Por Sergio Conrado (*)
O artigo discorre sobre
a realidade da sinodalidade como o caminho que Deus espera da Igreja hoje se
houver verdadeira conversão pastoral.
Introdução
Não há dúvida
de que o sínodo já é parte integrante da vida da Igreja universal e particular
e, onde tem sido realizado, alcança um patamar bastante alto de eficácia. O
sínodo é profundo convite à conversão pessoal, pastoral e eclesial diante da
constatação de que os objetivos da evangelização não estão sendo plenamente
atingidos. O próprio Concílio Vaticano II, há mais de 50 anos, foi um apelo
solene e insistente para que a Igreja toda se renovasse na missão, levando em
conta as novas realidades sociais, culturais e religiosas que compunham o
contexto da época.
No
período pós-conciliar, em 1965, São Paulo VI convocou o primeiro Sínodo dos
Bispos e, a partir daí, pouco a pouco, foram realizados muitos, em diferentes
setores da Igreja, como o Sínodo dos Bispos sobre a evangelização do mundo
contemporâneo. Com a compreensão de que a missão permanente é a razão de ser da
Igreja, a sinodalidade, desde o início mostrou ser necessário sempre rever a
ação pastoral, seus métodos e instrumentos, e ter a conversão pastoral como
sustento da missão. Seguindo essa linha, os sínodos abrangiam as múltiplas
áreas de ação eclesial, como o Sínodo sobre a catequese (Catechesi Tradendae,
1979) e sobre a ação missionária da Igreja (Redemptoris Missio, 1990).
Outros
sínodos refletiram e tiraram muito boas conclusões sobre a vocação e a missão
dos leigos na Igreja e no mundo contemporâneo (Christifideles Laici, 1988),
sobre a vocação sacerdotal, vida e ministérios dos presbíteros (Pastores Dabo
Vobis, 1992), sobre a missão dos bispos (Pastores Gregis, 2001), sobre
religiosos e religiosas (Vita Consecrata, 1996) sobre a família (Amoris
Laetitia, 2014-2015), sobre os jovens, a fé e discernimento vocacional
(Christus Vivit, 2019) e, mais recentemente, sobre a Pan-Amazônia (2019).
Não foi outra a preocupação das Conferências Gerais do Episcopado da América Latina e do Caribe diante da já crescente secularização e pluralismo religioso do nosso tempo: Medellín, 1968; Puebla, 1979; Santo Domingo, 1991; Aparecida, 2007. Nesta última, além de assistirmos à retomada dos ensinamentos do Vaticano II, constatamos que a conversão pastoral eclesial e missionária se tornou corajosa e profunda marca na Igreja latino-americana.
Com seus
documentos e diretrizes, as assembleias da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) têm primado em manter as dioceses brasileiras em constante busca
de novos meios e estratégias para enfrentar, de um lado, o abandono da prática
religiosa por parte dos católicos e, de outro, os apelos – nem sempre éticos e
morais – de novas pseudorreligiões e seitas que se dizem evangélicas. Aí o
sínodo tem sido, para as dioceses, um tempo de escuta do Espírito Santo, de
revisão, de busca de novos métodos e estruturas, que pede verdadeira conversão
pastoral (CELAM, 2007, n. 365-372), tendo em vista a obtenção de uma noção mais
clara da realidade religiosa, cultural, econômica e social das dioceses. A
Arquidiocese de São Paulo se encontra no terceiro ano da realização de seu
sínodo e – como uma cidade que, de alguma forma, retrata todo o Brasil – poderá
fornecer elementos muito válidos de reflexão e ação.
Assim,
gostaríamos de pautar nossas reflexões no contexto globalizante constituído
pela secularização e pelo pluralismo religioso, na trilha do
sínodo/sinodalidade e da conversão pastoral como um binômio que, embora já
assumido pela Igreja, ainda necessita de maior aprofundamento e empenho.
Num
primeiro momento, pretendemos oferecer alguns elementos de aprofundamento do
significado teológico da sinodalidade na perspectiva da eclesiologia católica
em sintonia com o Concílio Vaticano II, fundamentada na Escritura e na
Tradição. Em seguida, compreender que a sinodalidade exige permanentemente a
conversão espiritual-pastoral e o discernimento comunitário e missionário
exigidos por uma autêntica experiência de Igreja sinodal. Finalmente,
apresentar algumas considerações pastorais que poderão, com a Escritura e a
Tradição, ajudar a assumir melhor o que o Papa Francisco declarou: “O caminho
da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja no terceiro milênio”
(FRANCISCO, 2015).
1.
Sinodalidade,
sínodo e concílio
A
sinodalidade como elemento inerente ao ser eclesial é uma afirmação proferida
pelo papa Francisco na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo
dos Bispos realizada por São Paulo VI (FRANCISCO, 2015). Trata-se, na
realidade, de verdade programática e empenhadora dentro da Igreja, que busca
reformar sua vida em busca de uma saída cada vez mais missionária. A
sinodalidade, de fato, sendo “dimensão constitutiva da Igreja”, é “aquilo que o
Senhor nos pede”, e, de certa maneira, “está já tudo contido na palavra
‘sínodo’” (FRANCISCO, 2015).
Sínodo é
palavra muito antiga e venerada na tradição da Igreja, e seu significado
exprime um conteúdo muito profundo da Revelação. O termo é constituído pela preposição e
pelo substantivo, “caminho”: indica o caminho feito pelo Povo de Deus que está
intimamente unido ao Senhor Jesus – o qual se apresenta a si mesmo como “o
Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6) – e o fato de que os cristãos, no seguimento
de Jesus, são, na sua origem, chamados de discípulos do Caminho (cf. At 9,2;
19,9.23; 22,4; 24,14.22).
A palavra
“sínodo”, no grego eclesiástico, exprime o ser convocado em assembleia dos
discípulos de Jesus e, em alguns casos, é sinônimo da comunidade eclesial. São
João Crisóstomo, por exemplo, escreve que Igreja é estar a caminho juntos. Ele
explica que a Igreja, de fato, é assembleia convocada para render graças e
louvores a Deus como um coro, uma realidade harmônica, pois todos aqueles que a
compõem, mediante suas recíprocas relações, convergem para um mesmo sentir e
agir.
Além
disso, desde os primeiros séculos, são designadas com a palavra “sínodo”, com
um significado específico, as assembleias eclesiais convocadas nos diferentes
níveis (diocesano, provincial ou regional, patriarcal, universal) para
discernir, à luz da Palavra de Deus e na escuta do Espírito Santo, as questões
doutrinais, litúrgicas, canônicas e pastorais que, de quando em quando, se
apresentam.
A palavra
grega é traduzida em latim como sinodus ou concilium. No uso profano, concílio
indica uma assembleia convocada pela legítima autoridade. Embora as raízes de
“sínodo” e de “concílio” sejam diferentes, o significado é convergente. Aliás,
“concílio” enriquece o conteúdo semântico de “sínodo”, explicitando a palavra
hebraica qahal, a assembleia convocada pelo Senhor, e a sua tradução no grego
ecclesia, que designa, no Novo Testamento, a convocação escatológica do Povo de
Deus em Cristo Jesus.
A
distinção no uso das palavras “concílio” e “sínodo” na Igreja católica é
recente; no Vaticano II (Dei Verbum, n. 1; Sacrosanctum Concilium, n. 1) são
sinônimas ao designar a assembleia conciliar. O Código de Direito Canônico da
Igreja latina (1983) introduziu uma “precisão”, na qual se distingue entre
concílio particular (plenário ou provincial) e Concílio Ecumênico, de um lado,
e Sínodo dos Bispos e sínodo diocesano, de outro.
Nos
últimos decênios, na literatura teológica, canonista e pastoral, foi
introduzido o uso de um substantivo com uma característica própria,
“sinodalidade”, relacionado ao adjetivo “sinodal”, ambos derivados da palavra
“sínodo”. Assim, descreve-se a sinodalidade como dimensão constitutiva da
Igreja e, consequentemente, fala-se de Igreja sinodal. Trata-se de novidade de
linguagem que, embora ainda mereça acurada reflexão teológica, indica uma
aquisição que amadurece na consciência eclesial a partir do magistério do
Vaticano II e também da experiência vivida, nas Igrejas locais e na Igreja
universal, desde o último Concílio até os nossos dias.
1.1.
Comunhão,
sinodalidade, colegialidade
Embora o
termo “sinodalidade” e o conceito que ele exprime não se encontrem
explicitamente no ensinamento do Concílio Vaticano II, podemos afirmar que a
dimensão da sinodalidade permeia o âmago da obra de renovação promovida por
esse Concílio.
A
eclesiologia do Povo de Deus sublinha enfaticamente a comum dignidade e missão
de todos os batizados, no exercício da multiforme e ordenada riqueza de seus
carismas, de suas vocações, de seus ministérios. O conceito de comunhão exprime
aí o cerne profundo do mistério e da missão da Igreja, que tem na Eucaristia
sua fonte e seu ápice (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1992).
A
sinodalidade, nesse contexto eclesiológico, mostra o específico modo de viver e
de agir (modus vivendi et operandi) da Igreja Povo de Deus. Assim, manifesta e
realiza concretamente seu ser comunhão ao caminhar em união ao reunir-se em
assembleia e ao contar com a participação ativa de todos os seus membros na
missão evangelizadora.
Enquanto
o conceito de sinodalidade exige o envolvimento e a participação de todo o Povo
de Deus na vida e na missão da Igreja, o conceito de colegialidade especifica o
significado teológico e a forma de exercício do ministério dos bispos a serviço
da Igreja particular. Cada uma das Igrejas particulares está confiada aos
cuidados e aos serviços pastorais de cada bispo, e na comunhão entre elas, no
seio da única e universal Igreja de Cristo, realiza-se a comunhão hierárquica
do Colégio Episcopal com o Bispo de Roma.
Dessa
forma, podemos perceber com clareza que a colegialidade é uma forma específica
na qual a sinodalidade eclesial se manifesta e se realiza por meio do
ministério dos bispos, na comunhão entre as Igrejas particulares e na Igreja
universal. É possível então afirmar que cada legítima manifestação de
sinodalidade exige, por sua natureza, o exercício do ministério colegial dos
bispos.
É certo
que são muitos os frutos da renovação operada pelo Vaticano II, como a comunhão
eclesial, a colegialidade episcopal, a consciência e a prática sinodal. No
entanto, há muito ainda por fazer na direção traçada pelo Concílio. Embora a
figura sinodal de Igreja tenha sido amplamente compartilhada e conseguido
formas positivas de atuação, é necessário ainda aprofundar seus princípios
teológicos e tornar as orientações pastorais mais incisivas.
Aí se
encontra a novidade lançada pelo papa Francisco, na trilha iniciada pelo
Vaticano II e percorrida por seus antecessores: ele sublinha que a sinodalidade
exprime a figura da Igreja que brota do evangelho de Jesus e é chamada a
encarnar-se hoje na história, na fidelidade criativa à Tradição.
Em
conformidade com o ensinamento da Lumen Gentium, o papa Francisco afirma que a
sinodalidade nos oferece a chave interpretativa mais adequada para compreender
o próprio ministério hierárquico. E, com base na doutrina do sentido da fé dos
fiéis (sensus fidei fidelium), acentua que todos os membros da Igreja são
sujeitos ativos da evangelização (cf. FRANCISCO, 2013, n. 119).
Finalmente,
a sinodalidade se encontra no coração do empenho ecumênico dos cristãos, porque
representa um convite a caminhar juntos rumo à plena comunhão da Igreja, na
qual possam encontrar um lugar para as legítimas diversidades segundo a lógica
de uma sincera troca de dons à luz da verdade.
1.2.
Sinodalidade
na Escritura
Não
poderíamos concluir uma reflexão sobre a sinodalidade sem antes mostrar que, já
na Escritura e na Tradição, ela está profundamente presente e nelas se baseia.
Os
elementos da vida sinodal na Igreja e na Tradição atestam que, no plano divino
de salvação, se encontra inerente a vocação à união com Deus e que todo o
gênero humano se une a Jesus Cristo por meio do ministério da Igreja. Naturalmente
não se trata, de nossa parte, de reflexão exaustiva, e sim de algumas linhas de
fundo necessárias para o discernimento dos princípios teológicos que devem
animar e regular a vida, as estruturas, os processos e os eventos sinodais.
O Antigo
Testamento nos mostra que o ser humano, homem e mulher, foi criado à imagem e
semelhança de Deus como um ser social chamado a colaborar com o Criador,
caminhando com ele na comunhão, cuidando do universo e orientando-o para sua
meta. O pecado impede a realização do projeto divino, mas Deus, na sua
misericórdia, renova a aliança para reconduzir a humanidade para o caminho da
união com Ele, na unidade com os irmãos na casa comum (cf. Gn 9,8-17; Ex
19-24).
A
convocação de Abraão e sua descendência (cf. Gn 12,1-3; 17,1-5) é a ecclesia
sancionada no pacto do Sinai (cf. Ex 24,6-8); o povo de Deus libertado se torna
o interlocutor do Senhor e, no caminho do êxodo, reúne-se ao seu redor para
celebrar o culto e viver a Lei. Aqui está a manifestação da vocação sinodal do
Povo de Deus, com Moisés à frente e a colaboração colegiada dos juízes, anciãos
e levitas.
A
mensagem dos profetas inculca no Povo de Deus a exigência de caminhar juntos,
de converter o coração para o Senhor. Para que isso aconteça, este promete dar
ao povo um coração e um espírito novos (cf. Ez 11,19).
Em Jesus
de Nazaré, Deus realiza a nova aliança, e o Messias revela – em sua vida e na
sua pessoa – que Deus é comunhão de amor e que, na sua misericórdia, quer
abraçar na unidade a humanidade inteira (cf. Jo 1,1-18).
Os Atos
dos Apóstolos atestam importantes momentos no caminho da Igreja apostólica
chamada ao exercício comunitário de discernimento da vontade do Senhor
ressuscitado. O protagonista que guia e orienta esse caminho é o Espírito
Santo, derramado sobre a Igreja no dia de Pentecostes (cf. At 2,2-3). Na linha
da sinodalidade, os discípulos ouvem o Espírito Santo na escolha dos sete
homens de boa reputação, plenos do Espírito e de sabedoria para servir às mesas
(cf. At 6,1-6), e no discernimento sobre a crucial questão da missão junto aos
gentios (cf. At 10).
Sabemos
que este último fato foi tratado no que se chama Concílio Apostólico de
Jerusalém (cf. At 15 e Gl 2,1-10). Realiza-se aí um evento sinodal no qual a
Igreja apostólica, em um momento decisivo de seu caminho, vive sua vocação à
luz da presença do Senhor ressuscitado, em vista da missão. Esse evento, ao
longo dos séculos, será interpretado como a figura paradigmática dos sínodos
celebrados na Igreja. A assembléia de Antioquia (cf. At 15,25) também marca o
caminho da Igreja.
O
apóstolo Paulo delineia a sinodalidade ao invocar a imagem da Igreja como Corpo
de Cristo, exprimindo seja a unidade do organismo, seja a diversidade de seus
membros. Todos gozam da mesma dignidade, em virtude do batismo (cf. Gl 3,28;
1Cor 12,13), e todos devem dar seu contributo para a grandeza da salvação.
É preciso
perceber que a sinodalidade se apresenta, por meio da diversidade de lugares,
de culturas, de situações e de desafios, como garantia e encarnação da
fidelidade criativa da Igreja. A sinodalidade descreve, de forma específica, o
caminho histórico da Igreja, enquanto esclarece as estruturas e dá rumo à
missão. A própria modalidade, exercitada como caminho eclesial, manifesta em
profundidade as dimensões trinitária, antropológica, cristológica,
pneumatológica e eucarística do plano divino de salvação que se realiza no
mistério da Igreja através dos séculos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Direito Canônico. Cân. 439, 1; 440, 1; 337, 1; 342; 460. Disponível em: <https://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/31867/codigo-de-direito-canonico#ancora-158>.
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VALADEZ
FUENTES, Salvador. Espiritualidade pastoral: como superar uma pastoral “sem
alma”? São Paulo: Paulinas, 2008.
(*) Sergio Conrado
Cônego Sergio Conrado é professor doutor em Teologia Pastoral pela Universidade Lateranense de Roma e professor emérito pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção – PUC/São Paulo. Pároco da Paróquia São Gabriel (Jardim Paulista), Arquidiocese de São Paulo.
https://www.vidapastoral.com.br/edicao/sinodalidade-e-conversao-pastoral/
(Continua no próximo Domingo...)
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