REFLEXÃO DOMINICAL III
LANÇAR FOGO
Lucas é,
sem dúvida, o evangelista que, mais que os outros, trata do tema da paz. Seu
evangelho
se abre com a imagem da paz no coro angelical proclamando “paz na terra
aos homens amados pelo Senhor”(2,13-14) , e se conclui com Jesus
ressuscitado que, ao apresentar-se diante dos seus discípulos, dá-lhes a
paz, “A paz esteja convosco” (24,36), onde a paz significa a
plenitude da vida e da felicidade. Mesmo assim, nesta página de hoje, parece
quase existir uma contradição.
Vamos
ler o que o evangelista Lucas nos diz no capítulo 12, versículos 49-53. Jesus
declara: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra”. Pela
terceira vez, nesse Evangelho, aparece o tema “fogo”. A
primeira vez que ele apareceu foi nas palavras terríveis de João Batista, que
havia anunciado o Messias como aquele que “batizaria com o Espírito
Santo e com fogo” (3,17). Espírito Santo, isto é, a energia divina
para aqueles que acolhem Jesus e sua mensagem, e “fogo” - imagem
da castigo destruidor - para aqueles que O rejeitam, isto é, para os pecadores.
A
segunda vez: o tema “fogo” tinha aparecido nas palavras de
Tiago e João. Eles, vendo que uma aldeia samaritana não tinha acolhido Jesus,
disseram: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para acabar
com eles” (9,53-53). Portanto, era um fogo destruidor. A imagem do
fogo, até agora, é apresentada como o castigo de Deus.
Porém,
não é esse o fogo que Jesus veio “para lançar sobre a terra”! Nós
iremos compreender isso, devagarzinho, a partir das expressões dele: esse
fogo é o fruto da morte de Jesus. Sabemos que Lucas apresenta, depois da
morte de Jesus, a Pentecostes, como a descida do Espírito na forma de “línguas
de fogo” (Atos 2,1-3). É a nova realidade da nova comunidade, isto é,
da Aliança entre Deus e o povo, não mais baseada na observância das Suas leis,
mas na recepção do Seu Espírito, isto é, do seu Amor.
Então
Jesus diz: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra...” -
portanto esse fogo do Espírito - “...e como gostaria que já estivesse
aceso!”. Jesus está esperando ansioso que seus discípulos, sua
comunidade, seu povo, estabeleçam um novo e diferente relacionamento com Deus,
que não seja aquele decretado por Moisés, mas aquele trazido por Ele, o Filho
amado, que oferece esse novo relacionamento entre os filhos e seu Pai.
E Jesus
continua: “Devo receber um batismo...”. É claro que aqui a
palavra “batismo” não tem a imagem do rito e da liturgia, que,
depois terá o termo de “sacramento do batismo” que
significa imersão, mas também tem uma imagem negativa, como algo que O puxa,
algo que O arrasta! Por isso, é como se Jesus acrescentasse: “Há
algo que vai me oprimir e que devo receber”.
“....e
como estou ansioso...”. Realmente aqui o evangelista não usa o
termo “ansioso”. A palavra usada por Lucas indica ser “pressionado”, “dominado por
um forte desejo”. Portanto Jesus experimenta mesmo essa paixão para esse
evento, algo de muito negativo: uma situação que o arrastará. “Devo
receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra”.
Portanto,
poderíamos traduzir: “há um mergulho (um batismo,
uma imersão) em que eu vou ser mergulhado!". É a
imersão na violência, na morte que O arrasará.
Nesta
altura eis a surpresa: começamos dizendo que Lucas é o evangelista da paz.
Jesus tira qualquer dúvida sobre o que significa essa paz e diz: “Vós
pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim
trazer divisão”. Para nós é surpreendente ouvir essas palavras de
Jesus, mas, o que quer dizer: “eu vim trazer divisão?”. Essa paz
que Jesus veio trazer, fruto de uma nova relação entre os humanos e Deus - como
a de filhos e filhas com o pai - vai encontrar a reação e a oposição de muitas
forças que se desencadearão.
E quais
são essas forças? Jesus fala de divisão, tomando a imagem de uma família, uma
família normal.
“Daqui
em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e
duas contra três...”, quer dizer, se divide o que representa o
velho contra o novo. De fato, Jesus acrescenta: “Ficarão divididos:
o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a
filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a
sogra”. A iniciativa dessa divisão é tomada pelos representantes do
passado: o pai, a mãe, a sogra que não aceitam essa novidade da mensagem de
Jesus, que é, pelo contrário, recebida pelos discípulos Dele.
Qual
é a causa da divisão? É
preciso frisar que aqui Jesus não está falando de divisão de filho contra
filho, de irmão contra irmão. Não! A divisão na comunidade dos crentes em Jesus
não é permitida, porque onde há divisão a comunidade se destrói! O evangelista
aqui refere-se a uma imagem conhecida, a do profeta Miquéias, que no capítulo
7, versículo 6, escreve: “o filho insulta o próprio pai, a filha se
revolta contra a mãe e a nora contra a sogra”.
E tinha
acrescentado: “E os inimigos do homem serão os de sua própria
casa” (Mt 10,36). Os inimigos dessa nova realidade, dessa nova
relação com o seu Pai não serão aqueles que estão fora da religião, mas exatamente
aqueles que estão dentro da religião que não irão aceitar essa novidade.
No
entanto, Jesus é aquele Deus que veio para fazer novas todas as coisas. Quem
está parado no passado nunca poderá entender a novidade que o Espírito propõe.
* ALBERTO MAGGI (Ancona, 1945) é um teólogo,
estudioso da Bíblia e religioso da Ordem dos Servos de Maria italiano. Estudou
na Pontifícia Faculdade Teológica "Marianum"
e "Gregoriana" em Roma e na ''Escola Bíblica e Arqueológica
de Jerusalém''. Desde 1995 dirige o Centro de Estudos de ''Giovanni
Vannucci'' bíblica em Montefano (MC), onde, juntamente com o confrade Ricardo
Perez Marquez, dedica-se à divulgação de estudos bíblicos através de reuniões,
publicações e transmissões. Ele escreve para a revista "Rocca" e coordenou
na Rádio Vaticano a transmissão de "A Boa Nova é para todos." A
partir do site do Centro de Estudos Bíblicos transmite ao vivo, através da
plataforma Livestream, os encontros do primeiro e do segundo domingo do mês
sobre o Evangelho de João, e quinta-feira à noite a leitura e comentário do
Evangelho de domingo seguinte. Para saber mais, clique aqui;
a versão em português deste mesmo site está acessível aqui.
Traduzido do italiano e adaptado
por Pe. Bartolomeo Bergese, diocese de Pesqueira (PE), no Brasil.
Fonte: Centro
di Studi Biblici «Giovanni Vanucci» – Português – Homilias
– Agosto 2016
http://padretelmojosefigueiredo.blogspot.com/2016/08/20-domingo-do-tempo-comum-ano-c-homilia.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário