sábado, 22 de janeiro de 2022

REFLEXÃO DOMINICAL I

A AÇÃO DE JESUS COM A FORÇA DO ESPÍRITO SANTO

Padre Wagner Augusto Portugal.

O Evangelho deste domingo (cf. Lc. 1,1-4;4,14-21) pode ser dividido em duas partes: a primeira é o prólogo de São Lucas em que o Evangelista garante a solidez das fontes da história de Nosso Senhor Jesus Cristo. A segunda parte do Evangelho nos relata a primeira parte da chamada “Perícope de Nazaré”, ou seja, será refletida no domingo próximo. Lucas inicia a vida pública de Jesus com uma pregação em que é evidenciado que Jesus não age como um santo profeta humano, que fala em nome de Deus, mas como alguém que fala como Deus, “com força do Espírito de Deus”.

Lucas diz que Jesus frequentava a sinagoga aos sábados. Isso demonstra que Jesus era um homem de oração. Junto com a oração Lucas sublinha que Jesus era um homem profundamente MISERICORDIOSO.  Jesus é a encarnação da misericórdia divina, já anunciada no trecho de hoje. Lucas, por fim, anuncia em seu Evangelho a UNIVERSALIZAÇAO DA SALVAÇÀO QUE VEM ANUNCIADA POR JESUS.  Jesus não veio para os homens do sistema religioso vigente, para os homens de poder, de posses. Ao contrário, Jesus veio para os pobres, para os excluídos, para aqueles que estão à margem da sociedade. A salvação vem para todos, para todos que aderem ao projeto de vida de Jesus Cristo.

Lucas fala da genealogia e da vida de Jesus: ele ressalta que Jesus tem família, um emprego, amigos, ressalta a geografia, a cultura, a sociedade e de então, e como não poderia deixar de ser, fala da vida dos homens de oração do tempo de Jesus e da própria vida de fé do Senhor.

Lucas demonstra que desde o seu Batismo Jesus é o homem repleto do Espírito Santo de Deus: “O Espírito Santo descerá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (cf. Lc 1,35).

Jesus inicia a sua vida pública com a fala do v. 18: “O Espírito do Senhor está sobre mim” (v. 18). Lucas sublinha o início da pregação com a ação do Espírito Santo. A salvação trazida por Jesus se mostra como poderosa força do Espírito Santo, que opera nele. A mesma coisa dirá os Atos: “Deus ungiu Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com seu poder, e ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele” (cf. At 10,38).

O Evangelho anuncia os preferidos de Jesus: os pobres, os presos e os cegos. Cabe uma reflexão pessoal: será que nós nos preocupamos com os pobres, com os presos e com os cegos? Será que nós nos preocupamos com os que estão à margem da sociedade. Pobres e excluídos no sentido material, mas, sobretudo, no sentido espiritual, na carência de Deus e da sua fé salvadora. Os presos não somente dos cadeiões, mas os presos aos bens do mundo, a alienação do poder, do ter, do ser, do estar, do fazer, do humilhar. Os cegos da autossuficiência, da arrogância, da ganância, da falta de fé.

A libertação cantada e encantada pela pena literária de Isaías é realizada por Jesus, o Redentor do Gênero Humano. Por isso Lucas solenizou o poder e o gesto do início da vida pública de Jesus: enrolou o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se. (cf. Lc 1,20). Agora já não seria mais o livro a dizer as coisas, mas ele, Jesus, o novo Mestre, e o faz como mestre, sentado, isto é, com toda a autoridade, porque não falava apenas com a força profética, mas com a força do “Espírito do Senhor que estava com ele”.

A Primeira Leitura (cf. Neemias 8,2-6.8-10) fornece um pouco de cultura bíblica, necessária para imaginar os costumes e sentimentos do judaísmo pós-exílico referentes à leitura da Lei. O episódio é praticamente o protótipo do culto sinagogal e a figura central, Esdras, pode ser considerado como o “pai do judaísmo”(antes do Exílio não se pode falar em judaísmo, no sentido estrito; é só depois do Exílio que o “povo de Deus” se identifica praticamente com a tribo de Judá, única que ficou mais ou menos intacta e livre de contaminação.

A questão fundamental sugerida pelo texto tem a ver com a importância que a Palavra de Deus deve assumir na vida de uma comunidade. Todos os pormenores apontam nesse sentido. Inicia-se com a convocação de toda a comunidade para escutar a Palavra: os homens, as mulheres e as crianças em idade “de compreender”.

A Palavra de Deus dirige-se a todos sem exceção, a todos interpela e questiona. O que é necessário para se ouvir a Palavra de Deus: há um estrado de madeira feito de propósito que coloca o leitor em plano superior; depois, o Livro da Lei é aberto de forma solene e todos se levantam, em atitude de respeito e veneração pela Palavra… É o exemplo de uma comunidade onde a Palavra de Deus está no centro e onde tudo se conjuga em função do lugar especial que a Palavra ocupa na vida da comunidade.

Como era o rito: a Palavra é aclamada pela assembleia; depois, os levitas lêem clara e distintamente; finalmente, explicam ao povo a Palavra, de modo acessível, “de maneira que se pudesse compreender a leitura”. Temos aqui um autêntico manual de como deve processar-se uma verdadeira “celebração da Palavra”. Depois como agia o Povo: confrontados com a Palavra, choram.

A atitude do Povo revela, certamente, uma comunidade que se deixa interpelar pela Palavra, que confronta a sua vida com a Palavra proclamada e que sente, na sequência, a urgência da conversão. A Palavra é eficaz e provoca a transformação da vida. Finalmente, tudo termina numa grande festa: o dia “consagrado ao Senhor” é um dia de alegria e de festa para a comunidade que se alimentou da Palavra.

Uma mensagem própria traz a Segunda Leitura (cf. 1 Coríntios 12,12-30): a alegoria do corpo e dos membros. É uma alegoria que Paulo aprendeu na escola: pertence plenamente à cultura romana e devia ser conhecida por todos os homens cultos da sociedade helenística. Seja como for, Paulo a aplica à Igreja: nenhum membro do corpo pode dizer a outro que não precisa dele. E, com um sadio naturalismo (que desaparece quando se segue a versão abreviada da leitura), fala também dos membros mais frágeis, que são circundados com cuidados maiores – alusão aos capítulos iniciais da Primeira Carta aos Coríntios, onde Paulo critica os partidarismos e ambições que dividem a Igreja de Corinto, lembrando que Deus escolheu o que é fraco e pequeno neste mundo.

A Igreja é o corpo de Cristo onde se manifesta, na diversidade de membros e de funções, a unidade, a partilha, a solidariedade, o amor, que são inerentes à proposta salvadora que Cristo nos apresentou. A nossa comunidade cristã necessariamente, em ano da misericórdia, deve ser para nós, uma família de irmãos, que vivem em comunhão, que se respeitam e que se amam. Não podemos transformar nossas comunidades e paróquias em um campo onde se enfrentam as invejas e os interesses egoístas e mesquinhos.

O projeto libertador de Deus em favor dos homens prisioneiros do egoísmo, da injustiça e do pecado começa, portanto, a cumprir-se na ação de Jesus (“cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” – vers. 21). Na sequência, São Lucas vai descrever a atividade de Jesus na Galileia como o anúncio (em palavras e em gestos) de uma “boa notícia” dirigida preferencialmente aos pobres e marginalizados (aos leprosos, aos doentes, aos publicanos, às mulheres), anunciando-lhes que chegou o fim de todas as escravidões e o tempo novo da vida e da liberdade para todos.

Jesus veio para salvar a alma e o corpo, ou seja, toda a pessoa humana. Ainda hoje a Palavra de Deus gera a Igreja, o Corpo de Cristo. Esta palavra transforma-se em dons diversos, conforme o carisma de cada um para a edificação do Corpo de Cristo que a segunda Leitura nos ensina. Em cada Missa dominical realiza-se o que aconteceu na sinagoga de Nazaré. É Deus que faz a proposta. Estabelece-se o confronto com a Palavra, facilitada pela homilia. E deve seguir-se uma resposta de conversão, de louvor, de ação de graças e de sacrifício.

Neste ano jubilar da misericórdia é importante ressaltar que o Antigo e o Novo Testamento se tornam atuais, próximos, se não ficarmos apegados à letra morta. Mais cedo ou mais tarde descobriremos que podemos dizer a cada página: “Aqui se fala de nós. Eu sou Adão. Nós somos os apóstolos do mar. Encontramo-nos precisamente como Jesus no caminho do Calvário e da ressurreição. Assim, através da Palavra de Deus, vamos lentamente descobrindo como é nossa vida aos olhos dele, isto é, na sua dimensão profunda…”. A Palavra de Deus interpela, provoca, consola, cria comunhão e salva, das mais diversas formas, conforme os momentos e as maneiras; todo ato de pregação é glorificação de Deus e acontecimento sociológico para os homens.

Nós, o povo de Deus caminhante, a Igreja de Cristo, recriada por Sua Palavra, há de transformar-se em boa-nova de libertação para os pobres e os oprimidos. A Palavra terá como fruto uma evangélica opção preferencial pelos pobres e pelos oprimidos. Despertará e animará o carisma próprio de cada cristão a serviço do bem da nossa comunidade de fiel, tudo com o auxílio e a graça santificante do Espírito de Deus.

Muitos são os dons, inumeráveis são os carismas de nossa fé: tudo na unidade em Cristo para que com Ele uma só Igreja, caminho ordinário de salvação. Assim seja!

https://catequizar.com.br/liturgia/homilia-do-3o-domingo-do-tempo-comum-c/

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