pretérito longo outra coisa não é senão a longa lembrança do passado. (AGOSTINHO, 1999, p. 337).

O tempo é a distensão da alma humana. É tal distensão que permite a existência do passado e do futuro no presente. O tempo é a extensão da própria alma humana, ele é um instante indivisível, que não pode ser medido. Na memória existe papel fundamental na medida do tempo, é ela que nos faz resgatar os acontecimentos que já se foram, e expectar os acontecimentos que ainda virão. As lembranças ultrapassam qualquer medida de tempos, e a partir delas podemos comparar os intervalos existentes, para assim, caracterizá-los como breves ou longos, Em ti, ó meu espírito, meço os tempos! Não queiras atormentar-me, pois assim é. Não te perturbes com os tumultos das tuas emoções. Em ti, repito, meço os tempos. Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda depois de elas terem passado. Meço-a a ela enquanto é presente, e não àquelas coisas que se sucederam para a impressão ser produzida. É a essa impressão ou percepção que eu meço, quando meço os tempos. Portanto, ou esta impressão é os tempos ou eu não meço os tempos (AGOSTINHO, 1999, p.336).

É o tempo presente que se distende, e desloca-se ao passado através da lembrança, e ao futuro através da espera. Nem o ano, nem o dia é todo presente, são os vestígios existentes em nossa alma, que fazem com que, contemos as nossas histórias, a nossa vida, a memória reúne todos os fatos vivenciados e os anseios humanos, só somos capazes de fazermos nossa história a partir das ações realizadas em um momento que já se passou. Portanto, podemos concluir que, antes de Deus criar todas as coisas, não existia nem o antes e nem o depois, estes surgiram a partir da consciência humana, é a partir desta que passamos a dividir e medir os tempos e esforçamo-nos para conhecer as coisas eternas e, no entanto, vivemos presos ao presente ao passado e ao futuro. Temporalidade e Eternidade continuam a ser um profundo mistério, ainda existente na atualidade, a primeira é governada pela segunda, e a segunda, porém, não é passado e nem futuro, é imóvel e, ainda assim, determina os acontecimentos futuros e passados.

(*) Artigo apresentado para Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC do Curso Bacharelado em Humanidades, sob a orientação do Prof. Dr. Roberto Antônio Penedo do Amaral.

(**) O presente texto é apenas um apanhado do artigo apresentado pelas autoras.

http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/O-Tempo-e-a-Eternidade-em-Santo-Agostinho_crislene_camila.pdf

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