01- Os
estigmas do Padre Pio à luz da história da Igreja
Com
os seus estigmas, o Padre Pio recorda ao homem do Terceiro Milênio,
transtornado pelas miragens do progresso científico e tecnológico, que o
Calvário ainda continua a ser o único viático misterioso para alcançar a
salvação total.
Renzo Allegri
Tradução: Maria do Rosário Pernas
23.Jun.2022Tempo de
leitura: 5 minutos
O fenômeno dos estigmas é portentoso. Sempre
impressionou muito a ciência e a teologia, e exerce um grande fascínio sobre as
massas. Evoca Cristo, na sua expressão mais emblemática: a de Salvador,
mediante o sofrimento mais total.
É um fenômeno polêmico, também pelo fato de não se
conseguir definir exatamente a sua natureza e origem. A Igreja sempre se
mostrou muito prudente. Com efeito, embora tenha elevado à glória dos altares
cerca de setenta santos que também receberam os estigmas, só no caso de São
Francisco de Assis reconheceu a natureza sobrenatural do fenômeno.
O Padre Pio representa um caso muito próprio. Os
seus estigmas mantiveram-se vivos e a sangrar durante mais de meio século. Durante a
vida do Padre, e devido a uma situação particular, aquelas chagas suscitaram
polêmicas ferozes. As Congregações eclesiásticas, chamadas a julgar o caso,
sobretudo o Santo Ofício, deram sempre pareceres negativos, excluindo o caráter
sobrenatural da sua origem.
Entretanto, as coisas mudaram. A canonização fez
com que a verdade viesse à tona. Os estigmas são essenciais para a santidade do
Padre Pio, constituindo um ponto fulcral da sua personalidade. São o sinal
característico da sua missão de “corredentor”. O Padre Pio é o primeiro
sacerdote estigmatizado da história, estando destinado a guiar os crentes do
Terceiro Milênio pelas sendas complicadas da teologia do sofrimento.
Os estigmas são um mistério, não só pela sua
natureza, mas também pelo seu significado teológico. Para nós, pobres
cronistas, é verdadeiramente impossível entrar em investigações tão delicadas.
Para entender e fazer entender um pouco, recordo o que me disse certo dia uma
eminente personalidade da Igreja, o Cardeal Giuseppe Siri, então Arcebispo de
Gênova.
Corriam os anos em que, para o Santo Ofício, o
Padre Pio estava cercado por terra queimada. Nenhuma autoridade eclesiástica
tinha a coragem de confessar publicamente que acreditava no Padre Pio. O
Cardeal Siri, homem de ferro, com vários outros expoentes de destaque, como o
Cardeal de Bolonha, Giacomo Lercaro, não tinham medo de ninguém e estavam
orgulhosamente do lado do frade estigmatizado.
A sua visão estava certa. A história viria a
dar-lhes razão. Falando-me dos estigmas do Padre Pio, o Cardeal Siri
desenvolveu um raciocínio que põe em evidência o altíssimo significado
religioso do fenômeno e a sua importância histórico-religiosa. É um
discurso que ilumina muito bem o mistério cristão do sofrimento e oferece,
portanto, a chave para compreender a verdadeira grandeza do Padre Pio.
“Com os estigmas com que viveu durante toda a vida,
e com os outros sofrimentos morais — disse-me o Cardeal Siri —, o Padre Pio
chama a atenção dos homens para o Corpo de Cristo, como meio de salvação.
Cristo morreu na Cruz pelos homens e, sobre esta
verdade, uma das verdades principais da religião cristã, se apoia toda a
teologia da Redenção. É uma verdade tão importante que, quando os homens, ao
longo da história, a esqueceram ou tentaram deturpar, Deus interveio sempre
através de acontecimentos, fatos e milagres. A história da Igreja está
cheia destas intervenções divinas, destinadas a chamar a atenção para o Corpo
de Cristo.
No século XIII, por exemplo, século das grandes
discussões teológicas, das primeiras universidades, em que os filósofos se
interrogavam sobre os ‘universais’, a doutrina cristã estava prestes a ser
contaminada por demasiados sofismas e intelectualismos, e a verdade sobre o
Corpo de Cristo tinha sido esvaziada da sua objetividade. Eis então que surge
São Francisco, propondo como ideal ‘viver o Evangelho à letra’; além disso,
recebendo os estigmas, chama a atenção para o Corpo de Cristo.
“A Visão de Santa Juliana de Cornillon”, por Philippe de Champaigne.
Durante esse mesmo período, na Bélgica, a beata
Juliana Cornillon, irmã agostiniana, tornava-se promotora de uma festa para
celebrar a humanidade de Cristo.
Fôra o próprio Jesus que, em diversas aparições, lhe
pedira que o fizesse. Em 1247, a irmã Juliana conseguiu obter, mas só para a
diocese de Liège, a instituição de Corpus Domini, uma festa que
celebra o Corpo físico de Cristo.
Em agosto de 1263, um sacerdote alemão, enquanto
celebrava Missa numa pequena igreja sobre o lago de Bolsena, foi tomado pela
dúvida de que, naquela hóstia consagrada, estivesse realmente presente o Corpo
de Cristo.
No
momento da consagração, enquanto elevava a hóstia, brotaram dela rios de
sangue, que encharcaram a toalha do altar.
O prodígio fez acorrer muita gente. O lugar foi
imediatamente vedado, para que ninguém tocasse em nada, e foram chamar o Papa
Urbano IV, que se encontrava em Orvieto, a cerca de trinta quilômetros de
Bolsena. O Papa acorreu ao local, observou, interrogou as testemunhas,
convenceu-se da autenticidade do fenômeno, associou-o às visões tidas pela sua
penitente, irmã Juliana, e compreendeu que se tratava de um novo sinal. No ano
seguinte, através da bula Transiturus, estendeu a festa de Corpus
Christi a toda a Igreja.
Na segunda metade do século XVII, na França, mas
também no resto da Europa, tinha-se difundido o jansenismo que, com a sua
teoria, atacava o valor universal da Redenção de Cristo. Então Jesus interveio
através de várias aparições à mística francesa Margarida Maria Alacoque, à qual
pediu que difundisse a devoção ao seu Coração. É uma nova e forte
chamada de atenção para o Corpo de Cristo, na sua parte mais sensível: o
coração, sede dos afetos. Após muitas lutas e peripécias, a Igreja
instituiu a festa do Sagrado Coração.
No nosso tempo, a tentação de esquecer a realidade
do Corpo de Cristo é enorme. Muitos teólogos modernos, sobretudo com
mentalidade hegeliana, foram promotores de teorias enganosas e nocivas, e Deus
interveio e continua a intervir mediante inúmeros sinais. Um destes, sem dúvida
o mais evidente, foi o Padre Pio que, durante mais de meio século, trouxe no
seu corpo os estigmas de Cristo, como significado de que o sofrimento não é uma
coisa estéril e absurda, mas o meio de alcançar a Redenção.”
Com os seus estigmas, o Padre Pio recorda ao homem
do Terceiro Milênio, transtornado pelas miragens do progresso científico e
tecnológico, que o Calvário ainda continua a ser o único viático
misterioso para alcançar a salvação total.
Referências
o
Extraído e levemente adaptado de: Renzo
Allegri. Padre Pio: um santo entre nós. Trad. de Maria do Rosário
Pernas. Lisboa: Paulinas, 1999, pp. 175-178.
https://padrepauloricardo.org/blog/os-estigmas-do-padre-pio-a-luz-da-historia-da-igreja
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