REFLEXÃO
DOMINICAL III
Correção no amor e oração, alimentos da vida fraterna
Por
Francisco Cornélio Freire Rodrigues
1.
Introdução geral
A liturgia deste domingo
nos convida a refletir sobre a importância da correção fraterna na vida da
comunidade cristã, recordando que somos todos responsáveis uns pelos outros. A
principal motivação para isso é o amor, plenitude da Lei e elemento essencial
da vida cristã, o qual deve ser vivido reciprocamente. Embora delicado, esse
tema é fundamental para a comunidade, pois é, ao mesmo tempo, uma denúncia à
omissão e à indiferença diante do pecado, que prejudica a vida e ameaça a
unidade.
É inegável que a fé em
Deus exige responsabilidade para com os outros, o que comporta vigilância,
solidariedade e correção. É isso o que une especialmente a primeira leitura e o
Evangelho e o que Paulo completa na segunda, apontando o amor mútuo como um
dever de todos os cristãos e cristãs. De fato, sem o amor, o exercício da
correção fraterna poderia ser usado como pretexto para atitudes autoritárias e
abusivas, algo inadmissível numa comunidade que vive a fraternidade e a traduz
em oração, como indica o Evangelho. Por sinal, fraternidade e oração são
dimensões inseparáveis na vida da comunidade cristã.
1.
Comentários dos textos bíblicos
2.
I leitura: Ez 33,7-9
A primeira leitura é
tirada do grande livro atribuído a Ezequiel, um profeta que sentiu na pele o
drama do exílio babilônico. Ele foi levado à Babilônia ainda na primeira
deportação, em 597 a.C., e lá recebeu o chamado à missão profética. Todo o seu
ministério foi exercido junto ao povo exilado, por isso ficou conhecido como “o
profeta da esperança”, pois esperança era uma das principais necessidades do
povo, no momento mais dramático da sua história.
Ezequiel foi um dos
profetas mais criativos de Israel, fazendo uso intenso de imagens e gestos
simbólicos para transmitir sua mensagem. No pequeno trecho lido neste dia,
temos breve descrição da sua missão profética. Ele tem consciência de ter sido
constituído por Deus como um vigia para o povo de Israel (v. 7a). Algumas
traduções optam por sentinela, em vez de vigia. É imagem que evoca vigilância e
advertência; enquanto outros descansam, o vigia permanece acordado, atento aos
perigos externos e ao comportamento do próprio povo. Nas cidades antigas, o
vigia permanecia em pontos altos, preferencialmente em torres, para ter uma
visão privilegiada; quando percebia uma ameaça, mesmo que ainda longe, tocava a
trombeta como sinal de alerta, dando ao povo a oportunidade de proteger-se a
tempo. Essa imagem sintetiza a missão do profeta como porta-voz de Deus e
responsável pelo bem do povo.
Acima de tudo, o profeta
deve ser vigilante consigo mesmo, evitando o perigo da omissão (v. 7b): deve
comunicar a palavra de Deus, com as exigências que ela contém, em qualquer
circunstância, sem medo algum, para não se tornar cúmplice do pecado. Ele não
transmite a própria opinião, mas faz conhecer o pensamento de Deus, mesmo que
seja, às vezes, desagradável ao povo (v. 8). Não pode ser omisso nem conivente
quando o povo não age conforme o projeto de Deus, mas deve respeitar a
liberdade do outro (v. 9): quem recebe a mensagem é livre para acolhê-la ou não.
Ao profeta é importante a consciência da responsabilidade e a fidelidade à
missão recebida de Deus. O mesmo se aplica à vida cristã, como ensina o
Evangelho deste domingo: na comunidade, todos são responsáveis uns pelos
outros.
3.
II leitura: Rm 13,8-10
A segunda leitura
continua sendo tirada da carta de Paulo aos Romanos, como já vem sendo feito há
alguns domingos. Após ter tratado das relações e dos deveres dos cristãos para
com as autoridades civis (Rm 13,1-7), Paulo fala do dever primordial dos cristãos
entre si e para com o próximo, de uma maneira geral, recordando o primado do
amor em qualquer relação interpessoal. É disso que trata o trecho em pauta,
considerado por alguns estudiosos como o segundo hino de Paulo ao amor,
comparável a 1Cor 13, embora bem mais breve e menos solene.
Continuando o
ensinamento do próprio Jesus (Mt 19,18; Mc 12,31; Lc 10,27; Jo 13,34), Paulo
ensina que, na vida cristã, o amor recíproco não é opção, mas dever (v. 8) do
qual ninguém pode sentir-se isento. Para ele, os cristãos devem estar em dia
com as obrigações civis e não devem contrair débitos com o próximo, até para a
tranquilidade da consciência. Já em relação ao amor, este implica uma dívida
constante, embora seja um dom gratuito, e nisso não há contradição alguma. Somos
todos devedores de amor ao próximo, porque fomos criados para amar. O amor ao
próximo é, portanto, o cumprimento da Lei (v. 10), pois é a síntese de todos os
mandamentos (v. 9).
O resultado do amor é a
prática do bem para com o próximo. De fato, quem ama não apenas não pratica o
mal (v. 10), mas só pode fazer o bem, o que envolve não se omitir nem ser
cúmplice do erro do outro. E assim encontramos convergência também entre a
segunda leitura e o Evangelho: a correção fraterna só é válida se for motivada
pelo amor; do contrário, deixa de ser fraterna e não passa de punição ou
vingança.
- Evangelho: Mt
18,15-20
O Evangelho deste e do
próximo domingo é tirado do quarto dos cinco discursos atribuídos a Jesus no
Evangelho segundo Mateus. É um discurso que trata especialmente das relações
entre os membros da comunidade, por isso é chamado de “discurso comunitário”, ocupando
todo o capítulo 18 do Evangelho. Os temas abordados nesse discurso são os
seguintes: a necessidade de ser humilde (vv. 1-4), o perigo do escândalo (vv.
5-10), a correção fraterna (vv. 15-18), a oração comunitária (vv. 19-20) e a
necessidade do perdão (vv. 21-22). Há ainda duas parábolas que funcionam como
aprofundamento dos temas citados: a da ovelha desgarrada (vv. 12-14) e a do
servo impiedoso (vv. 23-35).
Certamente, por trás do
discurso, está a comunidade de Mateus, com problemas internos de convivência;
para ajudar a resolvê-los, o evangelista recorda os principais ensinamentos de
Jesus sobre a vida fraterna. O texto lido neste dia compreende dois dos temas
mencionados acima: a correção fraterna e a oração comunitária. Ambos estão
intrinsecamente relacionados e são verdadeiros alimentos para a vida
comunitária; por isso, são indispensáveis.
Na comunidade cristã, as
pessoas são todas irmãs umas das outras, o que implica responsabilidade e
cuidados recíprocos. Por isso, Jesus ensina que, quando há ofensas e conflitos
pessoais, a primeira iniciativa deve ser o diálogo franco e sincero, tendo em
vista a reconciliação (v. 15). Essa proposta é uma alternativa às reações
extremistas mais comuns: a indiferença e a vingança, práticas inaceitáveis numa
comunidade fraterna. A correção em particular é um gesto de amor; por isso,
deve ser feita com discrição, sem exposição nem acusação pública. Caso essa
iniciativa não surta efeito, Jesus propõe um segundo passo, que consiste na
repetição da correção diante de um número mínimo de testemunhas (v. 16),
aplicando, assim, importante costume judaico (Dt 19,15). Se também esta não
funcionar, Jesus ainda propõe uma terceira, desta vez levando a questão para a
Igreja (v. 17a). Igreja, aqui, não significa instituição hierárquica ou
jurídica, mas a comunidade reunida. Se nem mesmo esta última medida for eficaz,
isso significa que o irmão já não está disposto a viver a fraternidade. Por
conseguinte, deve ser tratado pela comunidade como um pagão ou um publicano (v.
17b), o que não significa excomunhão, mas a necessidade de conversão, pois,
para Jesus, os pagãos e os publicanos não são pessoas rejeitadas, mas
destinatárias da Boa-nova. Em suma, quando um irmão fere a unidade da
comunidade e resiste a todas as tentativas de reconciliação, deve ser afastado,
mas as portas devem ficar abertas para voltar quando quiser. Para tanto, deverá
refazer o caminho de conversão, como fazem os pagãos e os publicanos.
A vivência coerente do
amor e o esforço pela reconciliação dos irmãos fazem da comunidade um reflexo
do céu (v. 18). É essa coerência que garante a eficácia da oração (v. 19) e
confirma a presença constante de Jesus na comunidade (v. 20). Aqui, Mateus
reforça um dos temas mais caros da sua teologia: a presença de Deus na humanidade.
Anunciado como “Deus conosco” ainda no contexto do nascimento (Mt 1,23), Jesus
indica que a comunidade reunida em seu nome é o espaço privilegiado para
experimentar essa presença.
III. Pistas para reflexão
Mostrar a coerência
temática entre as leituras e o Evangelho. Recordar que a comunidade deve
esforçar-se ao máximo para que ninguém se afaste, mesmo sabendo que as pessoas
são livres para escolher. É importante que a pregação não assuma cunho
moralista. Deve-se insistir na importância do amor recíproco e na
responsabilidade que os membros da comunidade têm uns com os outros. Incentivar
a oração comunitária e a leitura da Bíblia em pequenos grupos. Como estamos no
primeiro domingo de setembro, é importante recordar a importância do mês da
Bíblia, motivando a leitura e o estudo da Palavra de Deus.
Francisco Cornélio Freire Rodrigues
é presbítero da Diocese
de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università
San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo
Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo
Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo
Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/6-de-setembro-23-domingo-do-tempo-comum/
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