REFLEXÃO SOBRE O EVANGELHO DE HOJE
AMBIENTE
O Evangelho que hoje
nos é proposto faz parte de uma secção em que Mateus apresenta as reações e
atitudes que as várias pessoas e grupos assumem frente a Jesus e à sua proposta
de “Reino” (cf. Mt 11,2-12,50).
Nos versículos que antecedem este episódio (cf. Mt 11,20-24), Jesus havia dirigido
uma veemente crítica aos habitantes de algumas cidades situadas à volta do lago
de Tiberíades (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum), porque foram testemunhas da sua
proposta de salvação e mantiveram-se indiferentes. Estavam demasiado cheios de
si próprios, instalados nas suas certezas, calcificados nos seus preconceitos e
não aceitavam questionar-se, a fim de abrir o coração à novidade de Deus.
Agora, Jesus manifesta-Se convicto de que essa proposta, rejeitada pelos
habitantes das cidades do lago, encontrará acolhimento entre os pobres e
marginalizados, desiludidos com a religião “oficial” e que anseiam pela
libertação que Deus tem para lhes oferecer.
O nosso texto consta de três “sentenças” que, provavelmente, foram pronunciados
em ambientes diversos deste que Mateus nos apresenta. Dois desses “ditos” (cf.
Mt 11,25-27) aparecem também em Lucas (cf. Lc 10,21-22) e devem provir de um
documento que reuniu os “ditos” de Jesus e que tanto Mateus como Lucas
utilizaram na composição dos seus Evangelhos. O terceiro (cf. Mt 11,28-30) é
exclusivo de Mateus e deve provir de uma fonte própria.
MENSAGEM
A primeira sentença
(cf. Mt 11,25-26) é uma oração de louvor que Jesus dirige ao Pai, porque Ele
escondeu “estas coisas” aos “sábios e inteligentes” e as revelou aos “pequeninos”.
Os “sábios e inteligentes” são certamente esses “fariseus” e “doutores da Lei”
que absolutizavam a Lei, que se consideravam justos e dignos de salvação porque
cumpriam escrupulosamente a Lei, que não estavam dispostos a deixar pôr em
causa esse sistema religioso em que se tinham instalado e que – na sua
perspectiva – lhes garantia automaticamente a salvação. Os “pequeninos” são os
discípulos – os primeiros a responder positivamente à oferta do “Reino”; e são
também esses pobres e marginalizados (os doentes, os publicanos, as mulheres de
má vida, o “povo da terra”) que Jesus encontrava todos os dias pelos caminhos
da Galiléia, considerados malditos pela Lei, mas que acolhiam, com alegria e
entusiasmo, a proposta libertadora de Jesus.
A segunda sentença (cf. Mt 11,27) relaciona-se com a anterior e explica o que é
que foi escondido aos “sábios e inteligentes” e revelado aos “pequeninos”.
Trata-se, nem mais nem menos, do “conhecimento” (quer dizer, uma “experiência
profunda e íntima”) de Deus.
Os “sábios e inteligentes” (fariseus e doutores da Lei) estavam convencidos de
que o conhecimento da Lei lhes dava o conhecimento de Deus. A Lei era uma
espécie de “linha direta” para Deus, através da qual eles ficavam a conhecer
Deus, a sua vontade, os seus projetos para o mundo a para os homens; por isso,
apresentavam-se como detentores da verdade, representantes legítimos de Deus,
capazes de interpretar a vontade e os planos divinos.
Jesus deixa claro que quem quiser fazer uma experiência profunda e íntima de
Deus tem de aceitar Jesus e
segui-l’O. Ele é “o Filho” e só Ele tem uma experiência profunda de intimidade
e de comunhão com o Pai. Quem rejeitar Jesus não poderá “conhecer” Deus: quando
muito, encontrará imagens distorcidas de Deus e aplicá-las-á depois para julgar
o mundo e os homens. Mas quem aceitar Jesus e O seguir, aprenderá a viver em
comunhão com Deus, na obediência total aos seus projetos e na aceitação
incondicional dos seus planos.
A terceira sentença (cf. Mt 11,28-30) é um convite a ir ao encontro de Jesus e
a aceitar a sua proposta: “vinde a Mim”; “tomai sobre vós o meu jugo…”.
Entre os fariseus do tempo de Jesus, a imagem do “jugo” era aplicada à Lei de
Deus (cf. Si 6,24-30; 51,26-27) – a suprema norma de vida. Para os fariseus, por
exemplo, a Lei não era um “jugo” pesado, mas um “jugo” glorioso, que devia ser
carregado com alegria.
Na realidade, tratava-se de um “jugo” pesadíssimo. A impossibilidade de
cumprir, no dia a dia, os 613 mandamentos da Lei escrita e oral criava consciências
pesadas e atormentadas. Os crentes, incapazes de estar em regra com a Lei,
sentiam-se condenados e malditos, afastados de Deus e indignos da salvação. A
Lei aprisionava em lugar de libertar e afastava os homens de Deus em lugar de
os conduzir para a comunhão com Deus.
Jesus veio libertar o homem da escravidão da Lei. A sua proposta de libertação
plena dirige-se aos doentes (na perspectiva da teologia oficial, vítimas de um
castigo de Deus), aos pecadores (os publicanos, as mulheres de má vida, todos aqueles
que tinham publicamente comportamentos política, social ou religiosamente
incorretos), ao povo simples do país (que, pela dureza da vida que levava, não
podia cumprir escrupulosamente todos os ritos da Lei), a todos aqueles que a
Lei exclui e amaldiçoa. Jesus garante-lhes que Deus não os exclui nem amaldiçoa
e convida-os a integrar o mundo novo do “Reino”. É nessa nova dinâmica proposta
por Jesus que eles encontrarão a alegria e a felicidade que a Lei recusa
dar-lhes.
A proposta do “Reino” será uma proposta reservada a uma classe determinada (os
pobres, os débeis, os marginalizados), em detrimento de outra (os ricos, os
poderosos, os da “situação”)? Não. A proposta do “Reino” destina-se a todos os
homens e mulheres, sem exceção… No entanto, são os pobres e débeis, aqueles que
já desesperaram do socorro humano que têm o coração mais disponível para
acolher a proposta de Jesus. Os outros (os ricos, os poderosos) estão demasiado
cheios de si próprios, dos seus interesses, dos seus esquemas organizados, para
aceitar arriscar na novidade de Deus
.
Acolhendo a proposta de Jesus e seguindo-O, os pobres e oprimidos encontrarão o
Pai, tornar-se-ão “filhos de Deus” e descobrirão a vida plena, a salvação
definitiva, a felicidade total.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar
os seguintes desenvolvimentos:
• Por detrás das
palavras de Jesus que o Evangelho de hoje nos apresenta, está o cenário do
projeto de salvação que Deus tem para os homens e para o mundo. Deus ama os
homens com um amor sem limites e quer que eles cheguem à vida eterna, à
felicidade sem fim; por isso, enviou ao mundo o próprio Filho que, com o
sacrifício da sua própria vida, anunciou o Reino e indicou aos homens um
caminho de liberdade e de vida plena. Para concretizar esse projeto do Pai,
Jesus lutou contra tudo aquilo que provocava opressão e escravidão e anunciou a
todos os homens – com palavras e com gestos – o amor, a misericórdia, a bondade
de Deus. Esse projeto de amor toca especialmente os pequenos, os pobres, os
excluídos, os desprezados, os que sofrem, pois são eles que mais necessitam de
salvação. Aqueles que centram a sua vida na espiritualidade do Coração de Jesus
– como os Sacerdotes do Coração de Jesus, fundados pelo Padre Leão Dehon –
devem ser, em razão da sua vocação e carisma, testemunhas privilegiadas desse
amor de Deus, materializado em Jesus e no mistério do seu Coração trespassado.
São fiéis à sua vocação e ao seu carisma e dão testemunho – com gestos, com
palavras, com a vida – do amor de Deus por todos os homens?
• Não podemos, no
entanto, ser testemunhas, sem fazermos nós próprios a experiência de Deus e do
seu amor. Como fazemos uma experiência íntima e profunda de Deus e do seu amor?
O Evangelho responde: através de Jesus. Jesus é “o Filho” que “conhece” o Pai;
só quem segue Jesus e procura viver como Ele (no cumprimento total dos planos
de Deus) pode chegar à comunhão com o Pai. Há crentes que, por terem feito o
“curso completo” da catequese, por irem à missa ao domingo ou por rezarem
fielmente a “Liturgia das Horas”, acham que conhecem Deus (isto é, que têm com
Ele uma relação estreita de intimidade e de comunhão)… Atenção: só “conhece”
Deus quem é simples e humilde e está disposto a seguir Jesus no caminho da
entrega a Deus e da doação da vida aos homens. É no seguimento de Jesus – e só
aí – que nos tornamos “filhos” de Deus.
• O amor de Deus
dirige-se, de forma especial, aos pequenos, aos marginalizados, aos
necessitados de salvação. Os pobres e débeis que encontramos nas ruas das
nossas cidades ou à porta das igrejas das nossas paróquias encontram em nós –
profetas do amor – a solicitude maternal e paternal de Deus? Apesar do imenso
trabalho, do cansaço, do “stress”, dos problemas que nos incomodam, somos
capazes de “perder” tempo com os pequenos, de ter disponibilidade para acolher
e escutar, de “gastar” um sorriso com esses excluídos, oprimidos, sofredores,
que encontramos todos os dias e para os quais temos a responsabilidade de
tornar real o amor de Deus?
• Tornar o amor de
Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o
que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento… Inquieto-me realmente,
frente a tudo aquilo que desfeia o mundo? Pactuo (com o meu silêncio,
indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou esforço-me ativamente
por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus?
• As nossas
comunidades são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de
Deus, não só para os amigos e confrades, mas também para os pobres, os
marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e
de esperança?
https://www.dehonianos.org/portal/solenidade-do-sagrado-coracao-de-jesus-ano-a0/
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