REFLEXÃO DOMINICAL
III
INICIANDO A SEMANA DAS DORES
Meus irmãos e minhas irmãs,
O último domingo da
Quaresma, chamado Domingo da Paixão, nos introduz no mistério grandioso da
chamada Semana das Dores de Nossa Senhora. A liturgia resumia bem o que
deveríamos retirar como síntese do grande retiro quaresmal: CONHECER, SOFRER E VIVER JESUS CRISTO.
Conhecer e aderir a nossa fé em Jesus Cristo. Sofrer como Jesus sofreu por nós,
um sofrimento incruento, que foi até o grande final de ter que morrer na cruz
pela Salvação de todo o gênero humano. E, mais do que tudo isso, conhecendo e
sofrendo, todos somos convidados a viver em Jesus Cristo com a vitória do
pecado, com a vitória da morte, anunciando a ressurreição com a vida eterna em
Deus Trindade.
Meus irmãos,
A leitura da entrada
de Jesus em Jerusalém e da Paixão segundo o evangelista Marcos, neste ano,
enseja-nos a meditação da cristologia deste Evangelista. Jesus é mais do que
o Filho de Davi. Ele é o filho querido de Deus, o “servo” que, em obediência ao
incansável amor do Pai para com os homens, dá sua vida, realizando em plenitude
o que prefigurou o servo fiel em Isaías 52-53, no tempo do exílio. Mas, como
Filho de Deus, Ele é também o Filho do Homem, portador de plenos poderes
escatológicos.
A condenação de Jesus sob falsas alegações
religiosas e políticas significa o primeiro passo para a sua vinda gloriosa e o
juízo sobre o mundo, anunciando imediatamente antes da sua paixão. É a
dispersão, prelúdio da reunião do rebanho pelo pastor de todos os tempos,
depois da ressurreição, início do tempo final, prelúdio da vinda definitiva.
O domingo de hoje
abre solenemente as festividades da Semana Santa ou, aqui em Minas, chamada de
Semana Maior dos Mistérios do Senhor Jesus. Uma semana em que a sagrada liturgia
católica vive na maior profundidade possível à paixão, morte e ressurreição do
nosso Salvador.
A semana culmina com a Páscoa, que quer dizer
passagem. Passagem da morte para a vida eterna. Embora celebrando a paixão e
morte, nossos olhos estão fixos na ressurreição do Autor da Vida, como Pedro
chamou a Jesus.
A missa
de hoje tem dois momentos. Um inicial em que são bentos os ramos, compondo
a bênção e a procissão solene com os ramos. A leitura desse primeiro momento
(Mc 11,1-10) conta sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Nesse ano se
lê o Evangelho de Marcos. A procissão nos recorda a vitória de Jesus sobre a
morte e a nossa vitória sobre a maldade e a destruição eterna. As palmas
lembram que renasceram sobre a maldade e a destruição eterna. As palmas lembram
que renasceram acordadas pelo sangue derramado pelo Senhor Jesus. A mesma
lembrança nos devem trazer as palmas bentas, quando colocadas na cabeceira de
nossa cama ou na sala de estar, ou sob o madeiro de nossos crucifixos.
Irmãos e irmãs,
A Primeira
Leitura(cf. Is 50,4-7) dá a palavra a um personagem anônimo, que fala do
seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula “profeta”; porém,
narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem claramente a
ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem
Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam
de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente
modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que
Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de
Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus
para os homens. Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no
sofrimento e na dor. É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o
anúncio das propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se
consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta não
se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento. Em terceiro lugar,
vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama.
A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta
mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição. Por isso, o profeta “não
será confundido”.
Jesus: ele é a Palavra de Deus feita carne,
que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens. A vida de
Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de
todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina
no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova. Jesus, o “servo” sofredor
que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a
vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é
perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido.
Prezados irmãos,
A Segunda Leitura(Cf. Fl 2,6-11) Cristo
Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino.
Dado que os Filipenses são cristãos – quer dizer, dado que Cristo é o protótipo
a cuja imagem estão configurados – têm a iniludível obrigação de comportar-se
como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que
reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem
Novo que, ao orgulho e revolta de Adão, responde com a humildade e a obediência
ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe
exaltação e vida.
O hino define o
“despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a
sua condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a
condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos
homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até
aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os
homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Jesus aceitou uma
morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição do
serviço, do amor radical, da entrega total da vida. No entanto, essa entrega
completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e
entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em
consequência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o
“Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome
impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os
infernos”) reconhece Jesus como “o Senhor” que reina sobre toda a terra e que
preside à história. É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da
vida, que Paulo aqui faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve
ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um
dom a todos. Esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glória, à vida plena.
Meus irmãos e Minhas irmãs,
O texto da Paixão
narrado por Marcos (Mc 14,1-15,47), no segundo momento desta celebração, é o
mais antigo relato deste episódio. O evangelista coloca que Jesus está
plenamente consciente de sua morte, entretanto, não comentando detalhes e
pormenores. Marcos quer narrar o desfecho final: “Verdadeiramente, este homem
era o Filho de Deus”. Na frase do centurião romano está todo o dogma de nossa
fé católica e apostólica: “Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1).
As duas naturezas de
Jesus não se separam no agir, a ponto de devermos dizer que o Cristo-Deus-Homem
padeceu a morte na cruz; o Cristo-Homem-Deus nos salvou. Por isso,
“ver-me-eis assentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu”
(Mc 14,62). Assentar-se à direita e vir sobre as nuvens são expressões bíblicas
que afirmam que Jesus tem poderes divinos, permanece como Deus, presente e
ativo no mundo, único juiz de todas as criaturas.
Meus irmãos,
Marcos coloca em relevo todos os passos de
Jesus e a manifestação da glória de Deus. Cristo agonizante luta com vontade
lúcida, abandonado por todos os amigos. É a convergência de todos os corações,
anunciando a liberdade plena, julgado pelos romanos e judeus, é o juiz supremo.
Pura contradição aos olhos humanos, o que nos leva a refletir: “apresentando-se
como simples homem, humilhou-se, fez-se obediente até a morte e morte de cruz.
Por isso Deus o exaltou e deu-lhe um nome acima de todo nome… e diante dele
dobrem-se todos os joelhos” (Fl 2,6-11).
Hoje nós devemos refletir sobre o protagonismo de Judas
Iscariotes e de Simão Pedro. O
primeiro porque entregou Jesus e o segundo, constituído Pedra angular de nossa
Igreja, o renegou por três vezes. Judas e Pedro representam as atitudes dos
homens e mulheres de dois mil anos atrás e de hoje. Ambos eram
apóstolos, tomavam refeição na mesma mesa com Jesus, companheiros de três anos
de profícua caminhada. Tudo igualzinho a nós outros. Ambos experimentaram do
poder milagroso de Jesus. Na verdade, traímos como Judas e renegamos como Pedro
e muitas vezes não conseguimos explicar para nós mesmos as nossas traições.
Como não conseguimos explicar o comportamento de Judas e a fraqueza de Pedro.
Não saberia dizer
qual dos dois traiu o divino Mestre de maneira mais infame. Judas traiu por
decepção e ganância; Pedro, por medo e por orgulho. Cada um de nós traz dentro
de nosso coração essas quatro más qualidades: decepção, ganância, medo e
orgulho.
A diferença está nas lágrimas de arrependimento e na conversão sincera.
Outro protagonista da
Paixão de Nosso Senhor é Pôncio Pilatos. Homem
frio, calculista, que odiava os judeus, muito dado à violência e à tortura,
porém reconhece a inocência de Jesus, mas lava as suas mãos, mandando açoitar
Jesus e soltar Barrabás. Político, agiu como os políticos, da pior política.
Quantas e quantas
vezes acontecem gestos semelhantes! Para defender a própria carreira, a própria
posição, sacrificamos a justiça. A mesma injustiça de Pilatos é repetida a
todos os momentos pelos políticos e pelos homens simples. Assim, todos estamos
ativos na crucificação do Senhor. Como Pilatos ou como os Apóstolos: ausentes.
Celebrar a paixão e a
morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou
frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e
fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das
tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no
chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido,
continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco
“até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é
possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos
crentes.
Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de
Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-Se com
aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são
explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de
Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de
estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens
continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a
vida por amor. Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que
amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o
amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
Meus irmãos,
Hoje é um domingo em
que poderíamos chamá-lo de domingo de Jesus pobre e sofredor. Este domingo é o
dia especial da fraternidade, dentro da Campanha da CNBB, sobretudo porque hoje
fazemos a Coleta da Fraternidade. Esse é o gesto mais simples que podemos fazer
hoje, como um ato de solidariedade para com os milhares de vítimas da violência
atendidas pelos mais diversos serviços da Igreja, principalmente os trabalhos
assistenciais desenvolvidos pelas nossas comunidades, paróquias, Dioceses, a
fim de resgatar a dignidade e promover os que vivem a realidade da violência e
da insegurança, em todos os níveis, sendo chamados pelo Cristo: “Eu vim para
servir!” (Mc 10,45).
Buscando viver a
partir do Evangelho, os cristãos, as comunidades cristãs, propõem modos de
conviver, para não excluir ninguém. Por isso, estão sempre atentos para que
nenhuma pessoa seja excluída da sociedade. As comunidades católicas, os
cristãos católicos serão sempre ativos quando se trata da justiça, da
participação política, da convivência, do cuidado, da solidariedade, da
caridade, da autonomia, do acolhimento. Os
católicos, as comunidades católicas profundamente ativas na sociedade não se
deixarão tomar pela globalização da indiferença. Saberão chorar com os que
choram e rir com aqueles que riem.
O dinheiro arrecadado nessa coleta nacional
ampliará e deverá melhorar muito o atendimento a esses nossos irmãos,
injustamente condenados à exclusão da violência, do ódio, do medo, da
insegurança, do fechamento em vistas da violência reinante, enfim, a uma cruz
pesada que lhes roubam a alegria de chegar ao termo da vida com um mínimo de
dignidade. A eles Cristo também se faz solidário e nos apela, hoje, a sairmos
do comodismo e nos convertermos a uma nova prática, baseada no serviço, no
despojamento de nós mesmos, no dom do amor sem reservas.
Está aberta, pois, a
semana da conversão e da mudança de vida. O Código de Direito Canônico determina que
a forma ordinária de confissão é a confissão auricular, ou seja, a confissão
pessoal. Por isso, cada um faça o máximo de procurar a reconciliação com Deus e
com a comunidade com um bom exame de consciência e uma perfeita confissão.
Enfim, vivamos a paixão para cantar as alegrias da ressurreição. Amém!
Pe Wagner Augusto
Portugal
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