DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO -
Reflexões de Santo Agostinho
Com as palavras "Maria Concebida Sem Pecado"
confessamos, que Maria, por uma exceção especial, em virtude dos futuros
merecimentos de cristo, desde o primeiro instante de sua vida ficou isenta do
pecado original e revestida foi da graça santificante. Não é assim com as
outras criaturas humanas. Desde o princípio da nossa existência, carecemos da
graça santificante, sendo que esta graça estatui um verdadeiro pecado, não
pessoal, é claro, mas um pecado da natureza, chamado pecado original por ser
uma conseqüência do pecado dos primeiros pais.
O mistério da Imaculada conceição, exclui o pecado, isto é, o
pecado original e conseqüentemente duas coisas, inseparavelmente ligadas a
este: A desordenada concupiscência e o pecado pessoal; inclui, porém, a posse
da graça santificante. O que tem nome de pecado, é a ausência culpada da graça
santificante. A presença desta significa a ausência, a extinção daquele. Maria,
desde o princípio era possuidora da graça santificante e, junto com esta, de
todos os bens que a acompanharam, isto num grau não comum, mas numa abundância
tal, que Santo nenhum até o fim de sua vida chegou a possuí-la. Inerente a este
dom da graça santificante se achava outro privilégio, o da perseverança final.
Também Eva possuía inicialmente a graça santificante; perdeu-a, porém, pela
transgressão do Mandamento de Deus. Não assim Maria. Na sua vida não houve um
momento sequer, em que se visse privada da graça de Deus; pelo contrário: esta
lhe crescia de maneira tão exuberante, que não podemos dela formar idéia.
A alma, ou o coração de Maria no mistério da Imaculada Conceição não é
comparável a um recipiente, puro sim, e sem mácula, destituído entretanto de
qualquer adorno; antes se assemelha com um vaso riquíssimo transbordando de
todas as espécies de tesouros e preciosidades da ordem sobrenatural;
obra-prima, maravilhosa da terra e do céu, da natureza e da graça de Deus e a
complacência do divino artífice seu Criador.
Não como nós, pobres filhos de Eva, desfigurados pelo pecado,
semelhantes a tristes espinheiros, crestados pelo sol, Maria pelo contrário se
ostenta bela, luminosa, envolta em claridade celestial, qual lírio puríssimo,
encanto dos Anjos e dos Santos do céu. "Como a açucena entre os espinhos,
assim é a minha amiga entre as donzelas". (Cant. 2, 2)
O mistério da Imaculada Conceição é de suma importância, sem restrição
alguma, belo e glorioso.
É uma glória para Deus, para a Santíssima Trindade. O Pai é a majestade, a suma
do poder, a autoridade sem par, criadora, vivificadora, legisladora e
governadora. Este poder, porém, consiste não só em dar leis e aplicar castigos,
como também em isentar da lei e agraciar, quando e da maneira que lhe apraz.
Cometido o primeiro pecado no Paraíso, para todos os filhos de Adão
foi criada a lei da morte espiritual, da privação, da graça santificante para o
primeiro momento da vida, lei da qual isenta só ficou Maria, em atenção ? sua
missão excepcional e única, à sua futura vida, a nossa vida pela maternidade
divina. O Filho é a sabedoria e a Redenção. O sangue de Cristo é o remédio
contra a morte do pecado. Em Maria, porém, produziu um efeito extraordinário.
Em todos os outros homens tira o pecado, extingue-o e restabelece o estado da
graça. Em Maria, porém, teve este efeito desde o princípio. A Imaculada
Conceição é, portanto, o fruto mais nobre e grandioso da morte do Salvador, como
também prova do grande amor de Jesus a sua Mãe.
O Espírito Santo é a bondade, o amor e a generosidade de Deus em
distribuir bens naturais e sobrenaturais. Na Imaculada Conceição este Divino
Espírito manifesta uma bondade inesgotável, não só em ter adornado Maria de
bens naturais extraordinários, como também, e principalmente em tê-la
enriquecido de dons e graças divinas. Pelo curso normal o Espírito Santo dá a
graça santificante depois do nascimento, no sacramento do batismo. Muito poucos
são os que foram santificados, quando ainda no seio da mãe, assim São João
Batista e talvez São José; mas só Maria desde o primeiro momento da sua vida
gozou deste privilégio. Todos os demais, o Espírito Santo santifica num
determinado grau: Maria, porém, foi agraciada de uma maneira tão abundante, que
da plenitude das graças, a Ela dispensada, não se pode fazer idéia.
Desta forma o mistério da Imaculada Conceição constitui uma
glorificação da SS. Trindade. Não menos glorioso e de suma importância ele é
também para Maria. A Imaculada Conceição é o fundamento da grandeza e
magnificência desta, em três sentidos. Primeiro: É o fundamento da sua
santidade. A santidade consiste antes de tudo na isenção de todo o pecado, na
posse da graça santificante e das virtudes e dons concomitantes. Preservada que
foi do pecado original, Maria ficou livre também do pecado pessoal. Em sua
Conceição recebeu uma harmonia tal de todas as energias físicas e morais, um
temperamento tão particularmente eficientes, que em toda a sua vida nunca houve
manifestação de concupiscência; por isto pecado venial, nenhum, por mais leve
que fosse, cometeu. É esta a doutrina de Santo Agostinho e do Concílio de
Trento.
O tesouro da santidade da Mãe de Deus, sempre aumentando, cresceu
a graus incalculáveis, uma vez pelo afluxo de graças extraordinárias, como
também pela sua fidelíssima cooperação e as circunstâncias especiais da sua
vida. Toda essa riqueza incomensurável tem sua razão, seu fundamento na
Imaculada Conceição. Em segundo lugar é este mistério a condição preliminar e
preparação adequada para a excelsa dignidade que Maria possuía, de Mãe de Deus
e Rainha do céu e da terra. Como o Salvador em sua tenra infância poderia
unir-se tão estreitamente, e tão intimamente descansar junto a um coração que,
por um momento aliás, tivesse sido morada e domínio de Satanás? Como poderia
ela, sua rainha, se apresentar aos coros dos Anjos, que nunca perderam a graça
santificante, se pelo pecado tivesse sido escrava do demônio?
Na Imaculada Conceição, o poder de Maria Santíssima tem o seu
fundamento. Pureza, inocência e santidade são valores por Deus muito
apreciados, valores a que é atribuído certo poder imperativo junto à divina
majestade. Com quanto mais razão deve-se isto afirmar da pureza de Maria que,
nem por sombra de pecado sequer empanada, realmente é o reflexo da luz eterna,
o espelho sem mácula, a imagem da divina bondade! (Sab 7, 26). Numerosas,
grandes e admiráveis são as prerrogativas deste ser abençoado: O nascimento
virginal do Salvador, a integridade perfeita e a incorruptibilidade do corpo, a
ressurreição e assunção antes do dia do juízo e da consumação dos séculos.
De todas estas exceções é a da Imaculada Conceição por Maria a
mais apreciada. As demais prerrogativas necessárias, eram concedidas sob certas
suposições, e sempre condicionalmente; mas o privilégio de por nenhum momento
se achar sujeito ao pecado, este sob todos os pontos de vista, era necessário,
indispensável. Ainda mais: Diante da hipótese de poder escolher qualquer
distinção, a todas ela poderia renunciar, menos a da Imaculada conceição. Por
isto, na missa deste dia, a igreja põe nos lábios de Maria as seguintes
palavras: "Regozijar-me-ei no Senhor e minha alma exultará de alegria em
meu Deus; porque me revestiu com vestimenta de salvação, e me cobriu com o
manto de santidade, como uma esposa com suas galas" (Is. 61, 10) .
?Louvar-vos-ei, Senhor, porque me livrastes e não deixastes que meu inimigo
zombasse de min. (Sal 29, 3)
O mistério da Imaculada Conceição é de suma importância para nós,
para a Igreja, para o mundo inteiro. Sua solene proclamação como dogma em 1854,
foi um progresso, um novo elo na evolução da nossa fé. Não é este dogma uma
invenção da Igreja. Antiqüíssimo, fazia parte das verdades reveladas, estava
incluído no depósito da fé. Até aquele ano, o católico tinha liberdade de crer
ou não crer na Imaculada Conceição; podia rejeitar esta doutrina, sem incorrer
numa heresia. Houve de fato doutores da Igreja e Santos que não a aceitaram.
Hoje o mundo inteiro está convencido da verdade do mistério: A criança que sabe
seu catecismo, pensa sobre esta doutrina com mais acerto que aqueles grandes
teólogos e espíritos de escol e iluminados.
O mistério e sua elevação a dogma é a confirmação de uma nova declaração da lei
moral sobrenatural, que somos destinados a uma vida sobrenatural; que a graça
é-nos indispensável para alcançar este fim; que a perda culposa e a falta de
graça é a essência do pecado, e todos, com exceção de Maria, como filhos de
Adão, estamos sujeitos ao pecado. Tudo isto o dogma da Imaculada Conceição diz
e ensina ao mundo materializado e ímpio. Portanto, sua proclamação é um solene
protesto contra o racionalismo e materialismo; é a condenação destas
ideologias, que não querem saber da verdade e ordem sobrenaturais; que rejeitam
a doutrina sobre o pecado, a redenção e tudo que se eleva acima da vida
material e da observação sensitiva. Ao mesmo tempo, apresentando Maria como
ente perfeitíssimo na ordem da graça, é para nós animação poderosa a nos
aproximar desta ordem, e a nossa vida ordenar segundo seus princípios.
Finalmente descobrimos no mistério da Imaculada Conceição um penhor
da graça e da bênção divinas para o mundo nosso contemporâneo. Seus pecados são
muitos e graves. Basta apontar os seguintes: Impiedade, dissolução de costumes,
revolta contra Deus e a autoridade legitimamente estabelecida, perseguição
contra a Igreja. Um grande merecimento, entretanto, não lhe pode ser negado: o
de ter aceito o dogma da Imaculada Conceição, e com esta homenagem ter adornado
a cabeça de Nossa Senhora com uma coroa de incomparável e indestrutível valor.
A Pobre humanidade pode, portanto, esperar por uma resposta amável e
misericordiosa daquela que é sua Mãe.
Uma grande graça o mundo já experimentou, que pode ser considerada
favor do céu e efeito da intercessão da Santíssima Virgem. As circunstâncias em
que se realizou a proclamação dogmática da Imaculada Conceição, já eram um
prelúdio da dogmatização da infalibilidade do Papa. Quando Pio IX, a 8 de
dezembro de 1854, na Basílica de São Pedro proclamava a bula da Imaculada Conceição,
alguns bispos presentes exclamaram: "É isto a infalibilidade do próprio
Papa". Tinham eles razão, porque o papa, sem ter assistência de um
Concílio, por sua própria autoridade fez esta proclamação. Poucos anos depois o
Concílio Vaticano elevou a Dogma a infalibilidade pessoal do papa. Desta
maneira, Maria Santíssima retribuiu honra com honra, e deu à igreja o remédio
mais necessário para curar os males dos nossos dias.
Assim, o mistério da Imaculada Conceição projeta raios de luz em
todas as direções: raios de glorificação a Deus, sobre a SS. Trindade, cuja
essência e bondade tão admiravelmente revela; raios de louvor e honra sobre
Maria, cujas prerrogativas e santidade tão prestigiosamente desvenda; raios de
bênção, de graças e de consolações para o mundo, tão necessitado de uma Mãe e
poderosa protetora.
Terminando esta meditação, três resoluções se nos impõe: Primeiro: de dar
graças ? SS. Trindade por tudo que de grandioso e de bom no mistério da
Imaculada conceição operou para sua maior glória, em benefício de Maria e para
nosso proveito. Regozijemo-nos. "O grande sinal, a mulher vestida de sol,
tendo a lua aos pés e a coroa de estrelas cingindo a sua cabeça",
apareceu. O dragão fugiu, voltando às trevas e ao desespero. Graças demos a Deus
e, a Maria, apresentemos as nossas felicitações. Realmente: "Tota pulchra
es Maria, et macula originalis non es in te". - Toda sois formosa, sem a
mancha do pecado original. Segundo: De a Deus, por Maria pedir a Igreja, ao
mundo inteiro e a nós todos, advenham as bênçãos que por este mistério Deus
intencionava espargir. Muitos benefícios já recebemos; outros tantos esperamos
que nos sejam feitos por intermédio da Virgem Mãe Imaculada. Terceiro: De
encher-nos de ódio e repugnância ao pecado e de veneração à graça santificante
.
A Imaculada Conceição é o mistério da paz e do perdão. O pecado
original é o menor entre os pecados graves de que podemos ser inculpados. Mas
nem este o Salvador tolera. Quanto mais intimamente ele se liga a uma criatura
humana, tanto mais longe dela deve o pecador ficar. Por isto, e completamente
do pecado isentou sua Mãe. Deve ser para nós forte incentivo de fugirmos do
pecado, de dar todo valor à graça e a conservar. Nossa honra, nossa riqueza,
nossa formosura e nossa felicidade consistem unicamente na graça santificante
.
No mistério da Imaculada Conceição encontramos o auxílio para adquirir esta
graça e a conservar. É para nós o penhor da esperança, da consolação, do
conforto e da vitória, como o tem sido para a humanidade desde o princípio da
sua existência. À Virgem Imaculada recorramos, quando a tentação de nós se
aproxima. Neste sinal, terrível que é para o inferno, e para nós prometedor,
teremos a vitória final e a salvação.
REFLEXÕES
Por um privilégio especialíssimo Maria Santíssima ficou isenta da
culpa original. A alma da Mãe foi criada no estado da graça santificante e
nesta permaneceu. Graça igual não recebeste. Concebido em pecado, em pecado
nasceste. Mas Deus purificou tua alma, no sacramento do batismo. Milhares e
milhares não tiveram esta graça. No céu não puderam entrar, porque nada de
impuro lá entra. Por que te concedeu Deus, em sua infinita bondade, a graça do
batismo? Quanta gratidão deves, pois, a Deus tão bondoso, por te ter dado
tamanha distinção! O batismo, porém, é somente a primeira graça que recebeste
do Criador, para alcançares a vida eterna. Deve-se aliar-lhe uma vida santa, de
perfeito acordo com os Mandamentos da Lei de Deus. "Aquele que disse ser
necessário o batismo, o renascimento da água e do Espírito Santo, disse também:
Se vossa justiça não for maior que a dos fariseus e dos escribas, não entrareis
no reino dos céus!"
(Santo Agostinho)
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