REFLEXÃO
DOMINICAL I:
TODOS SOMOS CHAMADOS À SANTIDADE
Por Izabel Patuzzo*
I.
INTRODUÇÃO GERAL
A solenidade de Todos
os Santos e Santas remonta aos primeiros séculos da era cristã. Essa festa
litúrgica foi instituída para homenagear todos os santos conhecidos e
desconhecidos, particularmente os homens e mulheres que deram a vida pela fé em
Jesus Cristo. Durante o longo período de perseguição, houve muitos que sofreram
o martírio no mesmo dia e, naturalmente, a Igreja passou a fazer memória de seu
testemunho numa única data. Desse modo, em sua origem, a solenidade de Todos os
Santos e Santas recorda todos aqueles que se santificaram dando a vida pela fé,
às vezes no silêncio e no anonimato.
Cada um a seu modo,
os santos nos inspiram a sermos discípulos de Jesus, assumindo nosso batismo
com fidelidade radical. Nesta solenidade, refletimos sobre o chamado à
santidade que cada um de nós recebe e agradecemos a Deus a missão que ele nos
confia. Professamos a comunhão dos santos e a vida eterna enquanto caminhamos
neste mundo. Todos nós somos chamados a viver a comunhão com os irmãos e irmãs
como preparação à comunhão eterna.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I
leitura (Ap 7,2-4.9-14)
O autor do Apocalipse faz uso de uma
literatura simbólica muito comum em sua época, chamada de literatura
apocalíptica ou enóquica. O texto relata uma das visões proféticas que
descrevem os anjos como os mediadores entre Deus e a comunidade dos fiéis. Os
anjos, pela sua proximidade com Deus, são revestidos de autoridade para
carregarem os selos de Deus, os quais, segundo a simbologia apocalíptica,
remetem à identidade dos que foram marcados pelo batismo e também pelo
martírio. O selo, na verdade, é o sinal externo de que somos servos de Deus e
lhe pertencemos. O cristão é assinalado na testa com o sinal de sua pertença a
Deus, o qual, no livro do Apocalipse, contrasta com o sinal da besta, portado
por aqueles que praticam a idolatria. A marca que o cristão carrega é sinal de
fidelidade, de perseverança na fé.
A primeira leitura também fala da grande
multidão no céu que adora o Cordeiro imolado e ressuscitado. Os santos selados
na terra são vistos, em seguida, no céu, vestidos com roupas brancas de triunfo
e segurando ramos de palmeiras nas mãos. Eles celebram a vitória do Cristo
ressuscitado e estão em plena comunhão com ele. São aqueles que saíram
vitoriosos da grande tribulação, isto é, das perseguições que sofreram. Agora
compartilham da vitória de Jesus Cristo porque resistiram e perseveraram na fé
até a morte. Sua recompensa consiste em servir a Deus e celebrar a alegria
eterna, visto que nunca mais sofrerão privações.
1.
II
leitura (1Jo 3,1-3)
Na segunda leitura, João faz referência à
nossa filiação divina. Ser filhos e filhas de Deus tem, como consequência, dar
testemunho de nossa filiação divina. Em primeiro lugar, o cristão não pertence
ao mundo mergulhado no pecado, que recusou receber Jesus Cristo. Todo cristão é
chamado a levar uma vida de santidade como Cristo. Os batizados confiam que
partilharão a vida plena em Cristo no futuro. Na tradição joanina, a pessoa que
conhece a Deus é chamada a ser semelhante a ele, pois o discípulo compartilha
do mesmo destino do Mestre e participará também de sua glória.
Pelo batismo, o
discípulo passa a pertencer à comunidade de fé que Jesus instituiu. Portanto,
pertencer a Deus significa renunciar a toda forma de pecado. A comunidade de fé
não deve confundir-se com o mundo, pois não pratica a iniquidade. O texto
sugere que toda pessoa que mergulha no mundo do pecado não é, de fato, cristã.
Essa leitura indica que a eleição e a habitação divina estão em contraposição
às pessoas que praticam o mal. João espera que os membros da comunidade vivam
de modo coerente com a dignidade de filhos e filhas de Deus.
2.
Evangelho
(Mt 5,1-12)
O texto de Mt 5-7 foi considerado por Santo
Agostinho a “carta magna” da vida cristã. Expressa a verdade ética capaz de
iluminar o agir (o comportamento) cristão. Entende-se por verdade ética: 1) o
saber a respeito da felicidade; 2) o saber obrar o bem. Diante das multidões,
Jesus age por compaixão.
Como novo Moisés, Jesus ensina a multidão do alto da
montanha. Até o momento, Mateus ainda não havia mencionado esse lugar. Depois
dirá que, uma vez concluído seu ensinamento, Jesus desceu da montanha. Esta tem
forte valor simbólico, porque liga o ensinamento do Mestre com a revelação de
Deus a Moisés no Sinai. Como Moisés, Jesus sobe a montanha, mas, diferentemente
daquele, não escuta os mandamentos de Deus: antes, ele os pronuncia,
atualizando-os em forma de bem-aventuranças. Isso porque, para Mateus, Jesus é
o Filho de Deus enviado ao mundo e, portanto, superior a Moisés.
A expressão “sentou-se” indica a posição
de ensino por excelência, de magistério. Há outro movimento por parte daqueles
que ouvem o discurso de Jesus: os discípulos “se aproximaram”. Essa ação,
realizada pelos ouvintes, tem um sentido cultual que remete ao Antigo
Testamento, quando Deus era cultuado na montanha. Ao aplicá-la no contexto de
Jesus, Mateus ressalta essas conotações cultuais: os discípulos se aproximam do
Messias, que os ensina. Esta é a primeira vez que os discípulos são mencionados
no Evangelho segundo Mateus; trata-se daqueles que tinham sido chamados
anteriormente.
A repetição do
adjetivo “felizes” ou “bem-aventurados” indica a plenitude da alegria, com
referência também ao presente, não apenas ao futuro. As três primeiras
bem-aventuranças apresentam um estilo de vida em consonância com o Decálogo:
pureza de coração, mansidão como proposta de não violência e aflição como
consequência da fidelidade às Leis divinas. As demais bem-aventuranças seguem a
mesma estrutura, falam das promessas àqueles que herdarão o Reino dos céus,
pois quem experimenta a misericórdia divina é capaz de ter o mesmo sentimento
em relação aos outros.
A pureza do coração
equivale a uma integridade interior, que se manifesta em comportamentos.
Portanto, Jesus orienta seus discípulos para uma piedade e pureza interior que
emanam de uma fé sincera em Deus. Aqueles que promovem a paz são os que
experimentaram a paz de Deus e por isso se engajam em ações que buscam eliminar
as hostilidades neste mundo, em vista da construção do bem comum. Neste mundo
tão marcado por conflitos e guerras, os que promovem a paz serão reconhecidos
como verdadeiros filhos de Deus, autênticos membros da grande família humana
que tem Deus por Pai. Em Mateus, a linguagem da justiça também diz respeito ao
comportamento correto diante de Deus. Jesus, ao dizer que “deles é o Reino dos
céus”, fecha o ciclo das bem-aventuranças, no sentido de que essas bênçãos são
as principais marcas dos que têm Deus como o único soberano deste mundo.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Em seu conjunto, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus constituem uma mensagem de
esperança para aqueles que, aos olhos do mundo, vivem em condições de
sofrimento e pobreza. Os destinatários das bênçãos divinas não são os
mesmos que o mundo proclama felizes pelo fato de terem poder, dinheiro,
prestígio, aplausos etc. A lógica do
Reino opera uma inversão: os que sofrem todo tipo de privações e perseguições
em virtude de terem escolhido o Reino de Deus são felizes porque não são
esquecidos por Deus; antes, são os destinatários das bênçãos divinas.
A
solenidade deste domingo nos ajuda a celebrar a esperança na ressurreição, pois
os santos e santas de Deus foram aqueles que viveram o batismo de forma radical, no espírito das
bem-aventuranças. Apesar de terem
limites e defeitos, esforçaram-se para se aproximar da luz divina e se deixaram
transformar pelos valores evangélicos. Encontramos em cada um deles um perfil
diferente, mas todos buscaram a fidelidade ao chamado e às inspirações que
receberam de Deus.
Izabel Patuzzo*
*pertence à Congregação Missionárias
da Imaculada – PIME. Mestre em Aconselhamento Social pela South Australian
University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. É licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da
Assunção, em São Paulo. Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade
Católica. E-mail: isabellapatuzzo@hotmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/06-de-novembro-todos-os-santos-e-santas/
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