REFLEXÃO DOMINICAL II
Modéstia e gratuidade
Jesus é um destes hóspedes que não ficam reféns de
seus anfitriões. Já o mostrou a Marta (16º dom); mostra-o também hoje
(evangelho). O anfitrião é um chefe dos fariseus. A casa está cheia de seus
correligionários, não muito bem-intencionados (14,2). Para começar, Jesus
aborda o litigioso assunto do repouso sabático, defendendo uma opinião bastante
liberal (14, 3-6). Depois, numa parábola, critica a atitude dos fariseus, que
gostam de ser publicamente honrados por sua virtude, também nos banquetes, onde
gostam de ocupar os primeiros lugares.
Alguém que ocupa logo o primeiro lugar num banquete
não pode mais ser convidado pelo anfitrião para subir a um lugar melhor; só
pode ser rebaixado, se aparecer alguma pessoa mais importante. É melhor ocupar
o último lugar, para poder receber o convite de subir mais. Alguém pode achar
que isso é esperteza. Mas o que Jesus quer dizer é que, no Reino de Deus, a
gente deve estar numa posição de receptividade, não de auto-suficiência.
A segunda parábola relaciona-se também com o
banquete: não convidar os que nos podem convidar de volta, mas os que não têm
condições para isso. Só assim nos mostraremos verdadeiros filhos do Pai, que
nos deu tudo de graça. Claro que esta gratuidade pressupõe a primeira atitude:
o saber receber.
Portanto, a mensagem de hoje é: saber receber de
graça (humildade) e saber dar a graça (gratuidade). A 1ª leitura sublinha a
necessidade da humildade, oposta à auto-suficiência. A 2ª leitura não demonstra
muito parentesco temático com a 1ª e o evangelho. Contudo, complementa o tema
da gratuidade, mostrando como Deus se tornou, gratuitamente, acessível para
nós, em Jesus Cristo. O tom da leitura é de gratidão por este mistério.
Graça, gratidão e gratuidade são os três momentos
do mistério da benevolência que nos une com Deus. Recebemos sua “graça”, sua
amizade e bem-querer. Por isso nos mostramos agradecidos, conservando seu dom
em íntima alegria, que abre nosso coração. E deste coração aberto mana uma
generosa gratuidade, consciente de que há mais felicidade em dar do que em
receber (cf. At 20,35). O que não quer dizer que a gente não pode gostar
daquilo que recebe. Significa que só atingirá a verdadeira felicidade quem
souber dar gratuitamente. Quem só procura receber, será um eterno frustrado.
Com vistas à comunicação na magnanimidade, a
humildade não é a prudência do tímido ou do incapaz, nem o medo de se expor,
que não passa de egoísmo. A verdadeira humildade é a consciência de ser pequeno
e de ter que receber, para poder comunicar. Humildade não é tacanhice, mas o
primeiro passo da magnanimidade. Quem é humildade não tem medo de ser generoso,
pois é capaz de receber. Gostará de repartir, porque sabe receber; e de
receber, para poder repartir. Repartirá, porém, não para chamar a atenção para
si, como o orgulhoso que distribui ricos presentes, e sim, porque, agradecido,
gosta de deixar seus irmãos participar dos dons que recebeu.
Podemos também focalizar o tema de hoje com uma
lente sociológica. Torna-se relevante, então, a exortação ao convite gratuito.
Jesus manda convidar pessoas bem diferentes daquelas que geralmente se
convidam: em vez de amigos, irmãos, parentes e vizinhos ricos, convidem-se
pobres, estropiados, coxos e cegos – ou seja, em vez do círculo social da
gente, os marginalizados. E na parábola seguinte, do grande banquete, o
“senhor” convida, finalmente, exatamente as quatro categorias mencionadas (Lc
14,21).
O amor gratuito é limitação do amor de Deus. A
autenticidade do amor gratuito se mede pela pouca importância dos beneficiados:
crianças, inimigos, marginalizados, enfermos (cf. tb. Mt 25, 31-46). Jesus não
proíbe gostar de parentes e vizinhos. Mas realmente imitar o amor gratuito, a
hésed de Deus, a gente só o faz na “opção preferencial” pelos que são menos
importantes.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Simplicidade e gratuidade
As leituras de hoje insistem em virtudes fora de
moda: mansidão e humildade (1ª leitura), modéstia e gratuidade (evangelho).
Quanto à modéstia, Jesus usa um argumento da sabedoria popular, do bom senso:
se alguém for sentar no primeiro lugar num banquete e um convidado mais digno
chegar depois dele, esse primeiro terá de ceder seu lugar e contentar-se com
qualquer lugarzinho que sobrar. Mas quem se coloca no último lugar só pode ser
convidado para subir e ocupar um lugar mais próximo do anfitrião.
Ora, citando essa humildade de quem se faz de burro
para comer milho, Jesus pensa em algo mais. Por isso, acrescenta uma outra
parábola, para nos ensinar a fazer as coisas não por interesse egoísta, mas com
gratuidade. Seremos felizes – diz Jesus – se convidarmos os que não podem
retribuir, porque Deus mesmo será então nossa recompensa. Estaremos bem com
ele, por termos feito o bem aos seus filhos mais necessitados.
A gratuidade não é a indiferença do homem frio, que
faz as coisas de graça porque não se importa com nada, pois isso é orgulho!
Devemos ser gratuitos simplesmente porque os nossos “convidados” são pobres e
sua indigência toca o nosso coração fraterno. O que lhes damos tem importância,
tanto para eles como para nós. Tem valor. Recebemo-lo de Deus, com muito
prazer. E repartimo-lo, porque o valorizamos. Dar o que não tem valor não é
partilha: é liquidação… Mas quando damos de graça aquilo que com gratidão
recebemos como dom de Deus, estamos repartindo o seu amor.
Tal gratuidade é muito importante na transformação
que a sociedade está necessitando. Importa não apenas “fazer o bem sem olhar
para quem” individualmente, mas também social ou coletivamente: contribuir para
as necessidades da comunidade, sem desejar destaque ou reconhecimento especial;
trabalhar e lutar por estruturas mais justas, independentemente do proveito
pessoal que isso nos vai trazer; praticar a justiça e humanitarismo anônimos;
ocupar-nos com os insignificantes e inúteis…
Assim, a lição de hoje tem dois aspectos: para nós
mesmos, procurar a modéstia, ser simplesmente o que somos, para que a graça de
Deus nos possa inundar e não encontre obstáculo em nosso orgulho. E para os
outros, sermos anfitriões generosos, que não esperam compreensão, mas, sem
considerações de retorno em dinheiro ou fama, oferecem generosamente suas
dádivas a quem precisa.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
https://www.dioceseunivitoria.org.br/2019/08/22o-domingo-do-tempo-comumano-c/
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